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Hiram Reis e Silva

A Terceira Margem – Parte CXLVI - Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XXII Francisco D’Ávila e Silva III


A Terceira Margem – Parte CXLVI - Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XXII  Francisco D’Ávila e Silva III - Gente de Opinião

Bagé, 05.02.2021

 

Foz do Breu, AC/ Manaus, AM ‒ Parte XXII

 

Francisco D’Ávila e Silva III

 

O correspondente do Jornal do Comércio, residente em Manaus, disse que há, seguramente, dois anos, telegrafara ao dito jornal, dando o sinal de alerta, descobrindo o plano dos nossos vizinhos e narrando casos que, se fôssemos mais previdentes, não se repetiria com a gravidade de hoje. Em setembro de 1903, vários comerciantes de Belém do Pará procuraram o Governador do Estado, na qualidade de aviadores dos seringais do Juruá e do Purus, para indagar do Governo Federal, se era regular a publicação seguinte, feita na imprensa da capital:

 

Consulado General del Perú

 

Se previene a los embarcadores de carga con destino al Alto Purús y Alto Juruá que las mercaderías para puntos situados más arriba de la Boca del Chandless en el primer Río, y la Boca del Amoneya en el segundo, deben ir acompañado de los respectivos documentos expedidos por este Consulado Genérale, para ser tramitados en los puertos aduaneros peruanos existentes en los citados puntos.

 

Belém del Pará, 18 de setiembre de 1903.

 

D. E. Pereira

 

Cónsul Genérale del Perú

 

O Governador Montenegro entendeu-se imediatamente, pelo telégrafo, com o Ministro Rio Branco, que, assim retorquiu:

 

Petrópolis, 29, setembro

 

Respondo ao telegrama de V. Exa. recebido na noite de 24, corrente.

 

Carregadores de mercadorias em embarcações que se destinam aos afluentes meridionais do Amazonas a Leste do Javari, portanto ao Juruá acima da boca de Amônea e ao Purus acima da do Chandless, não devem legalizar os seus papéis no Consulado Geral do Peru.

 

O governo brasileiro não reconhece os postos aduaneiros do Amônea e do Chandless.

 

Att. Sds. ([1]) Rio Branco

 

O governador do Estado deu conhecimento oficial deste telegrama ao Cônsul geral do Peru em Belém. Notícias do alto Juruá confirmavam a existência do Posto Fiscal peruano “na Boca do Amônea”, em território brasileiro, guarnecido por trinta praças do exército, e, que diariamente, às 06h00 e às 18h00, içam e arriam a bandeira peruana com grande solenidade: vivendo os brasileiros ali residentes coagidos em sua liberdade, receando a cada momento uma violência por parte dos peruanos que exigem a entrega de gêneros e mercadorias, sem o respectivo pagamento, verdadeiros atos de soberania e de rapina. Um Tenente do exército peruano chamado Dagoberto Arriaran, que ia se tornar famoso pelas suas violências contra os vapores brasileiros, em trânsito por aquelas paragens, partiu de Iquitos, em fins de outubro ou princípio de novembro, com o nome trocado, já nomeado para assumir o comando do destacamento estacionado no Amônea e com instruções para “observar” as forças e elementos com que os brasileiros podiam contar, de pronto.

 

A primeira parte de sua missão já foi cumprida com a remessa ao Prefeito de Iquitos de um relatório sobre o que viu, restando executar a segunda. Bem disfarçado, passando por caixeiro de uma casa comercial de Iquitos, tomou passagem, a bordo do vapor Barão de Belém, no dia 11.11.1903, com destino ao Amônea. No meio da viagem, um passageiro desconfiou do papel que ele estava representando e comunicou esta suspeita aos seus companheiros, provocando grande indignação contra o espião, pelo que resolveram abandoná-lo num barranco qualquer. Ele, porém, corajoso e ousado, fez-se de vítima e tão bem se houve que, os passageiros, na dúvida, consentiram que ele prosseguisse viagem. Uma vez no Amônea, o simulado caixeiro transformou-se e passou a ser o que, realmente era, um oficial do exército peruano, com várias incumbências.

 

Antes de sua chegada, o Posto Militar e Fiscal existente na Foz do Amônea, desde novembro de 1902, e, em 1903, intitulado pelos invasores de Nuevo Iquitos, obrigava os Comandantes dos navios brasileiros que, por ali transitavam, a içarem a bandeira peruana no mastro da proa, como aconteceu, em novembro de 1903, aos vapores nacionais “Contreiras”, “Moa” e “Canutama”. O Comandante do primeiro, fez ver ao Alferes Marcial que não podia cumprir, em território e águas brasileiras, ordens dadas por estrangeiros, ao que o Comissário peruano redarguiu que se não fosse executada a determinação, abriria fogo contra a embarcação. O Comandante pensou em desobedecer à insólita notificação, mas, como tinha a bordo algumas famílias que podiam ser vítimas das balas dos invasores do nosso território, aceitou uma bandeira que lhe foi oferecida, lavrando, todavia, um protesto contra essa violência.

 

O Comandante do segundo, recebeu idêntica intimação, porém, resistiu, e talvez, por não terem os peruanos outra bandeira disponível para oferecer, o navio pôde prosseguir. Na volta desta embarcação, o Comissário aludido avisou o seu Capitão para prevenir a todos os seus colegas que pretendessem subir o alto Juruá, de que deviam hastear o pavilhão peruano, a fim de não verem a sua viagem perturbada. O Comandante do terceiro, também se opôs à intimação do Alferes Marcial, recebendo, por isso, o seu barco, várias descargas de rifle. Todos os Comandantes apresentaram, ao Capitão do porto do Estado do Amazonas, os protestos regulamentares.

 

Depois disto, passaram a cobrar impostos sobre exportação, importação, trânsito, consumo, expediente, produtos da região, além de distribuírem aos moradores do alto Juruá, uma circular avisando de que deviam ir registrar os seus nomes e títulos de propriedades, na aduana da Foz do Amônea, sob penas severíssimas.

 

Ainda no ano de 1903, no dia 9 de dezembro, atracou no porto do barracão Minas Gerais, contíguo ao local em que se achava o acampamento dos peruanos, o primeiro situado na margem direita do Rio Amônea, e o segundo na esquerda, o vapor brasileiro “Costeira” que, minutos após recebia a visita de um oficial peruano, o qual intimou o Comandante do vapor a içar o pavilhão do seu país; como prova de reconhecimento da soberania peruana no território.

 

Como o Comandante do barco se negasse a atendê-lo, o oficial aludido desistiu, cingindo-se, apenas a indagar se o manifesto do navio havia sido visado, pelo cônsul peruano de Manaus, e tendo resposta negativa, o navio prosseguiu sua viagem para o Rio Tejo.

 

De retorno, a tropa peruana estava formada no barranco, indo a bordo o Tenente Dagoberto Arriaran, acompanhado de três praças. Intimado o Comandante a içar a bandeira do Peru e a exibir o manifesto da borracha para ser visada e pagar os direitos correspondentes, o Comandante José Joaquim Martins estranhou as exigências, pelo que Arriaran ameaçou atirar contra a embarcação, ante o que o Comandante convocou o conselho de oficiais, o qual anuiu não resistir, para não sacrificar vidas, opondo-se, porém, ao içamento da bandeira. Com a notícia do pagamento do imposto. Arriaran dispensou aquela formalidade, e escreveu no manifesto que os produtos constantes do mesmo eram de procedência peruana, cobrando os impostos de 8 centavos por quilograma de borracha e 5 centavos pelo de caucho, datando de: “Boca del Amoneya, 5 de Enero de 1904” e assinando – “Dagoberto Arriaran”, e ao lado, um carimbo em que se lia: “Aduanilla fluvial de Iquitos. Alto Yuriá”.

 

Não tendo o Comandante dinheiro para satisfazer o pagamento, Dagoberto contentou-se com um saque a noventa dias, contra a casa “Melo. e Ciª”, do Pará, do que passou recibo. Destarte ([2]), resolveu a aduana peruana cobrar impostos no ano de 1904, resolução esta que teve aplicação desde o dia 1° de janeiro. Também teve que pagar os impostos que o Tenente Arriaran entendeu cobrar, o comerciante de Manaus, João A. de Freitas, que fora ao Amônea, buscar caucho.

 

No acampamento do Amônea tinham os peruanos 40 praças de infantaria, comandadas por um 1° Tenente e dois oficiais, além de outro que exercia o cargo de chefe da alfândega ali estabelecido: constando que, no varadouro do Rio Amônea para o vale do Ucayali havia 200 homens armados, em comunicação com Iquitos, por meio de lanchas de guerra: forças estas ali estacionadas para apoiar a avançada da Boca do Amônea.

 

O Jornal do Comércio, de Belém [Pará], relatava, um ou dois meses depois, que a referida guarnição era composta de 60 a 80 homens, armados de mannlicher ([3]), que esperava artilharia, pelo varadouro do Amônea, a fim de apoderar-se da vila de São Felipe, sita ([4]) no Baixo Juruá. Como se vê a situação dos brasileiros na região, foi pouco a pouco piorando, com a atitude dos peruanos de pretenderem a viva força estabelecer o seu domínio no Alto Juruá.

 

Na 1ª fase, limitaram-se a estudar o ambiente e instalar alguns pontos de apoio ao seu comércio e a extração de caucho, para o que trouxeram até gente armada.

 

Na 2ª, já depois de instalados na Foz do Amônea os funcionários da “Aduanilla” cingiam-se a exigir o içamento do seu pavilhão no mastro de proa das embarcações brasileiras, ao passo que, ultimamente, suficientemente armados passaram a efetuar a cobrança de vários impostos, e fiados nas balas de suas carabinas, o Comissário Arriaran aconselhava, como um soberano autocrata, aos devedores para não pagarem aos seus patrões credores, classificando estes de usurpadores de direitos peruanos por se acharem explorando terrenos pertencentes à sua nação: determinação esta que poderia acarretar uma conflagração de consequências incalculáveis. (SOBRINHO, 1959)

 

Bibliografia

 

SOBRINHO, Dr. José Moreira Brandão Castello Branco. Peruanos na Região Acreana – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – Volume 244 – Departamento de Imprensa Nacional 1959.

 

Solicito Publicação

 

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

·     Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)

·     Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

·     Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

·     Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

·     Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)

·     Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

·     Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

·     Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

·     Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)

·     Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

·     Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)

·     Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

·     Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).

·     E-mail: hiramrsilva@gmail.com.



[1]   “Att.”: do inglês – “for the attention of”. “Sds.”: saudações.

[2]   Destarte: assim sendo.

[3]   Mannlicher: fuzil 8 mm projetado pelo austríaco Ferdinand Ritter Vonn Mannlicher, em 1888. Arma robusta e precisa com alta cadência de fogo. Pesava: 3,80 kg, com um comprimento total de 1,272 m, um cano de 0,765 m e um carregador com capacidade para 5 cartuchos.

[4]   Sita: situada.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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