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Francisco Matias

PORTO VELHO, RUMO AOS CEM ANOS - A Origem do Nome – Parte I


Por Francisco Matias(*)
 

PORTO VELHO, RUMO AOS CEM ANOS -  A Origem do Nome –  Parte I - Gente de Opinião

Vista da povoação de Porto Velho, no final de 1910
 

1.Ao completar 99 anos de criação, o município de Porto Velho caminha para o primeiro século levando a bordo vários enigmas dentro de um grande mistério; ser Porto Velho. Faltam-lhe desvendar-lhe sua própria existência, seu fundador, sua origem norte-americana, a importância do 4 de julho, data da independência dos EUA a penetrar-lhe no seu DNA e o horror que isto causa nos intelectuais ideólogos, que teimam em introduzir no componente histórico suas aversões políticas e ideológicas e peregrinam de gabinete em gabinete a negar-lhe a política e cultura colonizadora que lhe fez surgir e viver durante mais de duas décadas. Por que esconder debaixo do tapete da história personagens como Joaquim Catramby e Percival Farqhuar? Por que negar ideologicamente o 4 de julho se os fatos são mais que comprovadores de sua importância para o lançamento da pedra fundamental das obras da ferrovia Madeira-Mamoré?

2.A mesma coisa acontece quando de trata da origem da designação política do município. Além da confusão que se faz entre povoação, cidade e município, ainda se fala da uma invenção de um certo velho Pimentel que teria vivido, não se sabe em que época, às margens do rio Madeira, com um “comércio para vender comida, suprimentos para os seringais e lenha aos viajantes à montante e à jusante”. É possível que tenha havido este personagem? Admitamos que sim. O velho Pimentel pode ter existido e daí o nome do porto de abarrancamento, porto do velho, ponto velho, depois Porto Velho. É possível, mas não é provável. Não há comprovação histórica, apesar de o espaço que seria ocupado, a partir de abril de 1907, pelo consórcio May e Jekkil  estar em terras de um seringal. Mas não havia colocação no lugar.

3.Quem afirma isto é o relatório da que o engenheiro Carlos Alberto Morsing encaminhou ao governo imperial brasileiro  depois que sua expedição de reconhecimento ficou  entre os meses de março e maio de 1883 na região. Ao sugerir ao governo a mudança da estação inicial Madeira, da localidade de Santo Antonio do Rio Madeira, no estado do Mato Grosso, para o porto localizado sete km à jusante, o relatório Morsing deixa claro que o lugar é menos insalubre, de maior acessibilidade e em condições para ser construído um cais para atracar grandes embarcações. Além disso, o relatório informa que “no local não existe viv’alma”. Mas, se os puristas não quiserem considerar o relatório Morsing, consubstanciado pelo relatório da Comissão Pinkas, que apesar de desacreditado pelo governo, manteve a não existência de ninguém na região, leve-se em consideração os desdobramentos da Guerra do Pacífico, entre Bolívia, Peru e Chile, de 1879 a 1882.

4.Nesse embate, a Bolívia e o Peru foram derrotados pelo Chile que ocupou a zona costeira de Arica e Concórdia e deixou a Bolívia na insustentável condição de país mediterrâneo, sem saída para o mar, sem acesso aos mercados europeus, americanos e asiáticos para o escoamento de sua economia. Não deu outra. O governo da Bolívia buscou junto ao Brasil novos entendimentos diplomáticos para construir uma ferrovia, tendo sido firmado, em 1882, o Tratado de Navegação de Construção de Via Férrea, homologado por força da lei nº 3.141, de 30 de outubro do mesmo ano. O governo de D. Pedro II resolveu apoiar as pretensões do governo da Bolívia. Para esse fim mandou construir um porto de atracação de navios a vapor à jusante da cachoeira de Santo Antonio, denominado Porto dos Vapores, em substituição ao Porto das Canoas. Começa aí um dos enigmas para decifrar, sem cunho ideológico ou tendência de entendimento único e absolutista, agressivo e personalista, a origem do nome adotado pelos fundadores do acampamento do consórcio construtor da ferrovia, naquele 4 de julho de 1907.

5.Após a licitação das obras, que teve como vencedor o engenheiro Joaquim Catramby, o certame foi homologado pelo Decreto nº 6.103, de 7 de agosto de 1906. Na sequência, o governo firmou contrato com Joaquim Catramby, em 14 de novembro do mesmo. A decisão de não utilizar o porto dos vapores e transferir a estação inicial para terras do município de Humaitá, estado do Amazonas, foi de Joaquim Catramby, o dono do contrato. Nesse contexto foi considerada a localização geográfica e as condições sanitárias da localidade de Santo Antonio. Apesar ser o último ponto navegável à montante do rio Madeira, o porto dos vapores, chamado popularmente “porto novo”, em referência ao antigo porto amazônico, que a população de Santo Antonio passou a chamar “porto velho”, por ser mais acessível, com menor índice de doenças e, sobretudo, porque “não existia uma única barraca”, segundo depoimento do então capitão Aluízio Pinheiro Ferreira diante de uma seleta platéia na Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, no Rio de Janeiro, em 1932. Observe-se a afirmativa do relatório Morsing, de 1833: “Não existia viv’alma".  “Não existia uma barraca?”, segundo o coronel Aluízio Pinheiro Ferreira, em 1932.

6.Então, onde morava o velho Pimentel? Onde ficava seu comércio? Como pode tantos passantes no local, inclusive expedicionários de duas comissões federais (Morsing e Pinkas)  e não fazer contato com essa pessoa? E sua moradia? E sua montaria? E suas filhas, que muitos afirmam serem duas? Se vendia, se comprava, se negociava, por que não o fez com os homens da Comissão Morsing, da Comissão Pinkas e, finalmente, com os primeiros operários da Madeira-Mamoré?  Se houvesse pelo menos uma barraca dessas que se constroi nas margens e barrancos por esses rios da Amazônia, certamente teria sido vista e registrada, ainda que ficasse na “boca” do igarapé dos Suspiros (atualmente nas proximidades da rua José de Alencar e da avenida Rogério Weber).

7.Falta apenas um ano para o município de Porto Velho completar seu primeiro século. Não se pode esperar mais cem anos para fazer um reexame da história, decifrar alguns enigmas, e transmitir às gerações que estão por vir a verdade histórica. O velho Pimentel é um desses enigmas feito lenda mal contada que desconstroi a origem do nome de Porto Velho, desde o  porto amazônico, passando pelas duas povoações, até chegar à cidade e ao município nos dias atuais. 

Historiador e analista político(*)

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