Sexta-feira, 4 de março de 2022 - 07h00
Bagé, 04.03.2022
Genesco
repercute no seu livro uma representação do Dr. Sylvio Gentio de Lima a Affonso
Penna:
Exm°. Sr. Dr. Affonso Augusto Moreira Penna – M. D. Presidente da
República.
Usando do direito que me confere o art. 72 § 9° da Constituição, venho,
na dupla qualidade de cidadão e magistrado, representar a V. Exª contra os atos
de prepotência praticados pelo Sr. Cel Gabino Besouro, Prefeito do Departamento
do Alto Acre, e os seus prepostos, atitude que sou forçado a assumir, fazendo,
aliás, não pequena violência no meu temperamento, sempre inclinado ao
esquecimento das ofensas e ao perdão das injúrias. Farei uma sucinta descrição
dos atos que se me afiguraram ilegais e atentatórios dos direitos do cidadão,
praticados, uns diretamente pelo Sr. Prefeito, outros por funcionários de sua
imediata confiança, e com o seu assentimento tácito, e para ela solicito,
imploro e suplico a preciosa atenção de V. Exª de antemão assegurando a V. Exª,
com os olhos em Deus de que tudo quanto alego é a expressão genuína da verdade.
Nomeado por V. Exª para exercer o cargo de Juiz Preparador do 2° Termo da
Comarca do Alto Acre, cuja sede é “Xapuri”,
para lá segui em companhia de minha família, tendo, antes de entrar em
exercício desse cargo, ocupado por alguns dias [de 9 a 15 de maio] o juizado de
direito vago pela ausência do respectivo Juiz, Dr. João Rodrigues do Lago.
Comparecendo esse magistrado deixei a Vara de Direito, e só entrei no
exercício do cargo de Juiz Preparador no dia 14 de junho, por ter ficado na “Empresa” [Rio Branco], sede da Comarca,
15 dias à espera de condução para o “Xapuri”.
Poucos dias depois de ter passado o exercício ao Dr. Juiz de Direito da
Comarca, deu-se entre S. Exª. e o Sr. Prefeito o atrito que deu causa ao
rompimento das relações oficiais entre os dois, e cuja origem foi a seguinte:
tendo o Dr. Lago necessidade de informações policiais para orientar-se a
respeito de determinado processo sujeito a seu julgamento, oficiou nesse
sentido ao Sr. Gabino Besouro para que lhas fornecesse, fazendo-lhe sentir que
não as solicitava do Delegado Auxiliar em exercício Josias Lima, porque este
indivíduo figurava como réu de “crimes
infamantes em processos que corriam pelo seu juízo”, além de já se achar “pronunciado por tentativa de homicídio”.
Essa atitude do Dr. Juiz de Direito, absolutamente digna e moralizadora,
irritou por tal forma o Sr. Prefeito que em ofício dirigido àquele magistrado
verberou em linguagem descortês e cheia de insidiosas indiretas ao seu correto
procedimento.
Devo dizer a S. Exª com franqueza e lealdade o motivo pelo qual o Dr.
Lago considerava o Delegado Josias Lima ainda sob a ação da pronúncia. Tendo
sido esse Sr. processado e pronunciado pelo crime de tentativa de homicídio na
pessoa do Negociante J. Dias Pereira, conseguiu ser julgado e absolvido por um júri adrede preparado, presidido por um
suplente de Juiz de Distrito nomeado pelo encarregado do expediente da
Prefeitura, na ausência do Prefeito. Releva notar que o Promotor Público Sr.
Santa Rosa, depois de ter interposto o recurso de apelação da sentença
absolutória, desistira do mesmo ilegal e criminosamente.
O Dr. Juiz de Direito considerou, e muito legalmente, insubsistente um
tal julgamento, não somente por ter sido o júri de camaradagem organizado com
preterição de formalidades essenciais, como porque o dito suplente não podia
ser nomeado pelo encarregado do expediente da Prefeitura. Que o juiz de direito
procedera com acerto, prova a decisão do Tribunal de Apelação, anulando o
julgamento e mandando submeter o réu a novo júri, o que até à data da minha
partida não havia sido feito, nem sequer recolhido o mesmo à prisão.
Deixei o Sr. Josias exercendo como rábula a advocacia na “Empresa” e no “Xapuri” e blasonando ([1])
a proteção, neste ponto simplesmente criminosa, que lhe dispensa o Sr.
Prefeito. (CASTRO)
PROTESTO DO
ACRE
“Tem chegado ao Acre vagabundos e vagabundas
vindos principalmente do Rio de Janeiro. O povo de lá está contrariadíssimo com
essa nociva imigração, tão prejudicial ao seu crédito e ao seu futuro”.
(Dos Jornais)
Conclui
Genesco de Oliveira Castro no seu livro “O
Estado Independente do Acre e J. Plácido de Castro: Excertos Históricos”:
Perseguido e injuriado, Plácido assistiu ainda o Governo Federal
distribuir com os seus fâmulos ([2])
o fruto de quase 2 anos de uma luta titânica dos acreanos contra a Bolívia e
contra os rigores de um clima letal; viu o Governo Federal cingir alheia cabeça
com os louros colhidos pelos acreanos em uma série de sangrentos combates, e,
finalmente, caiu traspassado pelas balas assassinas, em uma emboscada composta
de um troço de bandidos sustentados pela Prefeitura do Alto Acre, e
capitaneados pelo subdelegado Alexandrino José da Silva, comensal e homem da
confiança do Prefeito Besouro.
Com a decidida e ostensiva proteção do Dr. Affonso Penna e dos seus
sucessores ao logo depois General Gabino Besouro, os assassinos de Plácido
ficaram impunes e foram, mesmo gratificados uns e galardoados outros pelo
serviço que prestaram à República e a política do Dr. Affonso Augusto Moreira
Penna. O crime prescreveu sem que as autoridades federais consentissem na
abertura do mais ligeiro inquérito a respeito. (CASTRO)
O
túmulo de Plácido de Castro, é um monumento extremamente simbólico e contestatório
às autoridades locais e federais que permitiram que os seus assassinos,
conhecidos por todos, permanecessem impunes. Projetado na Itália, é talhado em
granito rosa e mármore branco. A deusa Têmis, que o encima chama a atenção por
sua curiosa aparência. A justiça tem os olhos bem abertos, e a venda, que
normalmente lhe cobre a visão, foi afastada para a testa.
Têmis
segura na mão esquerda a simbólica balança e com um punhal, na mão direita,
força um dos pratos repleto de ouro para baixo em contraposição ao outro onde
se encontra o Código das Leis. Agonizando aos seus pés um imponente leão,
simbolizando o herói libertador do Acre, mostra perplexidade no seu olhar por
ter sido alvejado pelas costas, em pleno coração.
Reporta-nos
Genesco de Oliveira Castro:
O túmulo de J. Plácido de Castro é um monumento simbólico. Como se vê da
fotografia, consta de um pedestal de forma paralepipédica reta, de base
retangular, encimado pela figura de um leão e pela de mulher que se eleva sobre
uma coluna composta de quatro colunatas.
As estátuas são de tamanho natural e executadas em mármore de Carrara, e
o corpo do monumento e a coluna, são de granito róseo. O leão, ferido pelas
costas, com uma seta cravada no flanco direito, representa o Fundador do Estado
Independente do Acre, e lembra como foi ele assassinado pelos homens do
Prefeito Gabino Besouro.
A mulher ([3]) sustenta uma
balança na mão esquerda e um punhal na direita. Em um dos pratos da balança, há
um livro representando as leis brasileiras e no outro, um saco cheio de ouro,
sobre o qual ela firma o olhar concupiscente e a ponta do punhal sanguinário,
fazendo inclinar o prato para o lado da conveniência, do ouro. Assim quis eu
representar a justiça que por muitos anos dominou o Acre, protegendo os ladrões
e os assassinos e perseguindo os justos. (CASTRO)
Na
parte frontal do monumento, há uma longa inscrição onde os nomes dos principais
mandantes do crime se confundem com o do executor. Do lado oposto, há um mapa
do “Estado Independente do Acre”
gravado em mármore negro, onde graficamente se destaca a área perdida com o
Tratado de Petrópolis. Em uma face do monumento lê-se:
José Plácido de Castro, fundador do Estado Independente do Acre, era
filho de Prudente da Fonseca Castro e D. Zeferina de Oliveira Castro. Nasceu a
9 de dezembro de 1873 em S. Gabriel, Estado do Rio Grande do Sul, e faleceu em
Benfica, vítima de uma emboscada de bandidos, capitaneados pelo subdelegado de
polícia do Departamento do Alto Acre, Alexandrino J. da Silva. Era Prefeito do
Alto Acre o Coronel Gabino Besouro e presidente da República o conselheiro
Affonso Penna.
Não houve inquérito o crime ficou impune e o Coronel Besouro foi
promovido a General. As últimas palavras do herói acreano, foram “Tanta ocasião gloriosa de morrer, e estes
cavalheiros me matam pelas costas! Mas em Canudos fizeram pior?!”
A
imagem da justiça com a espada apontada para o prato da balança com um saco
cheio de ouro remete-nos a uma lendária passagem histórica patrocinada pelo
General Gaulês Brennus. Brennus foi o chefe da tribo celta dos Sênones que, em
387 A.C., liderou o exército gaulês que capturou e saqueou a cidade de Roma,
depois ter vencido os romanos na Batalha do Ália.
Os
romanos concordaram com o pagamento de um resgate para que a cidade fosse
libertada. Como não se chegasse a um acordo sobre o peso do ouro a ser pago
pelo resgate, Brennus lança sua pesada espada de ferro na balança e pronuncia a
célebre frase – “Vae victis” (“Ai dos vencidos”).
O
poeta e escritor José Jorge Letria, na obra “Quem Assim Falou ‒ Grandes Frases de Todos os Tempos”, faz a
seguinte colocação sobre a frase:
“Desgraça
Para os Vencidos!”
Ainda não existia o conceito do “politicamente
correto” que recomenda que se acautele a honra dos vencidos, para que na
hora da retaliação não sejam demasiado cruéis e destrutivos como foram, por
exemplo, os nazistas quando quiseram, e conseguiram, vingar a humilhação
imposta pelo Tratado de Versalhes, no fim da I Grande Guerra.
O episódio que está na origem desta frase que a História registrou
ocorreu em 387 a.C. e teve como protagonista um chefe gaulês de nome Brennus,
que era, de resto, o nome atribuído genericamente pelos romanos a todos os
chefes vindos da Gália.
Depois de vencer os romanos junto de um afluente do Tibre, Brennus
avançou com os seus homens até Roma e saqueou a cidade, tendo mantido debaixo
de um feroz cerco as forças que resistiam no Capitólio.
Contudo, as forças sitiadas conseguiram resistir durante sete meses, o
que levou Brennus a optar pela retirada, não sem que primeiro impusesse como
condição para libertar a cidade o pagamento de mil libras de ouro.
O valor do tributo foi calculado da seguinte forma: Brennus colocou a sua
pesada espada numa balança e exigiu que lhe fosse entregue o valor em ouro
correspondente ao peso da arma. Já no momento da retirada, contrariado com o
desaire ([4])
que sofrera apesar de ser força situante ([5]),
gritou: “Vae victis!”, o que pode
traduzir-se por “Desgraça para os
vencidos!” (LETRIA)
(Gonçalves Dias)
X
Um velho Timbira, coberto de glória,
Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: - “Meninos, eu vi!
Eu vi o brioso no largo terreiro
Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo;
Parece que o vejo,
Que o tenho nesta hora diante de mim”. [...]
Assim o Timbira, coberto de glória,
Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tomava
prudente: “Meninos, eu vi!”
(Quintino Cunha)
Não basta adoração, amor não basta,
Vênias augustas, méritos reais,
Para a grandeza imensamente vasta
Dos belicosos seres imortais.
O ferro, o bronze, que a Ciência gasta
Nos vultos dos heróis que a vida faz,
Ah! nunca mais que, tu, morte nefasta,
Nunca mais o consomes, nunca mais!
Escreva pois a Pátria esta sentença,
Grande na forma, de pensar extensa,
Escreva a Pátria, em tímidos alardes,
Em nossa História – espaço de mil sóis:
– Seja de lodo a sombra dos covardes,
Seja de bronze a sombra dos heróis!
Bibliografia
CASTRO, Genesco de Oliveira. O Estado Independente do Acre e J. Plácido de Castro: Excertos
Históricos – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Tipografia São Benedicto, 1930.
LETRIA, José Jorge. Quem Assim Falou -
Grandes Frases de Todos os Tempos – Portugal – Lisboa – Oficina do Livro,
2012
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H