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Gente de Opinião

Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CDLXXX - Fronteiras e a Geografia – Parte II


Bandeira Mapuche - Gente de Opinião
Bandeira Mapuche

Bagé, 07.09.2022

 

Os Mapuche ocupam, atualmente, a região Centro-Sul do Chile e Sudoeste da Argentina com uma população, na sua maioria, urbana, embora mantenham estreitos vínculos com as comunidades de origem.

No Chile, têm presença significativa nas províncias de Bío-Bío, Arauco, Malleco, Cautín, Valdivia, Osorno, Llanquihue e Chiloé. Em consequência da ocupação por colonos europeus de suas reservas, a maioria reside nos grandes centros urbanos de Santiago, Concepción, Valparaíso, Temuco e Valdivia. Na Argentina, residem nas províncias de Buenos Aires, La Pampa, Neuquén, Rio Negro e Chubut e, de acordo com os últimos censos, a população Mapuche na Argentina gira em torno 250 mil e no Chile por volta de 1 milhão.

“Nação Originária Mapuche”

Com a criação das repúblicas do Chile e da Argentina, passamos a ser um povo separado em dois países. Não somos mais considerados uma nação.
(Elba Guillermina Soto Veloso)

Os Mapuche consideram que o estado chileno e argentino saquearam a “Nação Originária Mapuche” em 95% de seu território histórico. Esta imensa área é atualmente ocupada por grandes grupos econômicos ou latifundiários descendentes de colonos de origem europeia.

Apesar de todos os esforços governamentais de políticas integracionistas, os Mapuche preservaram seu idioma, sua religião e estrutura político-social que regulam o funcionamento das reservas indígenas onde foram forçados a viver desde o início do século XX.

Políticas Agrárias

No início dos anos 70, as reivindicações do movimento Mapuche encontraram eco nas diretrizes da Reforma Agrária realizada pelo governo de Salvador Allende (1970-1973), mas, no final dessa década, a ditadura que derrubou esse Presidente socialista truncou o processo. Um decreto de Pinochet permitiu a divisão das terras comunitárias para incorporá-las ao mercado e estabeleceu que “uma vez liquidado o conceito de comunidade, deixariam de ser terras indígenas, e indígenas seus habitantes”.

Após a ditadura, houve uma aproximação entre o governo de Patricio Aylwin (1990-1994) e o povo Mapuche, sendo promulgada, em 1993, a Lei indígena em vigor e criada a “Corporação Nacional de Desenvolvimento Indígena” (CONADI). A lei reconhecia a sociedade Mapuche “como pluriétnica e multicultural” e fazia “com que toda sua institucionalidade política, econômica e social em matéria de saúde e educação seja o reflexo da realidade multicultural subjacente na base social”, como afirmou o diretor nacional da CONADI, Aroldo Cayún.

Movimento Mapuche

As terras, para os Mapuche, são da comunidade e ela é que decide onde, o que plantar e onde morar. Este conceito foi respeitado na reforma agrária desencadeada pelo Presidente Allende, mas Pinochet dividiu a terra entre as pessoas da comunidade e os mais antigos consideraram que essa partilha afetou sobremaneira suas tradições ancestrais.

Em resposta à política agrária de Augusto Pinochet, nasceu o movimento Mapuche, na década de 80 do século passado, com o objetivo de defender as terras comunitárias. Em 1990, é criado o “Conselho de Todas as Terras” que vem promovendo, desde então, diversas manifestações contra empresas florestais e de energia. O movimento se tornou cada vez mais violento, com ocupações de terrenos, manifestações contra a construção da hidrelétrica de Ralco e provocando incêndios nas plantações de empresas florestais e, talvez, graças a isso, os fundos estatais de compras de terras para as comunidades aumentaram significativamente desde então.

Atualmente, o movimento já não reivindica terras, mas territórios, o que os coloca em confronto direto com as multinacionais da mineração, da energia e do papel. A “Coordenação Arauco Malleco” assegura que “nos encontramos em uma conjuntura histórica de extinção ou continuidade cultural, social e territorial, ou seja, entre a vida ou a morte de nosso mundo Mapuche”. O Cacique Mapuche Aucán Huilcamán pro­clamou no “Consejo de Todas las Tierras”: “Queremos proclamar e reafirmar o direito à livre determinação indígena em todas suas manifestações: política, jurídica, institucional e econômica”. Os Mapuche dizem que sua luta, hoje, não é pela simples demarcação de terras, mas pelo direito de autogestão a elas e que ambicionam governá-las de acordo com suas tradições, à parte das leis dos Estados Nacionais, embora digam que querem continuar pertencendo a eles.

Mapuche não é um Chileno

Comenta Elba Soto autora de “Sonhos e lutas dos Mapuche do Chile”:

Mas no país ainda prevalece o discurso da unidade na igualdade: que o indígena é mais um chileno. É importante que o Mapuche seja identificado como outro e não como igual. Essa alteridade – uma relação em que Mapuche e chilenos reconheçam a diversidade – é fundamental para tornar a interlocu­ção possível.

A Luta Democrática, n° 3.830

Rio de Janeiro, RJ ‒ Sexta-feira, 05.08.1966

Índia e Filha Sacrificadas

TEMUCO, CHILE, 4 [FP] ‒ Uma bela indígena e sua filha de menos de dois anos foram vítimas de um sacrifício numa localidade próxima a esta cidade, a 800 km ao Sul de Santiago.

Depois de um rito, ambas as vítimas foram sacrificadas e seus corpos lançados ao espírito de “anchimallén”, ou seja, o demônio da mitologia Mapuche. [...]

Na zona habitam em suas “reducciones” duzentos mil nativos de raça “Mapuche”, e, embora todos estejam integrados à civilização, subsistem em lugares afastados alguns ritos da antiga raça. No mês de maio de 1960, ocorreu algo parecido quando uma criatura também de dois anos foi assassinada e seus restos lançados ao mar, para aplacar a fúria desencadeada pela natureza. (ALD, n° 3.830)

Jornal do Brasil, n° 298 ‒ Rio de Janeiro, RJ

Quinta-feira, 25.03.1971

Allende Tentará Ajudar os Índios

SANTIAGO DO CHILE [Latin-JB] – O Presidente Salvador Allende viaja domingo para Temuco, a 650 km ao Sul de Santiago, a fim de receber dos índios Mapuche o projeto de legislação que rege as comunidades indígenas chilenas. Os Mapuche exigem a devolução de terras que, alegam, lhes foram roubadas pelos latifundiários. Contam com o apoio de milhares de agricultores que participaram de seu I Congresso Provincial, reunido em princípios do mês em Arauco.

Projeto

O projeto propõe que os índios passem a utilizar a justiça ordinária para resolver a questão da restitui­ção das terras usurpadas. A lei de índios, como é conhecida, é considerada injusta. Entrou em vigor no ano passado. Os Mapuche constituem uma comu­nidade de cerca de 600 mil pessoas, que vivem em condições miseráveis e cujo principal problema é a falta de terras das quais obtém seu próprio sustento. Em 1884, uma comissão entregou a cada chefe de família Mapuche seis hectares e meio de terras e, desde então, o patrimônio de cada família desceu à medida de três a quatro hectares. A comunidade Mapuche conta com um dos índices de mortalidade infantil mais altos do Hemisfério e o analfabetismo alcança os 30% da população. O projeto que será entregue a Allende, domingo, prevê o estabelecimen­to de uma Corporação de Desenvolvimento Indígena, para se encarregar da conservação dos costumes e tradições Mapuche, aperfeiçoamento de seu artesanato, organização de crédito e política sanitária e educacional. (JDB, n° 298)

Jornal do Comércio, n° 34.026 ‒ Manaus, AM

Domingo, 14.09.1986

Índios

Soldados Atacaram a Aldeia

TEMUCO, CHILE [UPI] ‒ Militares com os rostos pintados atacaram anteontem um acampamento de indígenas Mapuche na costa Centro-Sul chilena, deixando três indígenas feridos à bala, segundo denúncia de um membro da Comissão Chilena de Direitos Humanos de Temuco, Gonzalo Taborga. Um dos feridos, Carlos Huentecona, foi operado de urgência num hospital de Temuco com seu aparelho digestivo perfurado por balas. Os outros feridos, Francisca Mellian e Fresia Curi, foram atingidos respectivamente na perna e no braço. [...]

Há poucas semanas, dirigentes da Organização Ad Mapu, que representa os Mapuche, anunciaram que os indígenas iriam começar a recuperar suas terras, herdadas de seus antepassados. (JDC, n° 34.026)

Jornal do Brasil, n° 361 ‒ Rio de Janeiro, RJ

Quarta-feira, 08.04.1987

Índios Argentinos Pedem ao Papa

Devolução de suas Terras

VIEDMA, ARGENTINA – O Papa João Paulo II cumpriu ontem, no segundo dia de sua visita à Argentina, um estafante programa que o levou a quatro cidades: Bahia Blanca, Córdoba, Mendonza e Viedma, esta a futura capital do País ([1]), onde pregou a “reconciliação fraterna para afastar ódios e rancores” entre os argentinos e recebeu uma carta dos índios Mapuche pedindo de volta às terras que lhes foram tomadas no século passado pelos colonizadores, com a assistência da igreja. [...]

Viedma é uma cidade de 35 mil habitantes na região da Patagônia, que o Presidente Raúl Alfonsín pretende transformar em nova capital da Argentina até o final de seu mandato, em 1989. Numa homilia separada, o Bispo de Viedma, Miguel Esteban Hesayne, conhecido por sua militância em favor dos direitos humanos, não só defendeu os índios como verdadeiros proprietários das terras como fez referência aos padres desaparecidos durante a ditadura militar de 1976-83 e manifestou a esperança de que “nunca mais a Argentina conheça a demência da guerra interna e externa”.

O papa pediu em seguida “uma profunda reconciliação fraterna, que assente raízes na reconciliação da cada um com Deus”, e exortou os argentinos a “trabalhar por melhores condições de vida sem empregar as armas do ódio e da violência”. O dia havia começado, para o Papa, com um sermão em Bahia Blanca para cerca de 50 mil camponeses, no qual pediu “a superação de uma vez por todas das condições de inferioridade que sofrem certos setores do mundo rural”.

Depois de passar por Viedma, João Paulo II dedicou a maior parte de sua homilia em Mendonza à interpretação pastoral da paz, ao desenvolvimento e à promoção do ser humano. Em Córdoba, à noite, ele saudou os fiéis católicos. O presidente Raúl Alfonsín, ao contrário do previsto, não o acompanhou. (JDB, n° 361)

Jornal do Brasil, n° 73 ‒ Rio de Janeiro, RJ

Domingo, 20.06.1999

Tempo de Guerra Entre Indígenas Chilenos

Hidrelétrica Ameaça Terra Ancestral
do Povo Mapuche

[Francesc Relea – El País]

ALTO BIOBÍO, CHILE ‒ A tranquilidade desapareceu do vale do Rio Biobío, 640 km ao Sul de Santiago. Caminhões e veículos pesados da empresa Endesa Chile chegam a suas povoações pelas pistas íngremes. A ostensiva presença policial nessas paragens recônditas confirma que algo acontece na terra dos Mapuche. Os descendentes daqueles indígenas que há quatro séculos combateram com bravura os conquistadores espanhóis lutam de novo por seu bem mais estimado: a terra.

Hoje, no vale do Alto Biobío, o inimigo é uma multinacional cuja principal acionista é a empresa espanhola Endesa, que está construindo uma central hidrelétrica que inundará boa parte das terras ancestrais dos Mapuche. Na zona de Traiguén, os indígenas enfrentam as empresas florestais que realizam derrubadas maciças de matas.

Ao todo, são 11 focos de tensão na Araucanía chilena, que nos últimos meses reacenderam um conflito latente e esquecido, enquanto o País ‒ ou melhor, os poderes constituídos ‒ vivia pendente do processo contra o General Augusto Pinochet em Londres. Os incidentes com os Mapuche tiraram o ex-ditador das primeiras páginas dos jornais. Algumas vozes alarmistas têm bradado aos céus ante o suposto “perigo indígena”. O conservador “El Mercurio” publicou recentemente ampla reportagem intitulada “Nosso pequeno Chiapas”, em que se liam frases do seguinte teor “A pergunta é: que fará o governo para deter uma agitação que se assemelha cada vez mais com o Chiapas mexicano?

Junto à pista que percorre o vale do Alto Biobío, trabalhadores estão cercando com alambrados as terras em que a Endesa realiza obras de infraestrutura. A empresa quer evitar acontecimentos como a recente tomada do terreno por um grupo de Mapuche que tentava paralisar as obras.

Que idiotas! Acreditam que nos deterão com alambrados. Não sabem que nós conhecemos todos os caminhos da montanha”, diz Sara Imilmaqui, uma das mulheres mais ativas na luta contra a central de Ralco. “Endesa: nem por um saco de ouro nos tirarão daqui”, adverte um cartaz. O aviso está escrito na entrada da propriedade de Nicolasa Quintremán, alma da resistência à represa. Apesar das dificuldades para se expressar em castelhano ‒ sua língua nativa é o mapudungu ‒ esta mulher de 56 anos fala claro:

Enquanto houver uma só família Mapuche que se oponha, a barragem não será construída. Não queremos a Endesa aqui, porque vai acabar com a terra. Eu não sairei daqui. Morrerei lutando.

O Deputado socialista Alejandro Navarro é um dos poucos parlamentares que empunhou a bandeira da causa indígena. “Se o governo não mudar sua forma de atuação, pode-se criar na zona de Araucanía não um Chiapas, mas uma explosão social. O governo tem que adotar um novo modo de tratar o mundo indígena, não só os Mapuche e Pehuenche, mas também os Aimará, os Atacameño, os Huilliche, os Rapamui...” Entre todas as etnias, eles somam 1,5 milhão de pessoas ‒ 10% da população do Chile. José Bengoa, reitor da Universidade Academia de Humanismo Cristão, acha que a sociedade chilena não está entendendo o problema. “Hoje, a imprensa se pergunta quem são os chefes dos Mapuche, e, como não os encontra, diz que há extremistas ou estrangeiros infiltrados. Isso é uma ofensa aos Mapuche. Nem Lautaro nem Caupolicán precisaram de assessores estrangeiros para matar o conquistador Pedro de Valdivia”. Dos US$ 500 milhões de investimentos que requer a central de Ralco, a Endesa tem programados US$ 22 milhões para reassentamento das famílias Mapuche, que terão de abandonar suas terras, se o projeto decolar. O plano de indenizações proposto pela empresa aos indígenas atingidos pela construção da barragem conseguiu dividir a comunidade Mapuche do Alto Biobío. Oitenta e três famílias aceitaram a oferta de novas terras na região, enquanto oito famílias protagonizam a resistência irredutível aos planos da poderosa multinacional. O antropólogo e estudioso da questão indígena José Bengoa afirma sem condescendência:

Quando o governo, através de seus intendentes em Concepción ou Temuco, diz que é um conflito entre particulares, entre uma comunidade e uma empresa hidrelétrica, está deixando de governar. É como dizer. Atraquem-se, matem-se e eu entrego o controle dos problemas étnicos à polícia. (JDB, n° 73)

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]    O Presidente Raúl Alfonsín (1983-89) propôs a transferência da Capital Federal da Argentina para a unificação das cidades (conturbação) de Viedma-Carmen de Patagones, mas não conseguiu o consenso da oposição. A construção de Itaipu (1975-1982) colocara Buenos Aires e todo o parque industrial argentino muito vulnerável.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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