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Francisco Matias

RONDÔNIA E O GOLPE MILITAR DE 1964 – PARTE 5



Por Francisco Matias(*)
 

1.O dia 31 de março de 1964, uma terça-feira, seria um dia como qualquer outro em Rondônia não fosse por conta de uma notícia veiculada pela Rádio Nacional dando conta da deposição do presidente João Goulart e da posse do presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli, como presidente da República interino. O dia 1º. de abril começava assim. Dia a mentira com uma verdade dura de aceitar. O Brasil estava sob o regime militar. Ranieri Mazzilli assumia apenas para dar uma satisfação à sociedade. No dia 2 é desencadeada uma onda de prisões em quase todos os estados. As cidades de Porto Velho e Guajará Mirim, as únicas do Território Federal de Rondônia, aguardavam perplexas os resultado desta nova conjuntura. No dia 7, uma junta militar formada pelo general Humberto de Alencar Castelo Branco, pelo brigadeiro Assis Correa de Melo e pelo almirante Augusto Rademaker expede decreto que suspende os direitos políticos dos ex-presidente Juscelino Kubitschek e João Goulart e mais 335 pessoas. Dois dias depois, uma centena de militares é transferida para a reserva e, no dia 11, o general Castelo Branco é promovido a marechal. No mesmo dia, em eleição indireta, é eleito presidente da República, tendo como vice-presidente José Maria Alkimin, civil.

2.O Território Federal de Rondônia é governado pelo coronel Abelardo Alvarenga Mafra, nomeado pelo presidente João Goulart. Um telegrama traz o golpe militar para o Palácio Presidente Vargas. O governador está sendo convocado a Brasília, para onde viaja e é preso, encaminhado a um quartel no Rio de Janeiro. Ele faz parte de um grupo de oficias superiores ligado ao ex-presidente Jânio Quadros e ao seu ex-vice, agora presidente deposto João Goulart, o Jango. Preso e incomunicável, Abelardo Alvarenga Mafra foi demitido do cargo e colocado na reserva. É o primeiro preso político de Rondônia. Em seu lugar, assume o secretário geral do governo, o Sr. Eudes Camponizi.  Na época, a economia de Rondônia era basicamente extrativista mineral e vegetal com incipiente produção agrícola de subsistência. A representatividade política se resumia a um deputado federal, no caso, o Dr. Renato Medeiros, do PSP. Não havia câmara de vereadores e os dois prefeitos (de Porto Velho e Guajará Mirim) eram nomeados por um governador, também nomeado e, quase sempre, um oficial do Exército, como era o caso do coronel Abelardo Alvarenga Mafra.

3.Na vida política local, permanecia o viés ideológico da esquerda e da direita, como no restante do país. Só que em Rondônia a disputa político-partidária era entre os Cutubas e os Peles-Curtas, correntes políticas que representavam a divisão do poder da época. Ser Ctuba era ser de direita, com ramos nos coronéis de barranco, nos comerciantes, nos funcionários de alto coturno da Madeira-Mamoré, os "categas", os seringalistas, e, sobretudo, no aluizismo (do líder Aluízio Pinheiro Ferreira), cuja força eleitoral estava em Porto Velho. Ser Pele-Curta era mais popular, com ramos nas camadas menos favorecidas da sociedade, nos profissionais liberais, nos professores e no renatismo (do deputado federal Renato Clímaco Borralho de Medeiros), cuja força eleitoral estava em Guajará-Mirim. Desse modo, a condução da política rondoniense estava com a corrente Pele-Curta, do Dr. Renato Medeiros, neo seguidor do janguismo e aliado convencional do governador, o coronel Abelardo Mafra.

4.Remota e provinciana, a pequena cidade de Porto Velho discutia o Golpe. Uns, ligados aos cutubas, chamavam de Revolução, outros, mais peles-curtas ainda, consideravam um golpe inaceitável sobre um governo democrático e popular. Mas a sorte estava lançada. O governador Abelardo Mafra sabia que seus dias estavam contados e podiam ser contados nos dedos das mãos. Não deu outra.  Foi chamado ao Rio de Janeiro,DF, onde recebeu voz de prisão. Em seu lugar assumiu Eudes Camponizzi, secretário-geral do governo. As coisas estavam tensas por aqui. Todos sabiam que, na esteira da prisão do governador, outras iriam ocorrer. A pequena comunidade socialista/comunista rondoniense dormia preocupada. Mas nada acontecia...Até o dia 24 de abril de 1964, uma sexta-feira, quando chegou a Porto Velho o capitão Anacreonte, oficial de informação, enviado pelo Exército com ordens para prender e arrebentar, não nesta ordem necessariamente. A primeira vítima foi o governador em exercício, Eudes Camponizzi, que recebeu a ordem mais esdrúxula que se poderia acatar: “Fique doente. Pegue uma gripe qualquer, mas adoeça..”, disse-lhe o capitão Anacreonte, do alto do seu coturno. O que poderia fazer o governador? Adoecer. Pegar uma gripe, agravada pelo medo de ser preso. Era quase uma tuberculose com direito a febre e tosse braba.

5.O  capitão Anacreonte ocupou o Palácio Presidente Vargas mas nunca se autointitulou governador. Era, como gostava de dizer, “um agente da Revolução” e contava com o apoio de várias pessoas da alta sociedade cutuba da época e foi com eles que formou seu staff de governo. Recebido com pompa e circunstância pelos irmãos Euro e Luís Tourinho, do jornal Alto Madeira, o capitão Anacreonte reuniu em torno de sua missão personalidades da vida social rondoniense, dentre os quais, destacam-se: Mario de Almeida, Dorival de Souza Franco, Emil Gorayeb, Leônidas Rachid, Lourival Chagas, Calmon Tabosa, Rubens Catanhede, Hayden do Couto, Eduardo Lima e Silva e o médico Hamilton Raulino Gondim que assumiu a prefeitura de Porto Velho. Para a prefeitura de Guajará Mirim, o interventor Anacreonte nomeou Clementino Castelo Branco. Informal, mas autoritariamente, o governo estava instituído e tinha até porta-voz, ou chefe de comunicação, o jornalista Luís Tourinho. Depois de organizar o governo, o interventor partiu para cumprir sua missão e ordenou várias prisões. Os presos políticos do regime militar, por ordem do capitão Anacreonte foram: Floriano Riva, Rafael Vaz e Silva, Távora Buarque, Harry Covas, Rafael Jaime Castiel, e outros. Era o golpe militar, de coturno e algemas instalando-se em Rondônia, com força, autoritarismo e tudo o que pudesse usar para prender, cercear liberdades, amedrontar, corromper e outras cositas más. Tudo isso com firme apoio de importantes segmentos da sociedade civil. Contudo, Anacreonte não ficou nem um mês no governo. Nem era esse o caso. Ele  foi enviado apenas para fazer o serviço sujo do regime e limpar a área, digamos assim, para a posse do primeiro governador da Revolução, ou do Golpe Militar: o coronel Cunha e Menezes, que não queria tomar posse prendendo e arrebentando. Este serviço deveria ser executado por um capitão,  tipo Anacreonte, oficial da inteligência do Exército, sem escrúpulos e disposto a cumprir sua missão,  que chegou como uma sombra e se foi como uma assombração para muitos. Era o Golpe Militar instalando-se em Rondônia, a partir de 24 de abril de 1964.

Historiador e analista político(*)

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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