Terça-feira, 5 de abril de 2011 - 19h39
Por Francisco Matias(*)
1.O dia 31 de março de 1964, uma terça-feira, seria um dia como outro qualquer em Rondônia não fosse por conta de uma notícia veiculada pela Rádio Nacional e pelo movimento nos quartéis. A matéria dava conta da deposição do presidente João Goulart e da posse de um novo mandatário da Nação, o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, chefe da Revolução. Eis aí um nó difícil de desatar. Afinal, foi golpe de Estado ou Revolução? No entendimento da Direita, foi uma Revolução, haja vista ter contado com a participação da Igreja Católica e ter sido antecedida pela Grande Marcha da Família Com Deus Pela Liberdade, evento organizado pela Igreja Católica que reuniu no Rio de Janeiro milhares de donas de casa marchando contra o comunismo.
2. No entendimento da Esquerda, entretanto, foi um golpe de Estado, na medida em que teve na força militar o principal instrumento de pressão e opressão, e não teria contado com a participação popular, propriamente dita. Além do mais, teve a interferência direta dos EUA, país considerado por importantes segmentos da Esquerda à época (?!) como o Grande Satã do capitalismo selvagem. De um ou de outro modo, foi um golpe de Estado e uma Revolução, mesmo porque mobilizou o país inteiro e derrubou um governo legalmente constituído, formalmente instalado, mas, de forte tendência para o socialismo soviético. Não se pode esquecer que o mundo vivenciava o início da Guerra Fria, e estava dividido entre as forças que venceram a II Guerra Mundial dezenove anos antes.
3. Na época, o atual estado de Rondônia não passava de um Território Federal de 2ª. Classe, formado por apenas dois municípios, Porto Velho e Guajará-Mirim. Sua economia era basicamente extrativista mineral e vegetal com incipiente produção agrícola de subsistência. A representatividade política se resumia a um deputado federal e mais nada. Não havia câmara de vereadores e os dois prefeitos eram nomeados pelo governador. Este, também era nomeado e, quase sempre, um oficial do Exército. Naquele 31 de março, o governador era o tenente-coronel Abelardo Mafra, nomeado pelo presidente João Goulart por indicação do deputado federal Renato Medeiros, do PSP de Porto Velho. Mas, a política regional era forte e envolvente, com um certo viés ideológico onde Cutubas e Peles-Curtas representavam a divisão partidária sociopolítica da época. Ser cutuba era ser de Direita, com ramos nos coronéis de barranco, nos comerciantes, nos funcionários de alto coturno da Madeira-Mamoré e no aluizismo.
4. Ser pele-curta era mais popular, com raízes nas camadas menos favorecidas da população, nos profissionais liberais, nos professores e no renatismo. A condução da política rondoniense, no período, estava com a corrente Pele-Curta, do Dr. Renato Medeiros, neo-seguidor do janguismo e que havia derrotado o candidato aluizista nas eleições de 1962. Neste caso, o governador de plantão, Abelardo Mafra, era um aliado político do deputado federal Renato Medeiros, o que era raro nas relações entre o executivo e a classe política local.
5. Remota e provinciana, a pequena cidade de Porto Velho discutia o Golpe Militar. Uns, ligados aos cutubas, chamavam de Revolução, os peles-curtas consideravam um golpe inaceitável sobre um governo democrático e popular. Mas a sorte estava lançada. O governador Abelardo Mafra sabia que seus dias de governo estavam contados. Não deu outra. O governador foi chamado ao comando militar no Rio de Janeiro,DF, onde recebeu voz de prisão e foi demitido do cargo. Em seu lugar assumiu o civil Eudes Camponizzi, secretário-geral do governo. As coisas estavam tensas por aqui. Todos sabiam que, na esteira da prisão do governador, outras iriam ocorrer.
6. A pequena comunidade socialista/comunista rondoniense dormia preocupada, quando conseguia dormir. Os dias se passavam e nada acontecia...Até que chegou o dia 24 de abril, uma sexta-feira, quando aportou em Porto Velho o capitão Anacreonte, oficial de informações, enviado pelo Exército com ordens para prender e arrebentar, não nesta ordem necessariamente. O governador em exercício, Eudes Camponizzi foi o primeiro a sentir o golpe. Em seu gabinete ele recebeu a ordem mais esdrúxula que se poderia receber: “fique doente. Pegue uma gripe qualquer, mas adoeça e me entregue o governo”, disse-lhe o arrogante Anacreonte, do alto do seu coturno. O que poderia fazer o governador senão adoecer de repente e contrair uma gripe agravada pelo medo de ser preso. Era quase uma tuberculose com direito a febre e tosse braba, além de tremores no corpo e na alma.
7. O capitão Anacreonte ocupou o Palácio Presidente Vargas mas nunca se autointitulou governador. Nem poderia porque não foi nomeado. Era, como gostava de dizer, um agente da Revolução e contava com o apoio de várias pessoas da alta sociedade cutuba da época. Foi com eles que formou seu breve staff. Recebido com pompa e circunstância pelos irmãos Tourinho, do jornal Alto Madeira, o capitão Anacreonte reuniu em torno de sua missão personalidades da vida social rondoniense, dentre os quais, destacam-se: Mario de Almeida, Dorival de Souza Franco, Emil Gorayeb, Leônidas Rachid, Lourival Chagas, Calmon Tabosa, Rubens Catanhede, Hayden do Couto, Eduardo Lima e Silva e o médico Hamilton Raulino Gondim que assumiu a prefeitura de Porto Velho. Para administrar Guajará-Mirim, o interventor Anacreonte nomeou Clementino Castelo Branco. Informal, mas autoritariamente, o governo estava instituído e tinha até porta-voz, ou chefe de comunicação, o jornalista Luis Tourinho.
8. Depois de organizar seu efêmero governo, o interventor voltou-se para cumprir sua verdadeira missão e ordenou várias prisões, cumpridas, em sua maioria pela Guarda Territorial, cujo comando havia sido entregue a Eduardo Lima e Silva. Os presos políticos do regime militar, por ordem do capitão Anacreonte foram: Floriano Riva, Rafael Vaz e Silva, Miguel Chaquian, Távora Buarque, Harry Covas, Rafael Jaime Castiel e outros. Era o golpe militar, de coturno e algemas instalando-se em Rondônia, a partir do dia 24 de abril, com força, autoritarismo e tudo o que pudesse usar para prender, cercear liberdades, amedrontar, corromper e outras cositas más. Tudo isso com firme apoio de importantes segmentos da sociedade civil. Contudo, Anacreonte não ficou nem um mês no governo. Nem era esse o caso. Ele foi enviado da Porto Velho apenas para fazer o serviço sujo do regime e limpar a área, digamos assim, para a posse do primeiro governador da Revolução, ou do Golpe Militar, o coronel Cunha e Menezes, que não queria tomar posse prendendo e arrebentando. Este serviço deveria ser executado por um capitão, tipo Anacreonte, oficial da inteligência do Exército, sem escrúpulos e disposto a cumprir sua missão, que chegou como uma sombra e se foi como uma assombração para muitos.
Fonte: Francisco Matias - Historiador e analista político
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