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Francisco Matias

RONDÔNIA E O GOLPE MILITAR DE 1964



Por Francisco Matias(*)
 

1.O dia 31 de março de 1964, uma terça-feira, seria um dia como outro qualquer em Rondônia não fosse por conta de uma notícia veiculada pela Rádio Nacional dando conta da deposição do presidente João Goulart e da posse de um novo mandatário da Nação. Era a Revolução de 1964, ou, o Golpe Militar de 1964. Eis aí um nó difícil de desatar mesmo depois de meio século. Afinal, foi Golpe ou Revolução? No entendimento da Direita, foi uma Revolução redentora, haja vista ter contado com a participação de importantes segmentos da sociedade rural do país, estudantes, comerciantes, comerciários, bancários,  fazendeiros e, principalmente, da Igreja Católica  e ter sido antecedida pela Grande Marcha da Família Com Deus Pela Liberdade, evento que reuniu no Rio de Janeiro milhares de donas de casa marchando contra o comunismo. No entendimento da Esquerda, no entanto, foi um Golpe, na medida em que teve na força militar o principal mecanismo de pressão e não teria contado com a participação de movimentos populares, como reza a cartilha das revoluções.

2.Além do mais, teve a interferência dos EUA, país considerado por importantes setores da Esquerda à época (?!) como o Grande Satã do capitalismo selvagem. De um ou de outro modo, foi um Golpe de Estado e uma Revolução, mesmo porque mobilizou o país inteiro e derrubou um governo legalmente constituído, formalmente instalado, mas, de forte tendência para o socialismo soviético. Não se pode esquecer que o mundo vivenciava a Guerra Fria, e estava dividido entre as forças que venceram a II Guerra Mundial dezenove anos antes, com ênfase à disputa ideológica e territorial entre os EUA e a URSS, ambos desenvolvendo uma agressiva geopolítica de expansão do capitalismo e do socialismo. Na época, O atual estado de Rondônia não passava de um Território Federal formado por dois municípios, Porto Velho e Guajará Mirim. Sua economia era basicamente extrativista mineral e vegetal com incipiente produção agrícola e pecuária de subsistência. A representatividade política se resumia a um deputado federal e mais nada. Não havia câmara de vereadores e os dois prefeitos eram nomeados por um governador que era nomeado pelo presidente da República. Quase sempre, um oficial do Exército.

3.Naquele dia 31 de março o governador era o tenente-coronel Abelardo Alvarenga  Mafra,  nomeado pelo presidente João Goulart por indicação do deputado federal Renato Medeiros, do PSP de Porto Velho. Mas a política regional era forte, com um viés ideológico de esquerda e de direita, onde Cutubas e Peles-Curtas representavam a divisão partidária, ideológica e política da época. Ser cutuba era ser da Direita, com ramos nos coroneis de barranco, nos chefes de companhias mineradoras de cassiterita, nos comerciantes, nos funcionários de alto coturno da empresa Madeira-Mamoré e, sobretudo, no aluizismo, cuja força eleitoral estava em Porto Velho, onde vivia seu líder maior, o coronel Aluízio Pinheiro Ferreira. Ser pele-curta era mais popular, com raízes nas camadas menos favorecidas da sociedade, na Esquerda, nos profissionais liberais, nos professores e no renatismo, cuja força eleitoral estava basicamente em Guajará Mirim, apesar de o seu líder maior, o deputado federal Renato Medeiros morar em Porto Velho. De

4.O golpe militar pegou o Território Federal de Rondônia conduzido por um governador de esquerda, apesar de milico, com o representante no Congresso Nacional, também de esquerda e neo seguidor do janguismo,  que havia derrotado o candidato aluizista nas eleições de 1962. Nesse caso, o governador Abelardo Alvarenga Mafra, era um aliado político de Renato Medeiros, o que era raro nas relações entre o executivo e a classe política local. A provinciana sociedade porto-velhense discutia o Golpe Militar. A sorte estava lançada. O governador Abelardo Mafra sabia que seus dias de governo estavam contados. Não deu outra. Ele foi chamado ao comando militar no Rio de Janeiro, onde recebeu voz de prisão e foi demitido do cargo. Em seu lugar assumiu o civil Eudes Camponizzi, secretário-geral do governo. As coisas estavam tensas por aqui. Todos sabiam que, na esteira da prisão do governador, outras iriam ocorrer. A pequena comunidade socialista/comunista rondoniense dormia preocupada, quando conseguia dormir. Os dias se passavam e nada acontecia... Até que chegou  o dia 24 de abril, uma sexta-feira, quando aportou em Porto Velho o capitão Anacreonte, oficial de informações, enviado pelo Exército com ordens para prender e arrebentar, não nesta ordem necessariamente. O governador em exercício, Eudes Camponizzi foi o primeiro a sentir o golpe. Em seu gabinete ele  recebeu a ordem mais esdrúxula que se poderia receber: “fique doente. Pegue uma gripe qualquer, mas adoeça e me entregue o governo”, disse-lhe o arrogante capitão Anacreonte, do alto do seu coturno. O que poderia fazer o governador senão adoecer de repente e contrair uma gripe agravada pelo medo de ser preso? Era quase uma tuberculose com direito a febre e tosse braba, além de tremores no corpo e na alma.

4.O  capitão Anacreonte ocupou o Palácio Presidente Vargas mas nunca se autointitulou governador. Nem poderia porque não foi nomeado. Era, como gostava de dizer,  um agente da Revolução e contava com o apoio de várias pessoas da alta sociedade cutuba da época. Foi com eles que formou seu breve staff. Recebido com pompa e circunstância pelos irmãos Tourinho, do jornal Alto Madeira, o capitão Anacreonte reuniu em torno de sua missão personalidades da vida social rondoniense, dentre os quais, destacam-se: Mario de Almeida, Dorival de Souza França, Emil Gorayeb, Leônidas Rachid, Lourival Chagas, Calmon Tabosa, Rubens Catanhede, Hayden do Couto, Eduardo Lima e Silva e o médico Hamilton Raulino Gondim que assumiu a prefeitura de Porto Velho. Para administrar Guajará Mirim, o interventor Anacreonte nomeou Clementino Castelo Branco. Informal, mas autoritariamente, o governo estava instituído e tinha até porta-voz, ou chefe de comunicação, o jornalista Luís Tourinho. Depois de organizar o governo, o interventor partiu para cumprir sua verdadeira missão e ordenou várias prisões. Os presos políticos do regime militar, por ordem do capitão Anacreonte foram: Floriano Riva, Rafael Vaz e Silva, Miguel Chaquian, Távora Buarque, Harry Covas, Rafael Jaime Castiel e outros. Era o golpe militar, de coturno e algemas instalando-se em Rondônia, a partir do dia 24 de abril, com força, autoritarismo e tudo o que pudesse usar para prender, cercear liberdades, amedrontar, corromper e outras cositas más. Tudo isso com firme apoio de importantes segmentos da sociedade civil. Contudo, Anacreonte não ficou nem um mês no governo. Nem era esse o caso. Ele  foi enviado a Porto Velho apenas para fazer o serviço sujo do regime e limpar a área, digamos assim, para a posse do primeiro governador da Revolução, ou do Golpe Militar, o coronel Manoel Lutz da Cunha e Menezes, que não queria tomar posse prendendo e arrebentando. Este serviço deveria ser executado por um capitão, tipo Anacreonte, oficial da inteligência do Exército, sem escrúpulos e disposto a cumprir sua missão,  que chegou a Porto Velho como uma sombra e se foi como uma assombração para muitos.

Historiador e analista político(*)

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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