Nenhum porto-velhense, nascido ou não nestas plagas, tem o direito de permanecer como espectador passivo diante dos formidáveis acontecimentos que agitam o cenário da atualidade de Porto Velho.
1.A lei nº 757/1914, que criou o município de Porto Velho, em seu artigo 3º determinava que “o primeiro governo do município será constituído por nomeação do governador do Estado do Amazonas e o seu mandato se estenderá até 31 de dezembro de 1916”. Mas, para administrar o município, o governador Jônathas de Freitas Pedroza sabia que não poderia nomear qualquer um, haja vista a situação de enfrentamento que havia, envolvendo os poderosos seringalistas e a não menos poderosa empresa The Madeira-Mamoré Railway Company, que era dona de nada mais nada menos que seis léguas de cada lado da ferrovia, em seu trecho de 366 km. Para piorar, a povoação de Porto Velho, dividida em duas sociedades diferentes, estava bem no começo dos domínios madeiro-mamoreanos. Por isso, o governo amazonense resolveu nomear um militar, o major do Exército Fernando Guapindaia de Souza Brejense, que havia participado da Guerra do Acre, encerrada em 1909, quando o Brasil se defrontou com o Peru, em uma guerra sem quartel que durou cinco anos.
2.Para solucionar o problema, os dois países firmaram o Tratado do Rio de Janeiro, que resolveu de uma vez por todas a questão do Acre. O major Guapindaia era, portanto, a pessoa indicada para a difícil tarefa de instalar o município, implantar pela primeira vez uma administração brasileira no final da porção sul do Amazonas e, encarar os americanos, ingleses e canadenses que dirigiam a empresa Madeira-Mamoré. Com estas perspectivas, o novo superintendente tomou posse no dia 24 de janeiro de 1915, na povoação de Porto Velho, diante da sociedade da época, no caso os seringalistas e os representantes da Madeira-Mamoré, com os quais deveria entabular difíceis negociações. Com ele tomaram posse, na qualidade de intendentes (vereadores), as seguintes personalidades porto-velhenses: José Jorge Braga Vieira, Luzitano Correa Barreto, Antonio Sampaio, Manuel Félix de Campos e José Z. Camargo, que formaram o primeiro Conselho Municipal. Como suplentes, foram empossados José de Pontes, Achilles Reis, Horácio Bilhar, Alderico Castilho e Alfredo Clímaco de Carvalho, conforme publicado no jornal O Tempo, edição de 24 de dezembro de 1914, que funcionava como uma espécie de diário oficial do estado do Amazonas.
3.Com o mandato estabelecido para terminar em 31 de dezembro de 1916, o major Guapindaia realizou uma administração tímida e conflituosa, tendo em vista os problemas com a Madeira-Mamoré que fornecia toda a infraestrutura urbana para a povoação de Porto Velho, incluindo luz elétrica e água potável, e interrompia o fornecimento sempre que tinha seus interesses contrariados. Além disso, a empresa determinou uma linha-limite, localizada na atual Avenida Presidente Dutra. Esta importante artéria era denominada Avenida Divisória, tendo em vista dividir a povoação de Porto Velho em duas partes, completamente diferentes. A primeira, sob jurisdição da Madeira-Mamoré, não admitia a existência da segunda, nem reconhecia o poder público municipal. O prefeito ficava entre a cruz e a caldeirinha, na medida em que não governava de fato o município, haja vista o poder paralelo da Madeira-Mamoré. Por isso, não pôde conduzir o processo político-eleitoral realizado em 03 de dezembro de 1916. Naquele pleito, foi eleito ao cargo de prefeito (superintendente), o médico Joaquim Augusto Tanajura, ex-prefeito de Santo Antonio e muito bem visto pela Madeira-Mamoré, pelos coronéis de barranco e por donos das casas aviadoras. Nestas eleições, o Conselho Municipal foi parcialmente renovado, tendo sido eleitos os seguintes intendentes ou vereadores: Luzitano Correa Barreto, João Z. Camargo, Alvaro Dantas Paraguassu, Antonio Sampaio e Otávio Reis, ficando como suplentes Alvaro de Oliveira Rosa, Bernardino de Almeida Lima, Julio Coelho de Carvalho e Faustino Lopes de Souza. A posse ocorreu no dia 31 de dezembro de 1916, e os mandatos expiraram em 31 de dezembro de 1919.
4.Nesse ano de 1919, o município de Porto Velho passaria por uma importante modificação, haja vista a edição da Lei nº 1.011, de 7 de setembro, aprovada pela Assembleia Legislativa do Amazonas e sancionada pelo governador Pedro de Alcântara Barcellar. Este diploma legal elevou “á cathegoria de cidade a povoação de Porto Velho”. Portanto, passaram-se cinco anos, desde a criação do município, duas administrações municipais (Guapindaia e Tanajura), para alguém se dar conta de que o município funcionava sem ter uma cidade, mas apenas uma povoação que sequer passou pela condição de Vila. A lei que elevou a povoação de Porto Velho à condição de cidade, extinguiu o Termo Judiciário “anexxado à comarca de Humaitá”, e criou a comarca de Porto Velho “gosando de todas as prerrogativas constitucionais”. Estava consolidado o município de Porto Velho, naquele 7 de setembro de 1919.
Historiador e analista político*
Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)