Segunda-feira, 1 de agosto de 2011 - 12h03
Por Francisco Matias(*)
1. O estado de Rondônia, por seu processo de formação histórica, tem datas a comemorar e refletir nos doze meses do ano. De janeiro a dezembro, nenhum mês passa em branco em matéria de datas comemorativas por estas plagas do poente Portanto, neste e em outros artigos que virão, esta coluna irá dar sua contribuição para que as datas comemorativas de Rondônia não sejam esquecidas e possam, doravante, servir de estudos para a nova sociedade que se forma aqui, onde toda a vida se engalana. A primeira data é o dia 6 de julho de 1872, quando a expedição da empreiteira inglesa Public Works Construction aporta no povoado mato-grossense de Santo Antonio do Rio Madeira para dar início à construção da ferrovia boliviana Madeira-Mamoré. Contratada pela empresa The Madeira and Mamoré Railway Company, com sede em New York, dirigida pelo coronel norte-americano George E. Church, sob a égide do Tratado de Ayacucho, a Public Works foi a primeira a tentar construir a épica ferrovia. Mas não deu certo. Falida e com um passivo de muitas mortes e perdas materiais, levantou acampamento de partiu de volta a Londres.
2. A Madeira-Mamoré. Ah!, a Madeira-Mamoré. A ferrovia do Diabo. A Ferrovia da Morte. A Ferrovia dos Trilhos de Ouro. As Botas do Diabo. Com todos esses epítetos a moldar seus mitos e lendas deveria ser também chamada “A Ferrovia do Mês de Julho”, tantas são as datas que lhe fazem referência neste mês. A P & T Collins, da Philadelphia,EUA, foi a quarta empreiteira a tentar construir a Madeira-Mamoré no período de controle da Bolívia e da direção do coronel Church. Esta empresa, a maior empreiteira norte-americana e a primeira a executar uma obra fora dos EUA, aportou cá pelas bandas da cachoeira de Santo Antonio no início de 1878 e conseguiu a proeza de concluir o trecho de Santo Antonio até o salto do Teotônio. Trouxe para a região a primeira locomotiva e inaugurou a Madeira-Mamoré no dia 4 de julho de 1879. Não foi lá essas coisas mas, considerando-se a região amazônica, os trechos encachoeirados do rio Madeira, as doenças reinantes, as mortes de operários e técnicos, a perda de créditos e os conflitos indígenas, foi muita coisa. Foi uma odisséia na floresta.
3. O 4 de julho. Ah.!, o Quatro de Julho. Poderia ser um dia como outro qualquer, não fosse a data da independência dos EUA, o Independence Day. A Madeira-Mamoré poderia ser apenas uma ferrovia a mais construída com tecnologia norte-americana, se não fizesse parte de um grande projeto colonizador e comercial dos EUA para a Amazônia, como foi o Acre e o Bolivian Syndicate. A Madeira-Mamoré poderia ser apenas uma ferrovia a ligar o nada a lugar nenhum, não fosse um importante corredor intermodal de transporte e não estivesse inclusa em três acordos diplomáticos celebrados entre o Brasil e a Bolívia, todos sob os auspícios do governo norte-americano. A Madeira-Mamoré poderia ser apenas uma ferrovia construída para transportar borracha do oriente boliviano e dos vales do Guaporé-Mamoré, Madeira, Jamary e Gy-Paraná, não fosse a necessidade da Bolívia em buscar alternativas para se relacionar comercialmente com a Europa, a Ásia e, sobretudo, os EUA, via oceano Atlântico. Poderia ter sido uma ferrovia do mês de agosto, não tivesse sua pedra fundamental lançada em pleno território do município de Humaitá,AM, no porto conhecido como Porto Velho dos Militares, ou Porto Velho do Rio Madeira. Ou, simplesmente, Porto Velho. Tem ainda a indicação geográfica de Porto do Velho, toponímia jamais comprovada.
4. O 4 de julho de 1907, do ponto de vista regional, é uma data que poderia nem ter existido. Mas existiu por um simples motivo. A Madeira-Mamoré e seus propósitos, sua geopolítica e o consórcio norte-americano, contratado pelo milionário norte-americano Percival Farqhuar. O consórcio do qual se fala tem uma identificação econômica: Sindicato Farqhuar. E não se tenha aqui a palavra “sindicato” a identificar uma organização trabalhista ou patronal. Sindicato ou Syndicate, na época, identificava os consórcios ou grandes conglomerados, como foi aquele constituído por Percival Farqhuar para fazer frente à construção da ferrovia, com seu trajeto em plena selva amazônica, ultrapassando um longo trecho de acidentes hidrográficos à montante dos rios Madeira, Jacy-Paraná, Abunã, Ribeirão e Mamoré, dentre outros que ultrapassa em seu trecho de 366 km. Por isso, o acionista maior do projeto Madeira-Mamoré contratou três grandes empreiteiras: May, Jeckill and Randolph, todas norte-americanas e as incluiu no Sindicato Farqhuar.
4. Era comum à época, empreiteiras comemorarem a o lançamento da pedra fundamental de um empreendimento e o final das obras. Desse modo, um prego de prata era simbolicamente batido no marco inicial e um de outro no marco terminal. No dia 4 de julho de 1907, em comemoração ao Independence Day, a bandeira dos Estados Unidos da América foi hasteada na margem direita do Rio Madeira, no local conhecido como Porto Velho, município do Humaitá,AM, localizado seis km à jusante do povoado de Santo Antonio do Rio Madeira,MT, onde o governo imperial brasileiro, em cumprimento ao Tratado de Navegação e Via Férrea, havia mandado construir, aonde havia o Porto das Canoas, um novo cais, que recebeu o nome oficial de Porto dos Vapores. Este novo cais ficaria conhecido como “Porto Novo. Mas, a estação inicial da Madeira-Mamoré, do empreendedor Percival Farqhuar, seria edificada no porto amazônico que passou a ser identificado como Porto Velho. Nesta data, o consórcio ainda não estava completo, era formado apenas pelas empresas May e Jeckill, mas já haviam construído as instalações para acomodar técnicos e operários e dado início a uma povoação que seria denominada Porto Velho of the Madeira River. Há 104 anos.
Fonte: Francisco Matias - Historiador e analista político
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