Sexta-feira, 29 de abril de 2022 - 06h01
Bagé, 29.04.2022
A |
seguinte descrição, que faço depois das pessoais explorações ([1]),
que de ordem de Sua Majestade acabo de executar pelo Rio Branco, e seus
confluentes, contém:
1° uma relação do Rio Branco; de onde, e quais são
as principais vertentes ou cabeceiras dele, e todas as suas fontes;
2° a grande, e unida cordilheira de montes, que
borda o alto desta fronteira;
3° quais são as nações estrangeiras confinantes; e
como elas se podem comunicar para estes domínios portugueses. Demonstrando-se
por uma coleção de documentos, que se acham autenticados nos seus competentes
arquivos, as injustas pretensões dos espanhóis ao Rio Branco, e o direito que
Portugal tem a este Rio, e seus confluentes: acrescentados os ditos
documentos, das notas, que me pareceram convenientes para melhor inteligência;
4° alguns dos produtos naturais desta região: a
propriedade da sua agricultura e do seu comércio.
5° o atual estado da população em geral: e de cada
uma das povoações em particular;
6° as nações de gentilidade que habitam os matos,
e montanhas do País, os meios de descer esta gente, e colonizar com ela o Rio;
7° finalmente, a fortificação que existe, as suas
vantagens, e defeitos. Com um mapa da guarnição militar.
As duas estampas, que ajunto ao fim, contém: a I. uma carta geográfica do
Rio Branco, e seus confluentes e a II. a sua fortificação.
ARTIGO I
Rio Branco, e suas Fontes
O Rio Branco, que deságua por três bocas na margem Setentrional do Rio
Negro, tem a sua verdadeira Foz, ou principal Boca em 1°28’ de Latitude
Meridional, na Longitude de 315°40’ ao Oriente da ilha do Ferro. Esta Boca que
é a mais Oriental, dista da segunda, duas milhas; e da terceira três léguas: a
terceira Boca se denomina Furo de Amayau. [Veja-se a carta geográfica].
O Rio Branco tem a sua origem, ou as suas cabeceiras e principais
vertentes em uma cordilheira de altas serras; cuja cordilheira descrevo,
particular e separadamente no Artigo II. As copiosas, e continuadas chuvas,
que ali se ajuntam, se desatam das montanhas pela costa austral em torrentes de
águas, que unidas umas às outras, se vão engrossando mais e mais, até que formalizam
os Rios Urariquera, Uraricapará, Idumé, Amajarí, Parime, Surumu, e Mau, que são
as principais fontes do Rio Branco, porque por estes Rios deságua a maior
quantidade das águas vertentes dele. [Veja-se a dita carta] A direção geral a
que sobe o Rio Branco, é no rumo do Norte. A sua continuação, com o nome de
Urariquera, na direção de Oeste.
Urariquera
O Rio Urariquera [assim chamado ao Rio Branco até à sua confluência com o
Rio Tacutu] além de trabalhosas e arriscadas cachoeiras, que de Caiacaia para
cima tem ele da sua confluência com o Rio Uraricapará para riba, é muito
difícil de navegar; porque encontrando logo as serras por onde recebe águas,
vai subindo por cachoeiras sobre cachoeiras, que dificultam totalmente o passo.
Em vista destes embaraços, e persistindo eu constantemente em buscar subir a
altura que me pudesse determinar a Latitude das cabeceiras ou vertentes do Rio
Branco; naveguei pelo Rio Uraricapará águas acima até onde ele me deu passo,
sempre por entre serras, e por cima delas, montando continuadas cachoeiras, até
que desembarcando do Igarapé Araicuque, que deságua no Uraricapará pela margem
Ocidental, segui daí em diante por terra; e fazendo caminho pelas serranias da
cordilheira, na direção do quarto quadrante puxando para Oeste, cheguei às
águas vertentes do Rio Uraricapará; e ainda avancei, passando à costa Boreal da
cordilheira; aonde as águas já deságuam para o Orenoco; como explico melhor no
Artigo II em que descrevo a cordilheira.
Uraricapará
O Uraricapará é o Rio mais Ocidental, que da cordilheira corre para o Rio
Branco, ou Urariquera; no qual deságua pela margem Setentrional em 3°23’
Boreais, na Longitude de 315°24”. As suas águas vertentes ou cabeceiras [às
quais cheguei como deixo dito] estão por 4°03’ de Latitude Setentrional, e na
Longitude de 314°21’.
Idumé, Amajarí, Parime
Os Rios Idumé, Amajarí, e Parime deságuam também no Urariquera pela
margem Setentrional. O Idumé ao Oriente do Uraricapará cinco léguas. O Amajarí
mais abaixo vinte e uma. E o Parime nove léguas.
Surumu
O Rio Surumu deságua no Rio Tacutu pela margem Setentrional, dez léguas
acima da Fortaleza de S. Joaquim. Este Rio, estreito, e sumamente embaraçado,
é navegável poucos dias, e só em canoas pequenas e ligeiras. Por este Rio acima
montei vinte e uma cachoeiras, e cheguei até à cachoeira do Cunauaru, assim
chamada por ser produzida da serra Cunauaru, que lhe está contígua. Esta serra
é uma das da cordilheira. Daí para cima é o Rio fechado de pedrarias,
produzidas das serranias da mesma cordilheira, pelas quais vem despenhadas as
águas, que tem a sua origem na continuação, e espessura da dita cordilheira.
O Rio Surumu, como digo, tem a sua origem, não no Lago Aparim [como
parece que se entendia]. Mas sim nesta cordilheira de serras, as quais do mesmo
modo dão as vertentes dos mais Rios, que são fontes principais do Rio Branco, e
como as suas principais vertentes. O modo porque o Rio Surumu se vai arrumando,
internando-se pelas serranias da cordilheira, persuade a verdade de ser na
dita cordilheira a sua origem; mas além disso, assim me foi afirmado por uma
partida que deitei por terra com guias bem práticos, às cabeceiras do Rio,
enquanto eu pela sua Foz o fui subindo
E assim o afirmam também constantemente os tapuias gentios nacionais, e
habitantes da mesma cordilheira, com os quais falei nas suas malocas sobre as
mesmas serras a que subi: e eles asseguram e repetem unanimemente que em todo o
Rio Surumu não há Lago algum; que as serranias da cordilheira é que dão as
vertentes deste Rio.
Mau
O Rio Mau tem a sua Foz na margem Setentrional do Tacutu, doze léguas
acima da do Surumu. O Mau é o Rio mais Oriental que da cordilheira recebe águas
para o Rio Branco.
Tacutu
O Rio Tacutu deságua no Rio Branco pela margem Oriental dele, na Latitude
Setentrional de 3°01’. Longitude 316°56’. Da sua confluência com o Rio
Urariquera, até a Foz do Rio Surumu sobe ao Norte.
Da Foz do Surumu até à do Mau continua ao Nordeste: e daí por diante até
as suas cabeceiras por 2°30’ Boreais, vai ao sul. Este Rio tem as suas
principais vertentes nos campos do Rio Branco; em cujos campos cortados de
pântanos, e serranias, tem também a sua origem o Rio Rupununi ([2]). Do Tacutu para
o Rupununi se pode comunicar por breves trajetos de terra, principalmente por
meio do Igarapé Sarauru, que deságua no Tacutu pela margem Oriental.
Maracá
O Maracá é um pequeno Rio que tem a sua embocadura na margem austral do
Rio Urariquera, acima da Foz desde vinte e sete léguas.
Igarapés de Pouco Curso,
que Deságuam no Rio Urariquera
No Rio Urariquera desembocam mais, os Igarapés seguintes: pela parte do
Norte, o Cauarapuru, Camaraioá, Caiacaia ([3]), Sereré. E
da parte do Sul; Maripamarí, Camu, Perre, Truaré; todos de pouco curso, além de
alguns outros, ainda mais insignificantes. E eis aqui todas as fontes, que até
à Fortaleza de S. Joaquim deságuam na parte superior do Rio Branco. Agora direi
os mais Rios que desembocam nele depois da confluência do Rio Tacutu com o Rio
Urariquera; daí para baixo, denominado Rio Branco.
Anauau
Da parte Oriental deságua o Rio Anauau em 56’ Boreais. Este Rio na maior
enchente [que é quando eu o naveguei] tem pouco mais de 12 braças na sua maior
largura. De 5 dias da sua navegação para cima, é todo uma calçada de pedrarias,
que formalizam quantidade de cachoeiras, e imensos secos. De 13 dias para riba
estreita o Rio tanto mais, que continua em seis para 8 braças de largo. As
canoas daí em diante são levadas à vara, porque o álveo do Rio, que em muitas
partes já não contém de fundo mais de 5 palmos de águas, não permite remar-se
por meio de tantos secos. Finalmente o Rio Anauau é só navegável dois ou três
meses, que durará a sua maior enchente. Até ao termo onde subi, montei
cinquenta cachoeiras, que são outros tantos passos de dificuldade, daí em
diante já se não pode navegar sem muito embaraço, é preciso atravessar por
terra para se chegar às suas cabeceiras, que são junto da serra do Açarí,
segundo dizem os tapuias práticos nacionais do mesmo Rio. Esta travessia de
terra para as ditas cabeceiras, dizem os mesmos práticos ser de dez dias, e por
matos ora alagados, ora montuosos. Esta a narração do Rio Anauau, pela qual me
parece se pode formar toda a ideia dele.
Curiucu e Meneuiní
Na mesma margem Oriental, deságuam mais dois pequenos Rios, que acabam
logo. O mais alto chamado Curiucu tem a sua Foz vinte e 2 léguas ao Sul da do
Anauau. O segundo chamado Meneuiní, 4 léguas mais abaixo. Os Rios que deságuam
na parte Ocidental do Rio Branco são, Mucajaí, Caratirimani, e Sereviní.
Mucajaí
O Mucajaí, tem as suas cabeceiras perto das dos Rios Maracá, e
Caratirimani, e a sua Foz quatorze léguas abaixo da Fortaleza de S. Joaquim. O
Caratirimani, e o Serevini, estes dois Rios sendo encarregado o exame deles a
dois oficiais da minha Expedição o Sargento-mor engenheiro, e o Doutor
matemático também engenheiro, contém o resultado dos seus exames, em
substância.
Caratirimani
Enquanto ao Caratirimani: que ele tem a sua foz em 26° ao Norte. Que de
quinze dias de navegação para cima, o Rio estreita, e os embaraços de
cachoeiras se multiplicam tanto mais, que foram precisados a seguir em
canoinhas nimiamente ([4]) pequenas; e que
nessas mesmas subiram sete dias mais, e assentaram que dali podiam fazer todo o
juízo preciso daquele Rio, que já não poderia ir muito longe. Que até a esse
termo a que subiram, montaram quarenta cachoeiras tendo chegado a perto de 2°
de Latitude Boreal.
Que o Rio se representa não vir imediatamente da grande cordilheira; mas
sim de outros terrenos mais apartados dela.
Sereviní
No que pertence ao Rio Sereviní concluem, que não é, apropriadamente
falar, mais do que um Lago, que acaba logo; que é de água preta; e que deságua
no Amaiau, Boca mais Ocidental do Rio Branco. A foz do Sereviní, dista da do
Caratirimani trinta léguas.
Igarapés que Deságuam na
Margem Ocidental do Rio Branco
Na mesma margem Ocidental, deságuam mais seis Igarapés denominados,
principiando pelo mais alto, Tacune, Cahumé, Mariuanin, Iarani, Eneuini, e Tarimauana.
Tenho referido todas as fontes do Rio Branco; deixando só de fazer menção de
alguns pequenos Lagos, e de alguns Igarapés de mui pouco curso. (ALMADA)
Bibliografia
ALMADA, Manoel da Gama Lobo de. Descrição Relativa ao Rio Branco e seu Território – Brasil – Rio de
Janeiro, RJ – Revista Trimestral do Instituto Histórico, Geográfico e
Etnográfico ‒ Volume 24 – Kraus Reprint, 1861.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] 1787.
[2] Rio Rupununi: deságua no Rio Essequibo, e este no mar do Norte. No
Essequibo tem estabelecimentos os holandeses.
[3] Caiacaia ou
Cada Cada: Igarapé junto do qual estiveram intrusamente situados os espanhóis,
em um lugar elevado, aonde ainda se vê as paredes arruinadas de uma casa.
[4] Nimiamente:
muito.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H