Quarta-feira, 7 de setembro de 2022 - 06h06
Bagé,
07.09.2022
Os Mapuche ocupam, atualmente, a região Centro-Sul do Chile e Sudoeste da
Argentina com uma população, na sua maioria, urbana, embora mantenham estreitos
vínculos com as comunidades de origem.
No Chile, têm presença significativa nas províncias de Bío-Bío, Arauco,
Malleco, Cautín, Valdivia, Osorno, Llanquihue e Chiloé. Em consequência da
ocupação por colonos europeus de suas reservas, a maioria reside nos grandes
centros urbanos de Santiago, Concepción, Valparaíso, Temuco e Valdivia. Na
Argentina, residem nas províncias de Buenos Aires, La Pampa, Neuquén, Rio Negro
e Chubut e, de acordo com os últimos censos, a população Mapuche na Argentina
gira em torno 250 mil e no Chile por volta de 1 milhão.
“Nação
Originária Mapuche”
Com a criação das repúblicas do Chile e da Argentina,
passamos a ser um povo separado em dois países. Não somos mais considerados uma
nação.
(Elba Guillermina Soto Veloso)
Os Mapuche consideram que o estado chileno e argentino saquearam a “Nação Originária Mapuche” em 95% de seu
território histórico. Esta imensa área é atualmente ocupada por grandes grupos
econômicos ou latifundiários descendentes de colonos de origem europeia.
Apesar de todos os esforços governamentais de políticas integracionistas,
os Mapuche preservaram seu idioma, sua religião e estrutura político-social que
regulam o funcionamento das reservas indígenas onde foram forçados a viver
desde o início do século XX.
Políticas Agrárias
No início dos anos 70, as reivindicações do movimento Mapuche encontraram
eco nas diretrizes da Reforma Agrária realizada pelo governo de Salvador
Allende (1970-1973), mas, no final dessa década, a ditadura que derrubou esse
Presidente socialista truncou o processo. Um decreto de Pinochet permitiu a
divisão das terras comunitárias para incorporá-las ao mercado e estabeleceu que
“uma vez liquidado o conceito de
comunidade, deixariam de ser terras indígenas, e indígenas seus habitantes”.
Após a ditadura, houve uma aproximação entre o governo de Patricio Aylwin
(1990-1994) e o povo Mapuche, sendo promulgada, em 1993, a Lei indígena em
vigor e criada a “Corporação Nacional de
Desenvolvimento Indígena” (CONADI). A lei reconhecia a sociedade Mapuche “como pluriétnica e multicultural” e
fazia “com que toda sua
institucionalidade política, econômica e social em matéria de saúde e educação
seja o reflexo da realidade multicultural subjacente na base social”, como
afirmou o diretor nacional da CONADI, Aroldo Cayún.
Movimento
Mapuche
As terras, para
os Mapuche, são da comunidade e ela é que decide onde, o que plantar e onde
morar. Este conceito foi respeitado na reforma agrária desencadeada pelo
Presidente Allende, mas Pinochet dividiu a terra entre as pessoas da comunidade
e os mais antigos consideraram que essa partilha afetou sobremaneira suas
tradições ancestrais.
Em resposta à
política agrária de Augusto Pinochet, nasceu o movimento Mapuche, na década de
80 do século passado, com o objetivo de defender as terras comunitárias. Em
1990, é criado o “Conselho de Todas as
Terras” que vem promovendo, desde então, diversas manifestações contra
empresas florestais e de energia. O movimento se tornou cada vez mais violento,
com ocupações de terrenos, manifestações contra a construção da hidrelétrica de
Ralco e provocando incêndios nas plantações de empresas florestais e, talvez,
graças a isso, os fundos estatais de compras de terras para as comunidades
aumentaram significativamente desde então.
Atualmente, o
movimento já não reivindica terras, mas territórios, o que os coloca em
confronto direto com as multinacionais da mineração, da energia e do papel. A “Coordenação Arauco Malleco” assegura que
“nos encontramos em uma conjuntura
histórica de extinção ou continuidade cultural, social e territorial, ou seja,
entre a vida ou a morte de nosso mundo Mapuche”. O Cacique Mapuche Aucán
Huilcamán proclamou no “Consejo de Todas
las Tierras”: “Queremos proclamar e
reafirmar o direito à livre determinação indígena em todas suas manifestações:
política, jurídica, institucional e econômica”. Os Mapuche dizem que sua
luta, hoje, não é pela simples demarcação de terras, mas pelo direito de
autogestão a elas e que ambicionam governá-las de acordo com suas tradições, à
parte das leis dos Estados Nacionais, embora digam que querem continuar
pertencendo a eles.
Mapuche não é um Chileno
Comenta Elba Soto autora de “Sonhos
e lutas dos Mapuche do Chile”:
Mas no país ainda prevalece
o discurso da unidade na igualdade: que o indígena é mais um chileno. É
importante que o Mapuche seja identificado como outro e não como igual. Essa
alteridade – uma relação em que Mapuche e chilenos reconheçam a diversidade – é
fundamental para tornar a interlocução possível.
A Luta Democrática, n° 3.830
Rio de Janeiro, RJ ‒
Sexta-feira, 05.08.1966
Índia e Filha Sacrificadas
TEMUCO,
CHILE, 4 [FP] ‒ Uma bela indígena e sua filha de menos de dois anos foram
vítimas de um sacrifício numa localidade próxima a esta cidade, a 800 km ao Sul
de Santiago.
Depois de um
rito, ambas as vítimas foram sacrificadas e seus corpos lançados ao espírito de
“anchimallén”, ou seja, o demônio da
mitologia Mapuche. [...]
Na zona habitam em suas “reducciones”
duzentos mil nativos de raça “Mapuche”,
e, embora todos estejam integrados à civilização, subsistem em lugares
afastados alguns ritos da antiga raça. No
mês de maio de 1960, ocorreu algo parecido quando uma criatura também de dois
anos foi assassinada e seus restos lançados ao mar, para aplacar a fúria
desencadeada pela natureza. (ALD, n° 3.830)
Jornal do Brasil, n° 298 ‒ Rio
de Janeiro, RJ
Quinta-feira, 25.03.1971
Allende Tentará Ajudar os
Índios
SANTIAGO DO CHILE [Latin-JB] – O Presidente Salvador Allende viaja
domingo para Temuco, a 650 km ao Sul de Santiago, a fim de receber dos índios
Mapuche o projeto de legislação que rege as comunidades indígenas chilenas. Os
Mapuche exigem a devolução de terras que, alegam, lhes foram roubadas pelos
latifundiários. Contam com o apoio de milhares de agricultores que participaram
de seu I Congresso Provincial, reunido em princípios do mês em Arauco.
Projeto
O projeto
propõe que os índios passem a utilizar a justiça ordinária para resolver a
questão da restituição das terras usurpadas. A lei de índios, como é
conhecida, é considerada injusta. Entrou em vigor no ano passado. Os Mapuche
constituem uma comunidade de cerca de 600 mil pessoas, que vivem em condições
miseráveis e cujo principal problema é a falta de terras das quais obtém seu
próprio sustento. Em 1884, uma comissão entregou a cada chefe de família
Mapuche seis hectares e meio de terras e, desde então, o patrimônio de cada
família desceu à medida de três a quatro hectares. A comunidade Mapuche conta
com um dos índices de mortalidade infantil mais altos do Hemisfério e o
analfabetismo alcança os 30% da população. O projeto que será entregue a
Allende, domingo, prevê o estabelecimento de uma Corporação de Desenvolvimento
Indígena, para se encarregar da conservação dos costumes e tradições Mapuche,
aperfeiçoamento de seu artesanato, organização de crédito e política sanitária
e educacional. (JDB, n° 298)
Jornal do Comércio, n° 34.026 ‒
Manaus, AM
Domingo, 14.09.1986
Índios
Soldados Atacaram a Aldeia
TEMUCO,
CHILE [UPI] ‒ Militares com os rostos pintados atacaram anteontem um
acampamento de indígenas Mapuche na costa Centro-Sul chilena, deixando três
indígenas feridos à bala, segundo denúncia de um membro da Comissão Chilena de
Direitos Humanos de Temuco, Gonzalo Taborga. Um dos feridos, Carlos Huentecona,
foi operado de urgência num hospital de Temuco com seu aparelho digestivo
perfurado por balas. Os outros feridos, Francisca Mellian e Fresia Curi, foram
atingidos respectivamente na perna e no braço. [...]
Há poucas
semanas, dirigentes da Organização Ad Mapu, que representa os Mapuche,
anunciaram que os indígenas iriam começar a recuperar suas terras, herdadas de
seus antepassados. (JDC, n° 34.026)
Jornal do Brasil, n° 361 ‒ Rio
de Janeiro, RJ
Quarta-feira, 08.04.1987
Índios Argentinos Pedem ao Papa
Devolução de suas Terras
VIEDMA,
ARGENTINA – O Papa João Paulo II cumpriu ontem, no segundo dia de sua visita à
Argentina, um estafante programa que o levou a quatro cidades: Bahia Blanca,
Córdoba, Mendonza e Viedma, esta a futura capital do País ([1]),
onde pregou a “reconciliação fraterna
para afastar ódios e rancores” entre os argentinos e recebeu uma carta dos
índios Mapuche pedindo de volta às terras que lhes foram tomadas no século
passado pelos colonizadores, com a assistência da igreja. [...]
Viedma é uma cidade de 35 mil habitantes na região da Patagônia, que o
Presidente Raúl Alfonsín pretende transformar em nova capital da Argentina até
o final de seu mandato, em 1989. Numa homilia separada, o Bispo de Viedma,
Miguel Esteban Hesayne, conhecido por sua militância em favor dos direitos
humanos, não só defendeu os índios como verdadeiros proprietários das terras
como fez referência aos padres desaparecidos durante a ditadura militar de
1976-83 e manifestou a esperança de que “nunca
mais a Argentina conheça a demência da guerra interna e externa”.
O papa pediu em seguida “uma
profunda reconciliação fraterna, que assente raízes na reconciliação da cada um
com Deus”, e exortou os argentinos a “trabalhar
por melhores condições de vida sem empregar as armas do ódio e da violência”.
O dia havia começado, para o Papa, com um sermão em Bahia Blanca para cerca de
50 mil camponeses, no qual pediu “a
superação de uma vez por todas das condições de inferioridade que sofrem certos
setores do mundo rural”.
Depois de passar por Viedma, João Paulo II dedicou a maior parte de sua
homilia em Mendonza à interpretação pastoral da paz, ao desenvolvimento e à
promoção do ser humano. Em Córdoba, à noite, ele saudou os fiéis católicos. O
presidente Raúl Alfonsín, ao contrário do previsto, não o acompanhou. (JDB, n°
361)
Jornal do Brasil, n° 73 ‒ Rio
de Janeiro, RJ
Domingo, 20.06.1999
Tempo de Guerra Entre Indígenas
Chilenos
Hidrelétrica Ameaça Terra Ancestral
do Povo Mapuche
[Francesc
Relea – El País]
ALTO BIOBÍO, CHILE ‒ A tranquilidade desapareceu do vale do Rio Biobío,
640 km ao Sul de Santiago. Caminhões e veículos pesados da empresa Endesa Chile
chegam a suas povoações pelas pistas íngremes. A ostensiva presença policial
nessas paragens recônditas confirma que algo acontece na terra dos Mapuche. Os
descendentes daqueles indígenas que há quatro séculos combateram com bravura os
conquistadores espanhóis lutam de novo por seu bem mais estimado: a terra.
Hoje, no vale do Alto Biobío, o inimigo é uma multinacional cuja
principal acionista é a empresa espanhola Endesa, que está construindo uma
central hidrelétrica que inundará boa parte das terras ancestrais dos Mapuche. Na
zona de Traiguén, os indígenas enfrentam as empresas florestais que realizam
derrubadas maciças de matas.
Ao todo, são 11 focos de tensão na Araucanía chilena, que nos últimos
meses reacenderam um conflito latente e esquecido, enquanto o País ‒ ou melhor,
os poderes constituídos ‒ vivia pendente do processo contra o General Augusto
Pinochet em Londres. Os incidentes com os Mapuche tiraram o ex-ditador das
primeiras páginas dos jornais. Algumas vozes alarmistas têm bradado aos céus
ante o suposto “perigo indígena”. O
conservador “El Mercurio” publicou
recentemente ampla reportagem intitulada “Nosso
pequeno Chiapas”, em que se liam frases do seguinte teor “A pergunta é: que fará o governo para deter
uma agitação que se assemelha cada vez mais com o Chiapas mexicano?”
Junto à
pista que percorre o vale do Alto Biobío, trabalhadores estão cercando com
alambrados as terras em que a Endesa realiza obras de infraestrutura. A empresa
quer evitar acontecimentos como a recente tomada do terreno por um grupo de
Mapuche que tentava paralisar as obras.
“Que idiotas! Acreditam que nos
deterão com alambrados. Não sabem que nós conhecemos todos os caminhos da
montanha”, diz Sara Imilmaqui, uma das mulheres mais ativas na luta contra
a central de Ralco. “Endesa: nem por um
saco de ouro nos tirarão daqui”, adverte um cartaz. O aviso está escrito na
entrada da propriedade de Nicolasa Quintremán, alma da resistência à represa.
Apesar das dificuldades para se expressar em castelhano ‒ sua língua nativa é o
mapudungu ‒ esta mulher de 56 anos fala claro:
Enquanto houver uma
só família Mapuche que se oponha, a barragem não será construída. Não queremos
a Endesa aqui, porque vai acabar com a terra. Eu não sairei daqui. Morrerei
lutando.
O Deputado
socialista Alejandro Navarro é um dos poucos parlamentares que empunhou a
bandeira da causa indígena. “Se o governo
não mudar sua forma de atuação, pode-se criar na zona de Araucanía não um
Chiapas, mas uma explosão social. O governo tem que adotar um novo modo de
tratar o mundo indígena, não só os Mapuche e Pehuenche, mas também os Aimará,
os Atacameño, os Huilliche, os Rapamui...” Entre todas as etnias, eles
somam 1,5 milhão de pessoas ‒ 10% da população do Chile. José Bengoa, reitor da
Universidade Academia de Humanismo Cristão, acha que a sociedade chilena não
está entendendo o problema. “Hoje, a
imprensa se pergunta quem são os chefes dos Mapuche, e, como não os encontra,
diz que há extremistas ou estrangeiros infiltrados. Isso é uma ofensa aos
Mapuche. Nem Lautaro nem Caupolicán precisaram de assessores estrangeiros para
matar o conquistador Pedro de Valdivia”. Dos US$ 500 milhões de
investimentos que requer a central de Ralco, a Endesa tem programados US$ 22
milhões para reassentamento das famílias Mapuche, que terão de abandonar suas
terras, se o projeto decolar. O plano de indenizações proposto pela empresa aos
indígenas atingidos pela construção da barragem conseguiu dividir a comunidade
Mapuche do Alto Biobío. Oitenta e três famílias aceitaram a oferta de novas
terras na região, enquanto oito famílias protagonizam a resistência irredutível
aos planos da poderosa multinacional. O antropólogo e estudioso da questão
indígena José Bengoa afirma sem condescendência:
Quando o governo, através de seus intendentes em Concepción ou Temuco, diz que é um conflito entre particulares, entre uma comunidade e uma empresa hidrelétrica, está deixando de governar. É como dizer. Atraquem-se, matem-se e eu entrego o controle dos problemas étnicos à polícia. (JDB, n° 73)
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do
Sul (1989)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre
(CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura
do Exército (DECEx);
Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério
Militar – RS (IDMM – RS);
Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando
Militar do Sul (CMS)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia
Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil
– RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio
Grande do Sul (IHTRGS – RS);
Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia
(ACLER – RO)
Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio
Grande do Sul (AMLERS)
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da
Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] O Presidente Raúl Alfonsín (1983-89) propôs
a transferência da Capital Federal da Argentina para a unificação das cidades
(conturbação) de Viedma-Carmen de Patagones, mas não conseguiu o consenso da
oposição. A construção de Itaipu (1975-1982) colocara Buenos Aires e todo o
parque industrial argentino muito vulnerável.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H