Segunda-feira, 5 de abril de 2021 - 08h39
Bagé, 02.04.2021
Navegando o Tapajós ‒ Parte IV
Relatos Pretéritos - Tapajós
Robert C. Barthold Avé–Lallemant (1859)
Essa é a chamada “água preta” do caudaloso Tapajós, em cuja margem direita se ergue
Santarém. O Tapajós é o segundo Rio, em tamanho, que corre do Sul para o
Amazonas. Nasce também no coração do Brasil. Sua nascente mais distante poderá
encontrar-se quase sob 15° de Latitude Sul. Da sua embocadura para cima, correndo
quase paralelamente com o Xingu e o Tocantins, é navegável perto de 60 milhas,
até Itaituba; então os rápidos e cachoeiras interrompem a navegação de barcos
maiores.
É curioso que todos esses três Rios,
Tocantins com o Araguaia, Xingu e Tapajós procedam de regiões de igual formação
e quase do mesmo grau de Latitude, corram regularmente ao lado um do outro,
formem quase na mesma Latitude suas cachoeiras inferiores e deságuem quase na
mesma proximidade equatorial no Amazonas e no Grão-Pará, comparação em que
naturalmente não entra cálculo matemático exato. Três Rios fluindo para o Sul,
Paraguai, Paraná e Uruguai, este último, é verdade, mais sinuoso, oferecem algo
semelhante.
Antes de se afastar inteiramente da margem
esquerda do Amazonas, goza-se, diante da desembocadura do Tapajós, belíssima
vista. As águas dos grandes Rios correndo do Nordeste para Sul, e as
superfícies de seus afluentes, quando se contemplam, são realmente infindas; em
três direções vê-se o horizonte encostar na água – “Mare o no?” ([1])
desejaríamos exclamar diante dessa perspectiva. O continente parece na verdade
um arquipélago. A água do Tapajós é cristalina e perfeitamente limpa, sobretudo
comparada com a água turva, pardacenta, do Amazonas. A profundidade, porém,
faze-lhe parecer preta. (AVÉ-LALLEMANT)
Luiz Agassiz (1865)
Volta da Expedição Enviada ao Tapajós
9 de
setembro – Acabamos de passar alguns
dias tão calmos que não encontro nenhum incidente para narrar. Trabalhou-se
como de costume; todas as coleções feitas desde o Pará foram embaladas e estão
prontas para serem enviadas para esse porto. Reuniram-se a nós, de volta de sua
excursão ao Tapajós, os nossos companheiros para isso destacados, e trazem
desse Rio importantes coleções. Parecem encantados com a viagem que fizeram e
declaram que aquele curso d’água em nada cede ao próprio Amazonas em extensão e
grandeza. Sobre as suas margens se estendem largas praias arenosas nas quais, quando o vento está forte, rolam ondas como nas praias do Mar.
Agassiz não se preocupou em colecionar
animais da localidade; limitou-se a obter os peixes que se podem pescar nas
redondezas; deixou para a volta a exploração do Rio Negro. (AGASSIZ)
Rufino Luiz Tavares (1875)
O Rio Tapajós, cujo nome tomou dos
indígenas assim denominados, que habitaram por muito tempo suas margens nas
proximidades da Foz, é um dos maiores e dos mais notáveis confluentes do Rio
Amazonas. Deságua aos 06°12’50” de Longitude ao Oeste de Belém, Capital da
Província do Pará, e aos 02°24’50” de Latitude Sul, na distância de 950 km
daquela cidade, pelas voltas do Rio. É formado pelo Rio Juruena, ou antes seu
próprio prolongamento. Tem as nascentes no extenso – “plateau” – de Mato Grosso, seguindo proximamente de Sul para o
Norte, percorrendo um leito obstruído em parte por perigosas cachoeiras, todas,
com mais ou menos dificuldades, acessíveis em determinada época do ano, com
exceção de uma só o – “Salto Augusto”.
No ponto onde suas águas se repartem em
dois ramos, recebe a denominação por que é conhecido na embocadura, cuja
largura regula 1.700 m, tomada da margem direita à Ponta Negra. Ainda não foi
explorado convenientemente, pelo menos a torná-lo conhecido cientificamente de
Itaituba para cima. O que porém se sabe do curso e direção das suas águas,
deve-se tão somente ao acaso da sua descoberta, em 1746, pelo Sargento-Mor João
de Souza Azevedo.
Descendo o Sumidouro até a sua junção com
o Rio Arinos, navegou por este e o Tapajós até Santarém, deste ponto pelo
Amazonas abaixo até Belém. Mais de meio século depois, no ano de 1812, outra
exploração foi empreendida, mas tomado o Rio Preto como ponto de partida o
qual, como o Sumidouro se lança no Arinos. Com 75 dias de viagem águas abaixo
alcançou Santarém, com 110, águas acima, o porto extremo, porém partindo de
Uxituba. [...] Em 1828, foi ao Tapajós uma Comissão ordenada por Nicolau I ([2]),
sob a direção do Conselheiro Langsdorff, e o resultado que obteve foi por muito
tempo ignorado. O ano próximo findo, viajando em minha companhia o geógrafo
russo Alexandre Woeikof com quem entretive as mais agradáveis relações, deu-me
alguns esclarecimentos a respeito.
Asseverou-me que infelizmente a dita
Comissão não correspondera à expectativa do seu governo, que seus trabalhos
sobre o Tapajós não gozaram da menor importância científica porquanto não
passam de uma mera descrição de viagem. Quisera também alguma coisa me referir
relativamente à de 1871, determinada pelo governo da Província do Pará,
composta dos engenheiros Tocantins e Julião; constando-me porém que não
seguiram além da Cachoeira Buburé, pouco acima do tributário Joanchim, 33
milhas ([3])
ao Sul de Itaituba, limito-me a registrá-la aqui. O Rio Juruena recebe pela sua
margem direita o Arinos, que também constitui o Tapajós.
Nasce das Serras dos Parecis na Província
de Mato Grosso, engrossa suas águas com as de muitos afluentes, dos quais os
mais notáveis são, o Rio Preto com a Foz na margem esquerda, o Sumidouro, o dos
Peixes, o dos Patos, Tapanhuã-açu e Tapanhuã-mirim, na direita. Em seguida à
cachoeira “Todos os Santos” se lança
pela margem esquerda ao Rio São Manoel, de curso bastante extenso, regular
largura, alimentadas suas águas com as de muitos mananciais de pequena
importância e na maior parte desconhecidos. [...] Contíguo ao lugar onde está
situada Vila Franca, na margem esquerda do Tapajós, deságua em uma Bacia o Rio
Arapium, tributário de grande curso com cachoeiras, as cabeceiras para o centro
das terras firmes que pela parte do Sul limita o Lago Grande de Vila Franca,
cujo desaguadouro acha-se na margem direita do Amazonas, acima da costa de
Paricatuba, 56 km de Santarém. Nas vizinhanças do porto desta cidade, nenhum
outro Rio existe mais importante, não só pela abundância de riquezas naturais
que possui, como também porque está habitado e facilita de alguma forma as
comunicações entre o referido Lago e a Vila, através da margem esquerda. Também
se comunica o Tapajós com o Rio Amazonas pelos estreitos ou Canais denominados
Arapixuna e Igarapé-açu, este accessível a vapores, encurtando assim a viagem
geralmente feita pela Ponta Negra.O primeiro dos referidos Canais demora a
Este, fica defronte da Foz do Arapium e só dá passagem durante a enchente pelo
Furo Cararyacá.
É habitado, possui muitos sítios e
plantações de cacau e café, o segundo acha-se – NS – com a ponta Salé, na
distância de 1.850 metros. Presentemente tem a Boca de comunicação com o
Amazonas obstruída com plantas aquáticas, que mui facilmente pode-se remover.
Estes Canais pelos quais o Tapajós recebe águas do Amazonas, deram causa a
asseverar alguém que aquele tributário se lançava no segundo por três Bocas, o
que não passa de um erro palmar ([4])
em hidrografia.
A região encachoeirada do Rio Tapajós
compreende uma faixa de mais de 400 km. Estes obstáculos naturais, a partir das
nascentes, são conhecidos sob os nomes seguintes: corredeiras “Meia-Carga”, “Pequena Cachoeira do Espinho”; grandes cachoeiras “Rebojo”, “João da Barra” e “São Carlos”;
paredão “Salto Augusto”, de todas a
mais terrível e a única inacessível [...]
As águas do Rio Tapajós são escuras, mas
tão transparentes que à pequena profundidade permite distinguir perfeitamente
os materiais de seu leito, tais como areia grossa, vasa ([5]),
seixos rolados, pedregulho e cabeças de que está semeado. A correnteza das
águas varia segundo o estado do Rio, pois no começo da enchente é que sua
velocidade torna-se maior, da Foz até Boim é quase nula, de 2 quilômetros por
hora até Aveiros, de 5,5 em Itaituba, no mês de fevereiro. (TAVARES)
Henri Anatole Coudreau (1895)
No igarapé do Igapó Açu, fronteira à casa
principal de Pedro Pinto, e a curta distância para o interior, é que se ergue a
maloca Mundurucu mais Setentrional do Tapajós. Constituem-na umas trinta
pessoas, homens, mulheres e crianças, trabalhando com Pedro Pinto. Este famoso
Igapó Açu, que dá nome a todo o Distrito, na realidade, não existe! Em toda a
faixa onde de ordinário o localizam, não se veem senão alguns pequenos igapós
ou charcos, de extensão limitada. Sem dúvida formavam um só e grande charco no
tempo em que o nome foi escolhido. Fenômenos como este não são raros nestas
bandas. Das Ilhas do Igapó Açu aos rochedos de Cuatacuara, é a região da antiga
Missão de Bacabal.
Não é intuito meu fazer nestas linhas o
histórico desta Missão, hoje completamente extinta, mas de Memória bem viva na
Memória local. Permito-me referir, no entanto, que o fundador e diretor dessa
obra, Frei Pelino de Castro Valva, conseguiu reunir uns seiscentos índios, na
maioria Mundurucu, recrutados ao longo do Tapajós, até as vizinhanças do
Chacorão e do Airí. Eram índios já civilizados, que já tinham trabalhado ou
trabalhavam com patrões. Não havia ninguém das Campinas, nem para aí viajou o
Frade. Sucedeu, infelizmente, que pela maior parte os índios morreram. Quando
Frei Pelino deixou a Missão, dos seiscentos silvícolas, sobravam no máximo
cinquenta; o resto havia morrido.
Frei Pelino foi inquietado por haver sido
mais feliz nos seus negócios que na sua obra de caridade. E fizeram um
inquérito, que nada apurou. Foi isto vinte anos atrás. Se Frei Pelino voltasse
de Roma, onde, parece, soube preparar para si uma doce existência, reveria seu
pobre Bacabal tão deserto como no dia em que o abordou para a sua obra cristã.
No lugar da Missão um instante florescente, depararia tão só inútil e triste
ruína da mata virgem abatida: a melancólica capoeira. Bacabal virou deserto.
Contudo, neste ponto como em outros, onde a “organização” malogra, triunfa a iniciativa privada. Apenas pelo
esforço individual, o Tapajós povoa-se. Sem o concurso de empresas
subvencionadas de colonização e de civilização. Povoa-se, e no futuro se
povoará cada vez mais rapidamente. Bastam para tal, a este Rio, seu clima e
suas belezas naturais. Onde encontrar algo mais belo que os rochedos de
Cuatacuara? Imagine-se uma muralha a pique, uma grande muralha de 100 a 150 m
de altura estendendo-se ao longo do Rio por cerca de três quilômetros. Rochedos
abruptos que lembram frontões de edifícios, obeliscos, catedrais disformes mas
gigantescas; rochedos com aparência de uma ciclópica Fortaleza, e na rocha
desnuda, com seções perpendiculares cortando nitidamente as estratificações,
formas que parecem pilares meio murados na enorme massa, gigantescos capitéis,
janelas! Sempre e sempre a rocha despida, salvo na cúpula da monstruosa obra,
onde magros arbustos se estiolam. Aqui e além, ameaças de desmoronamentos sobre
as canoas que passam em baixo.
Mais longe, cômoros pelados, com uma outra
mancha de hera ([6])
avermelhada, tentando inutilmente cobrir a nudez triste da pedra. (COUDREAU)
Amílcar A. Botelho de Magalhães (1928)
Nota 14
O notável geógrafo Pimenta Bueno, sem uma razão
plausível e com evidente menosprezo pelas de ordem antropogeográfica, quando
organizou o mapa de Mato Grosso de que foi autor, considerou como Rio Tapajós o
trecho desse curso d’água desde sua Foz no grandioso Rio Amazonas, até a
confluência dos Rios Juruena e Arinos; desta forma o Tapajós ficava sendo o
produto da confluência destes dois Rios e o São Manoel ou das Três Barras,
modernamente Rio “Teles Pires”,
deveria ser considerado como afluente da margem direita do Tapajós. Esta
caprichosa imposição aberrava das tradições guardadas pelos habitantes
ribeirinhos, para os quais:
1. o Rio Tapajós era formado pela junção do Juruena e do São Manoel;
2. o trecho do Rio entre a Boca do São Manoel e a do Arinos, era ainda
o Rio Juruena.
Rondon, estudando minuciosamente o
assunto, entendeu, muito judiciosamente, restabelecer as primitivas inscrições
cartográficas, anteriores a Pimenta Bueno, porque o estudo das plantas
levantadas pela Comissão Rondon, tanto do Juruena como do Arinos, revelaram
claramente que o Arinos devia ser considerado como afluente do Juruena – o que
corroborava a hipótese de se continuar a chamar Juruena o trecho do curso
d’água compreendido entre as fozes dos Rios Arinos e São Manoel ou “Teles Pires”. [...]
Eis como se exprimiu a propósito o General
Rondon [Conferências 1915]:
Os geógrafos modernos, porém, aceitaram a
lição de Pimenta Bueno, publicada no seu mapa de Mato Grosso, que consiste em
fazer o nome “Juruena” morrer na
Barra do Arinos, figurando pois, o Tapajós como resultado do concurso das águas
que descem reunidas desde essa Foz até o Amazonas. Semelhante modificação, que
contraria a tradição histórica constante das crônicas dos dois séculos
passados, e as indicações da população ribeirinha, e de todos os navegantes
antigos e modernos, não tem a ampará-la nenhuma razão de ordem superior a esses
elementos.
No ponto em que o Juruena vai receber o
Arinos, verificou o Capitão Pinheiro [oficial da Comissão Rondon] ser a sua
descarga de 1975 metros cúbicos, e ter o seu leito a largura de 1.080 metros. A
medição não deu para a descarga do Arinos mais do que 1.283 metros cúbicos, e
para a largura, 734 metros.
Comparando-se estes elementos, vê-se que
não há razão para os dois Rios serem considerados equivalentes; o poder de um,
não se apresenta em condições de ser neutralizado pelo do outro, de modo a dar
lugar ao aparecimento de nova entidade geográfica, exigindo designação também
nova. A direção que o “Juruena”
trazia, continua-se daí para baixo; o seu volume é bastante superior ao do
Arinos; portanto, é perfeitamente cabível considerar-se este como tributário
daquele cujo nome deve ser conservado e prolongado, pelo menos até a Foz do “Teles Pires”. O Tapajós forma-se, pois,
da reunião das águas do antigo São Manoel [hoje Teles Pires], com as do
Juruena; o 1° contribui, em cada segundo, para esta formação, com o volume de
1.747 metros cúbicos e o outro com o de 2.480 metros cúbicos. (MAGALHÃES)
Bibliografia
AGASSIZ,
Luís Agassiz & Elizabeth Cary Agassiz. Viagem ao Brasil (1865 – 1866) –
Brasil – Brasília, DF – Editora do Senado Federal, 2000.
AVÉ-LALLEMANT,
Robert Christian Barthold. Viagem pelo Norte do Brasil no ano de 1859 –
Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Instituto Nacional do Livro – Ministério da
Educação e Cultura, 1961.
COUDREAU,
Henri Anatole. Viagem ao Tapajós – Brasil – Rio de Janeiro, RJ –
Companhia Editora Nacional, 1940.
MAGALHÃES,
Amílcar A. Botelho de. Pelos Sertões do Brasil (1928) – Brasil – Rio de
Janeiro, RJ – Companhia Editora Nacional, 1941.
TAVARES,
Rufino Luiz. O Rio Tapajoz – Memória onde se estuda Semelhante Tributário do
Amazonas... – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Tipografia Nacional, 1876.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) (2000 a 2012);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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