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Francisco Matias

RONDÔNIA, OS HAITIANOS E A MINUSTAH - PARTE FINAL


Por Francisco Matias(*) 

1.A área geográfica que forma o estado de Rondônia é quase nove vezes maior que a do Haiti. No entanto, a população de Rondônia é oito vezes menor. O Haiti tem 10 milhões de habitantes. Rondônia tem 1,5 milhão. O PIB do Haiti, de sete bilhões de dólares é menor que o de Rondônia, na ordem de 10,6 bilhões de dólares. Esses dados comparativos no início deste artigo destinam-se a fornecer uma ideia da grande diferença populacional, social, territorial e econômica entre Rondônia, um estado brasileiro, e o Haiti, um país miserável situado na porção oeste da Ilha Hispaniola, que divide com a República Dominicana, no leste. Ambos os países estão no mar do Caribe. A partir de 2008 o Haiti passa a influenciar na política externa brasileira e surge como um guindaste para elevar o Brasil ao Conselho Efetivo de Segurança da ONU. Tudo começou com vários fatores convergentes: crise político-institucional, inflação elevadíssima, violência urbana excessiva, derrubada de governos e, para piorar ainda mais, a fome crônica da população e a insegurança social receberam um tempero ardente: uma catástrofe na forma de tempestades, tsunami e inundações que deixou 500 mil mortos e milhares de desabrigados. Não poderia ser pior para um povo subjugado por políticos corruptos, regimes ditatoriais e paternalistas e um parlamentarismo enlouquecedor.

2.Por tudo isso e muito mais, a ONU resolveu intervir no Haiti e enviou seus “capacetes azuis” e passou a executar um amplo programa de auxílio social e político. Neste contexto, o governo brasileiro, na gestão do presidente Lula, não se faz de rogado e se somou ao projeto da ONU, em posição de destaque: recebeu o comando da MINUSTAH, sigla para Missão Especial da ONU no Haiti. Nesse meio tempo, militares brasileiros morreram em trocas de tiros com milicianos, tanques de guerra e apetrechos de engenharia alteraram o cenário haitiano, o general comandante das tropas do Brasil cometeu suicídio e contingentes do 5º BEC e da PM rondoniense foram engajados na MINUSTAH. Mas, o que está ruim só pode piorar. Foi o que aconteceu no dia 12 de janeiro de 2010. Um terremoto que alcançou sete pontos na escala Richter devastou 70% da cidade de Porto Príncipe, capital haitiana. Além de boa parte da população local, vários brasileiros morreram, inclusive a médica Zilda Arns, que estava em missão no país, a serviço da MINUSTAH. Em consequência do terremoto, os EUA assumiram o controle da missão da ONU e o Brasil foi rebaixado ao segundo em comando. Mas está lá, na vã tentativa de ingressar no Conselho Efetivo de Segurança da ONU. E os haitianos estão aqui, no Brasil, aqui em Porto Velho, onde encontraram o que jamais pensaram existir: o paraíso.

3.A maioria dos quase dois mil haitianos que estão em Porto Velho é de jovens, de ambos os sexos, que partiram de cidades como Cabo Haitiano, Gonaives e 12 Janvier, em uma saga digna de virar filme de aventura, que começa na pobreza extrema de um povo, passa pelo aeroporto de Santo Domingo, capital da República Dominicana, de onde decolam para o Panamá. De lá, embarcam em ônibus, entram no Equador chegam até o Peru, onde ficam de trinta a noventa dias no povoado de Yanpalis, na fronteira com o Acre, comendo o pão que o diabo amassou e os mosquitos detestam, para, finalmente, chegarem ao Acre, e, ufa!, a Porto Velho. É o caso de Nalberson, Vigens, Prospere Saint Jean e Jean Oneal, e das mulheres Edoiard Wilna e Chacot Eveline, pioneiros desta nova saga para Rondônia. Desses, Jean Oneal, um negro forte de 37 anos, que fala português fluentemente, assume o papel de líder e orientador dos novos haitianos. “Somos um grupo de animais sem cabeçote”, diz e explica: “nós não temos orientação, não há haitianos em órgãos de governo como hospitais, delegacias e serviço social, para nos orientar, nos entender”. E vai mais adiante: “Já nasceram quase vinte crianças, filhos de haitianos aqui em Porto Velho. Viemos para ficar”. “Só queremos trabalhar, viver bem e ajudar nossas famílias no Haiti”, disse a esta coluna com um sorriso aberto, mas triste.

4.Alguns haitianos ainda estão sem emprego e sem orientação. Sexta feira passada, quinze foram enviados para o Rio Grande do Sul. É uma saga difícil de entender. O certo é que eles estão em todos os rincões desta Porto Velho cosmopolita e ecumênica por demais. E por falar em ecumenismo, já tem até uma igreja da Assembleia de Deus, denominada Congregação Haitiana aqui em Porto Velho. Vieram mesmo para ficar. São imigrantes convidados pelo governo brasileiro, através do Itamaraty. E vão mudar o perfil de boa parte da sociedade porto-velhense, o biótipo, as relações, a oferta de mão de obra, o emprego e o desemprego e, provavelmente engrossar as estatísticas sociais, pelo bem e pelo mal. E, como ocorre em todas as imigrações, já estão gerando novos porto-velhenses. Alguns deles já compraram bicicletas. É um passo para a compra de motos e carros, bens que jamais possuiriam no Haiti, país cujo destino passou a ligar-se ao Brasil e, por extensão, a Porto Velho. No ano em que se comemora o primeiro centenário da ferrovia Madeira-Mamoré e da chegada de grupos de negros das Antilhas, os chamados Barbadianos, chegam os haitianos.


Historiador e analista político(*)

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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