Sexta-feira, 2 de outubro de 2020 - 10h17
Bagé, 02.10.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XXVI
Viagem da “Real
Escolta” – XIII
DÉCIMA
CACHOEIRA (Madeira)
Compõe-se
esta Cachoeira ([1]) de vários morros de
pedras em forma de Ilhetas com arvoredo silvestre, e outros escalvados em quase
semelhante postura e qualidade aos que há na Cachoeira antecedente, antes de
chegar aos maiores saltos dela. Também atravessam o Rio de uma e outra parte
com a circunstância que, pela direita, não oferecem passagem em Rio já
crescido, porque a ela se inclina o maior peso de água, com o qual rompendo por
entre uns penedos, e encapelando-se por cima de outros, forma estranhas
correntezas insuperáveis à força e indústria.
Pela
margem esquerda, se mostra mais tolerável entre as pedras talhadas mal cobertas
de água e a terra firme; que também tem a sua ribanceira de mal composta
penedia. No último remate de tanto rochedo bronco, há duas Ilhas lançadas de
uma a outra parte do Rio rumo quase de Leste/Oeste, por entre as quais forma o
Rio três canais, sendo o mais impetuoso, e mais terrível, o da parte Ocidental,
como acima se declara. A formatura destas Ilhas no seu fundamento é tudo
penedos, sobre os quais, havendo alguma tal ou qual planície, deram lugar a que
a terra se introduzisse com a inundação do Rio para nelas produzir arvoredo
frondoso de alegre representação aos olhos.
No
dia 23.01.1750, se fez viagem no rumo de Susudoeste, costeando à esquerda, e
com meia hora de caminho se encontraram as primeiras pedras da Cachoeira acima
mencionada chamada Vainumu ([2]),
e com o trabalho da corda pondo as canoas com meia carga, se venceu aquele
primeiro impedimento, e também o segundo que logo se seguiu, e ultimamente o
terceiro que juntos fizeram um dia de impertinente trabalho, e que se andaria
um quarto de légua; e é o que esta Cachoeira terá ao comprimento do Rio, ou
pouco mais, porque ele finalizava na realidade nas duas Ilhas acima relatadas.
Dia
24.01.1750, passadas as Ilhas no rumo de Susudoeste, com duas horas de caminho
se avistou a Boca do Rio Beni ([3]),
para a qual se atravessou, e se portou nele da parte de dentro para se averiguar
o que fosse possível da sua direção. Feita naquele lugar a observação da
altura, se achou desembocar o Rio Beni no Madeira em 12° ([4])
de elevação Austral. A sua entrada é no rumo de Susudoeste, e navegando pelo
mesmo Rio cinco horas, se achou ser aquele rumo o mais frequente, do qual
parece trará a sua origem. É bastantemente caudaloso, e quase de igual
correnteza ao Madeira, em que faz a sua entrada pela margem Ocidental com 800
braças ([5])
de embocadura [ao parecer]. As suas águas são barrentas por causa da muita
terra que nas enchentes cai das suas ribanceiras, que são mui semelhantes em
altura e arvoredo às do Madeira. Com este poderá o Beni disputar a maternidade
das águas, se o Madeira não mostrasse que continua no seu rumo com as suas Ilhas
e Cachoeiras na mesma direção que leva até aquele lugar, e justamente ser o
Madeira de maior largura, e trazer mais água naquela parte em que recebe o
Beni, que, com efeito, ali perde o nome e ser de Rio.
Por
este Rio Beni não há documento ou tradição, por onde conste que fosse navegado
por Portugueses, nem Castelhanos, porque estes em cujas terras nasce o Beni,
ignoravam até o ano de 1713 o verdadeiro destino deste Rio, pois supunham que
ia desembocar no Amazonas sem concurso de outras águas, e os Portugueses que
subiram no ano de 1723 até Santa Cruz de los Cajubabas, e outros que
antecedentemente haviam ido a negociar gentio, não entraram por este Rio a
diligência alguma; em cujos termos será razão que aqui se relate alguma
notícia, ainda que seja abstrativa das origens deste Rio, segundo consta de um
Mapa impresso no referido ano de 1713, suposto que a graduação dele não devia
de ser a mais exata porque além de se não conformar com as Cartas Gerais
Geográficas, padece uma grande equivocação nos graus de Latitude a respeito da
que se fez nesta ocasião; por que o Autor do dito Mapa descrevendo nele o Rio
Beni, o supõe ainda tal na altura de 11° de elevação Austral, ao mesmo tempo
que pela observação no dito dia de 24.01.1750 se acha que na altura de 12° se perde
no Madeira, como acima fica expressado.
Das
serras do Peru, paralelo à Cidade de Paz, em altura de 12° ao Sul, se mostra
ter nascimento o Rio Beni que, discorrendo por entre a mesma serrania se junta
com o Chuquiabo, que vem da dita Cidade que fica ao nascimento do Beni à parte
do Ocidente; juntos os dois Rios se forma já o Beni mais caudaloso por entre as
mesmas serras até a altura de 15°, donde, correndo por terra plana, vem
desembocar no Madeira na parte acima mencionada. Em toda a margem deste Rio de
uma e outra parte, não mostra haver até aquele ano de 1713, mais Povoação do
que uma Aldeia chamada os Reis, habitada de três mil pessoas de um e outro sexo
e idade. Mais ao centro à parte Oriental dos Reis, havia outra da invocação de
S. Paulo, povoada de duas mil e setecentas pessoas. As nações de gentio que
habitam no Distrito do Beni se nomeiam Romanos, Chumanos, Chriribas e
Toromanas. Pela parte do Poente, descem das serranias algumas ribeiras que vêm
a incorporar-se com o Beni, onde este já discorre por planície, que são Apioana
e Amantala, e há nos seus Distritos entre as montanhas três povoações, que são
Apolobamba, S. João e Pelechuco desde a altura de 15°30’ de Latitude até aos
14°40’. Recebe também as águas da Ribeira chamada Enin, que traz a sua origem
das vizinhanças da Cidade de Cusco, situada em 13°20’ de Latitude, e em 301° de
Longitude. Feita a observação, e navegando em canoa ligeira cinco horas Rio
acima o dito Beni, dele saímos no dia 25.01.1750, por volta da uma hora da
tarde, seguindo derrota costeando a margem direita no rumo de Susueste e Sul, e
neste rumo se achou estar a Cachoeira Tejuca.
DÉCIMA
TERCEIRA CACHOEIRA (Tejuca)
É
conhecida esta Cachoeira com a denominação de Tejuca ([6]):
consiste o seu composto em quantidade de pedras não muito grandes, que
atravessam o Rio de uma para outra no turno de Nordeste e Sudoeste; e como se
achava já quase arrasada de água, deu fácil passagem à sirga pela margem
direita que se navegava. Em cujos termos, com 5 horas de caminho nos rumos mencionados,
portaram as canoas junto à Cachoeira chamada dos Javalis ([7]);
e se andara légua e meia desde a Boca do Beni até este lugar.
DÉCIMA QUARTA
CACHOEIRA (Lajes)
Dia
26.01.1750, neste dia se não fez mais do que passar a Cachoeira mencionada até
o meio-dia, a qual consiste em se oporem ao Rio duas Ilhas rodeadas de grandes
lajeados de pedra, uma enseada à margem, e outra à esquerda no mesmo rumo da antecedente,
Nordeste e Sudoeste.
Estas
duas Ilhas se comunicam com vários penedos, e lançam outros Rio abaixo em
distância mais de 800 braças ([8]),
de sorte que, querendo o Rio fazer caminho por entre estes impedimentos, forma
três canais, um entre a ribanceira da parte direita e a Ilha, estreito e de
medonha correnteza; outro no meio, em que a água, em vários precipícios, faz
impraticável o seu trânsito; e outro entre a Ilha da parte esquerda e a terra
mais favorável ao intento da passagem, porque somente oferecia duas correntezas
junto à terra, pelas quais descarregadas as canoas, se podiam levar à sirga.
Assim
se executou no dia referido até às duas horas da tarde, e pelas três se
continuou viagem no rumo de Sudoeste, e nele, com meia légua de caminho, se
encontrou 15ª Cachoeira ([9]),
junto da qual portaram as canoas para, no dia seguinte, se empreender a sua
passagem.
DÉCIMA QUINTA
CACHOEIRA (Pau Grande)
Bastantemente
intrincada se achou ser esta Cachoeira chamada dos Papagaios ([10]),
porque a formou a natureza, lançada de uma a outra parte do Rio no rumo de
Oesnoroeste e Lessueste, composta de Ilhas rodeadas de rochedos e pedras
monstruosas, que passam de umas às outras Ilhas com mui irregulares posições;
por cuja razão o Rio se achava precisado a romper estes embaraços por modo
quase estranho à propriedade de sua corrente, pois em partes se atravessava a
vários rumos com oposição de umas com outras águas até saírem por entre os
últimos penedos com ruidosa fúria e espumosa braveza. Apenas ofereceu um canal
encostado à margem direita entre a ribanceira formada de alta penedia e uma
Ilha encostada à mesma parte, por entre a qual corria menos furiosa a água, por
não ser ainda muita a que propendia para esta parte, razão porque estavam as
pedras mal cobertas, que foi preciso estivá-las de madeiros para sobre eles se
puxarem as canoas descarregadas.
No
dia 27.01.1750, se executou a empresa sobredita com grandíssimo trabalho, que
consumiu o dia inteiro daquele penoso serviço e, com efeito, no mesmo dia
ficaram as canoas transportadas à parte de cima da Cachoeira, que terá um
quarto de légua de distância ao comprimento do Rio.
No
dia 28.01.1750, se prosseguiu viagem costeando à parte direita no rumo de
Sueste e nele, com pouco mais de uma hora de caminho, se achou a Cachoeira
chamada Das Cordas ([11]),
que atravessa o Rio de uma e outra ribanceira no rumo de Noroeste e Sudoeste;
e, por ter já quase todas as pedras no fundo se passou a remo vencendo somente
duas correntezas entre a margem Ocidental e uma Ilha das que formam as mesmas
Cachoeiras. (G. FONSECA, 1826)
(Continua...)
Bibliografia
G. FONSECA, J.. Notícias para a História e
Geografia das Nações Ultramarinas – Portugal – Lisboa – Academia Real das
Ciências – Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações
Ultramarinas, que Vivem nos Domínios Portugueses, ou lhe são Vizinhas, Volume 4,
n° 1, 1826.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Cachoeira: Madeira – 10°21’38,9” S /
65°22’49,4” O.
[2] Vainumu: Madeira.
[3] Boca do Rio Beni: 10°22’55,1” S /
65°23’40,5” O.
[4] 12°: 10°23’.
[5] 800 braças: 1.760 m.
[6] Tejuca: 10°25’05,6” S / 65°22’45,1” O.
[7] Javalis: Lajes ‒ 10°26’50,8” S /
65°23’39,1” O.
[8] 800 braças: 1.760 m.
[9] 15ª Cachoeira: Pau Grande.
[10] Papagaios: Pau Grande – 10°28’01,7” S /
65°25’18,0” O.
[11] Das Cordas: 10°29’03,3” S / 65°25’48,3”
O.
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