Sexta-feira, 3 de junho de 2022 - 06h05
Bagé, 03.06.2022
Relato
da Terceira Expedição ao interior da Guiana: Compreendendo a viagem às fontes
do Essequibo, às Montanhas Carumá e ao Forte São Joaquim, no Rio Branco, em
1837-1838. Por Robert Hermann Schomburgk.
Àqueles que se interessam pela geografia da Guiana Britânica vale lembrar
que em duas ocasiões anteriores subi ao Essequibo até a catarata de William IV,
e explorei os Rios Berbice e Corentyne, cujos relatos detalhados podem ser
encontrados nos volumes 6 e 7 do “London
Geographical Journal”. O objetivo da presente Expedição é examinar o
Essequibo até suas fontes, e para conectar minhas viagens do Leste com aquelas
do Barão Humboldt em Esmeralda, no Alto Orenoco, que no ano de 1800 chegou a
esse ponto vindo do Oeste. Imediatamente depois de me recuperar de um ataque de
febre amarela, tomei todas as providências para deixar a Colônia; recontratando
os valiosos serviços do Sr. Vieth, como assistente naturalista, Sr. Morrison
como desenhista, o Sr. Le Breton, encarregado da comissão, e vários dos fieis
índios Warrau como parte da tripulação do meu barco. Nós chegamos a Georgetown,
no dia 12.09.1837, na escuna do Sr. Arrindell, meu parceiro de navegação até a
ampla extensão do Essequibo e aportamos no Posto de Ampa, cerca de 30 km do
litoral, onde em um alguns dias, graças aos esforços do Sr. Crichton, o
encarregado do Posto, conseguimos completar nossas tripulações; e tive a sorte
de recrutar meu velho companheiro Peterson como timoneiro.
21 de setembro de 1837 – Esta
manhã estávamos bem adiantados. Nossa equipe consistia de quatro europeus em
três korijaals ([1]). É necessário
aqui reportar o cenário. É preciso, porém, que não se permaneça no velho chavão
da rica e luxuriante vegetação tropical; em meio a qual a majestosa Mora ([2]), o imponente
Sawari, e o Cecropia ([3]), ou
árvore-trompete, são notáveis.
1° de outubro de 1837 – pousamos no Cumuti, ou rochas
Taquiara, que subi naquelas enormes massas de granito que mediam uns 49 m de
altura, confirmando assim a minha estimativa quando realizei minha primeira
subida pelo Essequibo. Quando subimos em uma das rochas, um Caribe apontou
alguns “petróglifos” indígenas, que
eram mais regulares do que o normal, e eram muito semelhantes às gravações
encontradas no Leste de Ekaterinburg, na Sibéria, perto das nascentes do Rios
Irbit e Pishma, afluentes do Rio Túra; e em Dighton, perto das margens do Rio
Taunton, 58 km ao Sul de Boston, nos Estados Unidos da América; e para as quais
alguns pesquisadores e naturalistas atribuíram uma origem fenícia. Qualquer que
seja a sua origem real, o assunto é de grande interesse, e merece um estudo
mais apurado nesta erma região da América do Sul. Eu mesmo investiguei estas
inscrições através de 1.130 km de Longitude e 805 km de Latitude, ou espalhados
aqui e ali por uma extensão de 563.270 km2. Muitos deles eu copiei,
e é desejável que alguma luz seja lançada sobre o assunto, antes que minhas
cópias sejam extraviadas.
16 de outubro de 1837 ‒
chegamos à junção do Rupumuni, há uns 320 km do litoral. Meu barômetro media 98
m acima do nível do mar. A origem da corrente aponta para uma direção Oeste por
uns 48 km. Enquanto montávamos acampamento na sua costa Sul, Foz do Roiwa, fui
até a Aldeia Macuxí, em Annay, perto da montanha do mesmo nome, para adquirir
beiju, tendo em vista que nosso estoque tinha sido perdido quando a corial
adernou perigosamente. A febre, por sua vez, começou a alastrar-se pela nossa
tripulação.
24 a 25 de outubro de 1837 –
No meu retorno, começamos a subida do Roiwa na direção S.S.E., por 48 km, cujo
curso segue à cavaleiro do Essequibo, a uma distância média de 24 km. Sua
largura é de 274 m, a profundidade de 3,6 m; a cor da água ‒ amarela lamacenta
e a correnteza de 7,2 km/h. As margens do Rio tem cerca de 6 m de altura: a
vegetação era praticamente a mesma de antes, mas com raras orquídeas: uma bela
begônia de flores lilás pendia em grandes pencas; e a bela Inga latifolia, com
suas esplêndidas flores roxas contrastavam com a folhagem densa e escura da
floresta. Paramos à noite perto de um grupo de rochas de granito revestidas com
o óxido negro do manganês. Nossa Latitude era de 03°44’ N. [...]
03 a 05 de novembro de 1837 ‒
Chegamos em um pequeno povoado chamado Pukasanti, habitado por 20 nativos,
Caribes e Atorais, onde paramos por alguns dias para conseguir um novo
suprimento de beiju, e recompor nossas energias, já que praticamente todos nós
estávamos sofrendo com a febre. Notei várias cestas grandes de Juva, ou “Noz Brasileira” ([4]),
que, disseram-me, foram recolhidas nas proximidades. Como a árvore é de grande
interesse para os botânicos e sua flor desconhecida, parti com um guia rumo
Oeste. Depois de 2 horas de marcha em um terreno ondulado, através de densa
floresta e pântanos, chegamos à região da Bertholletia; e se alguma vez uma
árvore mereceu o epíteto de excelsa é esta. O tronco sobe ereto até uma altura
de 18 ou 25 m ([5]) antes de
distribuir seus ramos; a casca áspera, as folhas verde-escuras e lisas; mas
pobre botânico, não há uma flor sequer para ser encontrada. O ouriço tem uns 45
cm de circunferência – da dimensão de um fruto do cacaueiro – e contém 16 a 20
nozes pequenas, de sabor doce: elas servem de repasto para o macaco, o caititu
e outros animais. No caminho de volta, encontramos algumas sementes do Apeiba
tibourbou ([6]), que são muito
curiosas, e lembram o ovo-do-mar: o “Apeiba
áspera” é ocasionalmente encontrado perto do litoral e este é o primeiro
que eu encontrei no interior. Durante os três dias em que estávamos em
Pukasanti o céu estava nublado, com um vento forte do N.N.E. A média do
barômetro foi 75 cm, indicando uma altura de cerca de 113 m acima do mar.
Termômetro 29,4°C; a Latitude, referenciando cinco estrelas, 3°04’N.
06 a 07 de novembro de 1837 ‒
Seguimos rumo S.W., sob a orientação de um índio Atorai, passamos por numerosos
blocos irregulares de gnaisse contorcidos, de curioso formato e com grandes
fragmentos de quartzo embutidos neles. Paramos em um desses blocos, que era
grande o suficiente para que centenas de homens acampassem nele. O curso do
córrego é permeado por corredeiras. Acampamos, ao alcançar o chamado Carabiru,
e, depois, então nos dirigimos para Oeste para o famoso Ataraipu, ou a Rocha do
Diabo. Depois de duas horas, passando por bosques tão densos que às vezes
éramos obrigados a abrir caminho usando facões, subimos uma massa de granito de
cerca de 122 m de altura, quando a magnífica pirâmide natural de Ataraipu
surgiu de repente à nossa frente, erguendo a cabeça nua sobre um abismo de
folhagem densa que se esparrama ao redor em todas as direções aos seus pés. A
base desta montanha é arborizada por cerca de 107 m de altura; daí ascende a
massa de granito, desprovida de qualquer vegetação, de formato piramidal, por
cerca de 168 m, totalizando uma altura de 275 m acima da savana, ou 397 m acima
do mar. [...]
16 a 18 de novembro de 1837 ‒
Depois de seis dias partimos a pé rumo S.W. através da floresta: atravessando
vários córregos que fluíam para o Guidaru, e à tarde adentramos nas savanas; um
terreno geralmente ondulado, atravessado, eventualmente, por uma baixa faixa de
morros graníticos e alamedas naturais de buritis [Mauritia flexuosa]. Às vezes
nos deparamos com grandes trechos ou faixas de 183 m de largura, na direção
N.W., de peças de quartzo, dispostas regularmente como um calçamento; outras
vezes cruzamos por trechos de pedras de granito que, à distância, lembravam
fortificações. Perto de um dos mais singulares desses blocos irregulares,
chamado Si-aï, o último cacique dos Caribes, o célebre Mahanarva, residiu. Ao
pôr-do-Sol de 17 chegamos à Aldeia de Watu Ticaba, constituída de 6 cabanas
redondas e cerca de 60 pessoas, onde fomos gentilmente recebidos e objetos de
grande curiosidade por parte dos Wapisianas, ou Wapishanas, a maioria dos quais
viam um homem branco pela primeira vez. A Aldeia está cercada por pedras de
granito, que como nos outros lugares, tem uma flora peculiar: vimos a bonita
Epidendrum Caularthron bicornutum e um novo gênero de orquídea, no Corentyne ([7]), que o Dr.
Lindley homenageou-me denominando-a de Schomburgkia. Identifiquei duas
espécies, a marvinata e a crispa, além de alguns cactos ([8]).
Os Wapisianas são homens altos e bonitos, com feições regulares e narizes
grandes, muito diferentes do nariz malaio do Warrau e Arrawak; as mulheres são
muito fortes e usam o cabelo até os ombros. A poligamia é usual, mas as
crianças são bem educadas e obedientes; nunca presenciei um pai Wapisiana punir
seu filho.
04 a 07 de dezembro de 1837 ‒
De manhã cedo, começamos nossa marcha para o S.E. em direção ao Cuyuni ([9]), no qual
embarcaríamos e desceríamos a corrente até sua junção com o Essequibo. Nossa
rota foi através de uma floresta, na qual notei a Anni, uma árvore alta e
bonita, com uma noz espinhosa, da qual os índios fazem suas corials ([10]) [...] Após 3
horas de marcha, ou cerca de 11 km, chegamos à margem esquerda do Cuyuni, aqui
com 46 m de largura, 3,4 m de profundidade e fluindo para o N.E. e N., com uma
corrente de apenas 8 km/h. As corials nas quais deveríamos embarcar para uma
viagem de algumas semanas, foram, talvez, as mais miseráveis que eu já vi, a
melhor delas não tinha mais do que 0,9 m de largura por 23 centímetros de
altura, em que a única posição possível era agachar-se como um índio; as outras
eram meras cascas de árvores, ou pakasses como são chamadas. O Cuyuni deriva
seu nome de Cuyu, o termo geral dos índios da Guiana para o Marudi de cabeça
branca [Penelope Pipile [11]], que deve ter
sido muito comum por aqui. Diz-se que continua pelas montanhas cerca de 40
milhas para o S.W. A torrente do Cuyuni é bastante represada por bancos de
areia e corredeiras, e, considerando a planura de suas margens, muito monótono.
Pescamos muitos peixes, e particularmente o Luganani, ou peixe-Sol, que é de excelente
sabor. Notamos poucos animais, exceto uma preguiça de três dedos, e isso em
uma ocasião, muito contrária aos seus hábitos, nadando através do Rio ‒ talvez
tenha caído de um galho quebrado. Os Waccawais e Caribes comem sua carne, que
eles descrevem como gorda e muito perfumada, assemelhando-se à da preá. Os
índios dizem que não há jacarés no Cuyuni, mas é abundante uma espécie pequena,
chamada pelos caribes Kaikuti e pelos Wapisianas de Aturi; eles raramente tem
mais de 0,9 a 1,2 metros de comprimento e são considerados uma iguaria. Também
vimos uma grande cobra Comuti [boa], que, entorpecida deglutia sua presa em um
pântano, que tinha um cheiro muito intenso. Feri-a com um tiro e ela se
deslocou em nossa direção obrigando-nos a recuar. Aparentava ter cerca de 7,3 m
de comprimento ‒ a maior que eu já tinha visto. [...] Passamos por numerosos
blocos irregulares de rochas verdes ([12]),
e em dois deles vimos alguns petróglifos. Ao perguntar aos Tarumãs quem fizera
aquilo, eles responderam “que as mulheres
tinham feito aquilo há muito tempo”.
O Rio, ao Norte, faz várias e extensas curvas, e, depois de atingir seu ponto
mais Setentrional, volta-se por 24 km quase que totalmente para o S., mudando,
então, seu curso para E. até sua junção Essequibo: em Latitude 2°16’N. [...]
09 a 10 de dezembro de 1837 ‒
Continuando nossa ascensão pelo Essequibo na direção geral S.W., passamos o
Ribeirão Quitiva, que vem de S.W., e ao entardecer paramos na primeira Aldeia
Tarumã, no Essequibo, composto por 30 pessoas, na margem direita do Rio, em
Latitude de 2°02’N. Na manhã seguinte, passamos por uma região com mais rochas
com petróglifos, chamado Bubamana; acima deste o Rio se espalha para 201 m de
largura, e logo avistamos, a S.E., um pico muito alto que estimei em 914 m acima
da planície: é chamado pelos nativos Wanguwai ou Montanha do Sol; sua Latitude
é 1°49’N. Um pouco mais à W. há um morro chamado Amucu, arredondado e de menor
elevação. [...] (Continua...) (SCHOMBURGK, 1840)
Bibliografia
SCHOMBURGK, Robert Hermann. Relato da Terceira Expedição ao interior da Guiana ‒ Inglaterra –
Londres ‒ The Journal of the Royal Geographical Society of London, Volume The
Tenth, 1841.
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
·
E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Corial: Tronco vaciado (canoa), Kuriyara.
Esta palabra es igualmente común en la mayoría de los dialectos Caribes y ha
sido adoptada por el Español de Sur América “curiara”. (REVISTA DE FOMENTO,
n° 21 a 25)
[2] Mora ou Paracuúba: gênero botânico pertencente à família Fabaceae.
[3] Cecropia: embaúba.
[4] Noz Brasileira (Bertholletia
excelsa): popularmente conhecida como castanha-do-brasil, castanha-da-amazônia
ou ainda castanha-do-pará.
[5] A Castanheira atinge até 60 m
de altura e o diâmetro de seu tronco 0,5 cm (1,60 m de circunferência). O
ouriço, rijo e esférico, pesa entre 0,5 a 1,5 kg e um diâmetro de 10 a 38 cm
com de 12 a 25 sementes.
[6] Apeiba Tiburbu:
conhecida vulgarmente como pau-jangada, pente de macaco, cortiça, jangadeira,
escova de macaco e embira-branca.
[7] O Rio Corentyne
que banha a Guiana e o Suriname, nasce na serra do Acaraí e corre para o Norte
por aproximadamente 724 km entre Guiana e Suriname, desaguando no Oceano
Atlântico.
[8] Schomburgkia é
um gênero botânico pertencente à família das orquídeas. Foi proposto por John
Lindley em Sertum Orchidaceum ‒ Tomo 10, em 1838. A espécie tipo é a
Schomburgkia crispa Lindley.
[9] O Rio Cuyuni fica
entre a Guiana e a parte Oriental do Estado de Bolívar, Leste venezuelano,
servindo, eventualmente, de fronteira entre os dois países.
[10] Corials: canoas.
[11] Penélope: gênero
de aves da família Cracidae, da ordem dos Galliformes, no Brasil, conhecidos
por jacu.
[12] Os cinturões de
rochas verdes são responsáveis por grande parte de depósitos minerais ao redor
do mundo, sendo os mais notáveis de ouro. Também são importantes os depósitos
de prata, chumbo, cobre, níquel, cromo e zinco. Diversas empresas de mineração
mantêm projetos de exploração mineral das mais diversas substâncias minerais
nestas áreas.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
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Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H