Nenhum porto-velhense, nascido ou não nestas plagas, tem o direito de permanecer como espectador passivo diante dos formidáveis acontecimentos que agitam o cenário da atualidade de Porto Velho.(O autor)
1.O mês de outubro começa com festa para Porto Velho. Logo no início registra-se a data da criação do município: 02 de outubro de 1914. Uma formalidade legal estabelecida pela edição da Lei nº 757, aprovada pela Assembleia Legislativa do Amazonas e sancionada pelo governador Jônathas de Freitas Pedroza, que decidiu criar o município visando solucionar problemas de fronteira com o Mato Grosso e o Acre, e, sobretudo, fincar uma bandeira do Amazonas às portas da estação inicial da ferrovia Madeira-Mamoré. Eis o maior problema. O poder econômico e estrangeiro exercido pela empresa The Madeira-Mamoré Railway Company Limited, na região. Observe-se a ementa da lei que criou o município: “Lei n٥ 757, de 2 de outubro de 1914 – Crea o município de Porto Velho, com sede na povoação do mesmo nome, à margem direita do rio Madeira, e dá outras providências”. A coluna usa a grafia antiga para não se perder o momento histórico em que foi escrita a lei de criação do município de Porto Velho.
2.Observe-se que o município foi “creado” com “séde na povoação do mesmo nome”. Portanto, a sede do município não era uma vila ou cidade, mas apenas uma “povoação”, cujo nome que foi dado ao município: Porto Velho. Logo, houve uma certa pressa do Executivo amazonense em criar o município, na medida em que não ocorreu a criação prévia de um distrito, cuja sede é uma Vila, e nem houve o cuidado de elevar a povoação à categoria de cidade. Em seu artigo 1º. a lei dispõe sobre a “creação” do município e estabelece seus limites àqueles constantes pelo Decreto nº 1.063, “baixado no dia 17 de março do corrente ano para aquele Termo Judiciário”. Pois é. O governo do Amazonas, sete meses antes, preparou a região para o que seria um município e baixou o referido Decreto marcando os limites do Termo Judiciário de Porto Velho, no rio Madeira, estabelecido pela Lei nº 741, de 30 de outubro de 1913. Quer dizer: o governo do estado do Amazonas encaminhou projeto para a aprovação da Assembleia Legislativa, criando um termo judiciário em Porto Velho, “annexado à Comarca de Humaitá”, e não fixou seus limites, fazendo-o somente seis meses mais tarde, através de um Decreto. Veja bem. Ocorreu a criação um Termo Judiciário e não de um distrito do município de Humaitá. Foi tudo o que Porto Velho conseguiu ser antes de tornar-se município.
3.É interessante conhecer os primeiros limites do município de Porto Velho, tendo em vista persistir, até os dias atuais, uma teimosa dúvida quanto a sua extensão, em vários segmentos de nossa sociedade. Vejamos, portanto, como o Decreto 1.063/1914 estabeleceu as fronteiras de Porto Velho: “Artigo 1º - O termo judiciário de Porto Velho, no rio Madeira, terá os seguintes limites: ao norte o paralelo que passar pela bocca do igarapé São Lourenço, a montante da praia do Tamanduá, até encontrar os limites com o município de Labrea; a leste uma linha que partindo do ponto fronteiro a bocca do igarapé São Lourenço, na margem direita do rio Madeira, vá encontrar o ponto em que o paraello de 8º 48` sul corta o rio Candeias, em sua margem esquerda; ao sul o citado paralello, limite com o Estado de Matto-Grosso, entre a margem esquerda do rio Candeias e a margem direita do rio Madeira, o rio Madeira até a foz do Abunã, o rio Abunã ate o limite com o território contestado do Acre e esse território; e a oeste o município de Labrea”. A criação do município, sete meses mais tarde, ocorreria dentro desses limites.Isto que dizer que o novo município limitava-se, atualizando-se os limites, com o atual município de Candeias do Jamari, com a Vila de Santo Antonio e, pela margem esquerda do rio Madeira, com o município de Lábrea,AM e o território contestado do Acre, conhecido como Acre Federal. Era, portanto, um pequeno município desmembrado de Humaitá, iniciando seu espaço territorial na altura de Calama, elevado a distrito.
4.Convém frisar que o município de Porto Velho foi criado em contraponto ao de Santo Antonio, de 1908, pertencente ao Mato Grosso, ao poder dos coronéis de barranco, notadamente o milionário boliviano Nicola Suarez Calhaú, dono dos seringais Candelária I e II, e o brasileiro José da Costa Crespo, do seringal Crespo. Mas, sobretudo, à empresa anglo-canadense Madeira-Mamoré. Por isso, em seu artigo 2º a Lei 757/1914, autorizava ao Poder Executivo municipal “a entrar em contato com o Governo Federal, a Madeira-Mamoré Railway Company e os proprietários de terras para a fundação immediata da povoação”. Desse modo, o futuro superintendente ou prefeito teve de se virar para convencer aos diretores da Madeira-Mamoré a aceitar a administração brasileira em um povoado que, na verdade, eram dois: um surgido aos moldes de uma vila ferroviária norte-americana, e outro, que nascia um tanto quanto desorganizado, fundado por mascates e pequenos comerciantes, a maioria constituída por imigrantes nordestinos e libaneses. Não seria tarefa das mais fáceis para futuro prefeito.
Historiador e analista político*
Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)