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Francisco Matias

PORTO VELHO E O 4 DE JULHO – PARTE I



1.ESTE ANO, O MUNICÍPIO DE PORTO VELHO completará um século de criação. Não se tem notícia de movimentos para tal comemoração. Pode até ser que haja uma grande festa, seminários, debates ou coisa que o valha. Mas, tudo parece caminhar para um nada do tamanho do Nada. Talvez por isso mesmo seja necessário oxigenar a memória histórica para que as gerações de agora não corram o risco de enveredar pela estrada do esquecimento. O município foi criado no dia 02 de outubro de 1914, no estado do Amazonas. Mas não foi tão simples assim. Para que isso ocorresse muita coisa rolou por cima das águas turvas do Madeira. Fatos, personagens, economia, política, geopolítica, interesses nacionais e estrangeiros permeiam esta face ainda oculta do surgimento de Porto Velho, como circunscrição do estado do Amazonas.

2.Um desses fatos geopolíticos está relacionado ao primeiro processo de povoamento da área que deu início a Porto Velho. Todos sabem que a construção da ferrovia Madeira-Mamoré foi o principal fator para que centenas de imigrantes aportassem no barranco do rio Madeira. Todos sabem que a ferrovia, muito mais do que um projeto boliviano, fazia parte de um projeto muito maior que versava sobre o controle norte-americano da Amazônia. Pois bem. A primeira forma de ocupação do lugar que chamaria Porto Velho, em termos urbanos, deu-se com a decisão do Sindicato Faqhuar (empreiteiras May & Jeckill), de alterar o cronograma da obra, cujo ponto inicial deveria ser na Vila de Santo Antônio do Rio Madeira, MT, para seis Km à jusante, no estado do Amazonas. Foi ali, no local onde funcionava um antigo porto de abarrancamento, que se decidiu pela construção da Estação Inicial Madeira. Era o ano de 1907. Portanto, no dia 4 de julho, ocorreu o lançamento da pedra fundamental da ferrovia e da fixação simbólica do cravo de prata no primeiro dormente da ferrovia. Era também a fundação de um povoado, estilo ferroviário, modelo norte-americano, que seria denominado PORTO VELHO OF THE MADEIRA RIVER.

3.Assim nasceu uma povoação estrangeira em plena Amazônia brasileira, com visão e pensamento colonizador norte-americano, sem nenhum vínculo com a Bolívia e muito menos com o Brasil. O 4 de julho foi escolhido para o evento porque é a data comemorativa da independência dos EUA. Uma data muito importante para um projeto geoestratégico e político muito importante. São passados 107 anos. A Madeira-Mamoré continua sendo o principal mito fundante de Porto Velho e de Guajará-Mirim, mas o 4 de julho, por uma questão de xenofobia e sectarismo, além de fundamentos ideológicos, é uma data que não pode ser comemorada, sequer inscrita como data da fundação de uma povoação norte-americana em pleno vale Amazônico.

4.Sem contar o “patrulheiro do 4 de julho”, o pensamento cultural e histórico da cidade, salvo raras exceções (e cada vez mais raras), vira o rosto para o 4 de julho, defenestra a data e faz o mesmo com o responsável pela fundação da povoação de Porto Velho, o magnata estadunidense Percival Farqhuar. Faz isso com Joaquim Catramby, o engenheiro brasileiro que causou, entre outras coisas, a transferência do local das obras da ferrovia do Mato Grosso para o Amazonas. Faz isso com o político autor da lei de criação do município e da lei que criou a cidade de Porto Velho. Parece que a Madeira-Mamoré caiu do céu, ou era empresa nacional brasileira. Parece que a História de Rondônia depende de vontade ideológica e não dos fatos. Fica difícil, passados mais de cem anos, fazer a nova geração compreender a diferença entre Porto Velho, Porto Velho e Porto Velho. A ideologia de esquerda fala alto, e o resto silencia. Medo ou desconhecimento? Falta de pesquisa ou comodismo histórico. Vamos aos cem anos de Porto Velho, que não será de Porto Velho, nem de Porto Velho, mas de Porto Velho. Salve o 4 de julho.

Historiador e analista político*
Porto Velho, 04.07.2014

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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