Sexta-feira, 25 de dezembro de 2015 - 00h01
Hiram Reis e Silva, Bagé, RS, 25 de dezembro de 2015.
A exploração do Rio Papagaio constituiu importante serviço que ficamos devendo à orientação do General Rondon, quando traçou e executou magistralmente o programa da Expedição Científica Roosevelt-Rondon. Quando esta Expedição [1913/14] chegou à Estação Telegráfica de “Utiariti”, nome também do belíssimo Salto do Rio Papagaio, junto ao qual foi construída, Rondon destacou uma turma destinada a reconhecer e explorar o Rio Papagaio, a partir deste Salto até sua Foz no Juruena. (MAGALHÃES, 1941)
Aldeia Utiariti (Rio Papagaio) à Aldeia do Buracão (08.11.2015)
Acordamos por volta das seis horas, o desafio de embarcar os irrequietos muares na balsa do Rio Papagaio preocupava o “Boi” e por isso mesmo tínhamos de iniciar cedo os preparativos. Despedi-me da amável anciã Srª Tertuliana e de seu marido e fui, como legítimo militar da arma de Villagran, orientar meus parceiros na transposição do curso d’água, afinal isso era uma missão bem específica da nossa Engenharia Militar. Curiosamente a travessia do Rio Papagaio, na pequena balsa (13°01’41,8”S / 58°16’54,2”O), diferente do esperado, processou-se rapidamente e sem quaisquer dificuldades. Apenas um senão ‒ o cavalinho “Polaqueiro” escorregou ao desembarcar e esfolou, sem gravidade, a pata traseira.
A partir de Tapirapoã nosso percurso se dirigia para o Norte, subindo e atravessando o planalto deserto do Brasil. Das fraldas desta zona elevada, que é geologicamente muito antiga, defluem para o Norte os tributários do Amazonas, e os do Prata para o Sul, fazendo imensos volteios e desvios sem conta. (ROOSEVELT)
Desde Tapirapoã, vínhamos seguindo, à distância, a Linha Telegráfica já que era impossível seguir a rota exata da Expedição Original tendo em vista os alambrados que cercavam as inúmeras propriedades particulares ao longo do caminho e a vegetação que, nos últimos cem anos, fora, progressivamente, bloqueando a estrada da Linha. Tínhamos, até então, percorrido apenas 2,5 km da Estrada da Linha Telegráfica na chegada à Aldeia de Utiariti.
Hoje, depois da travessia, enveredarmos por 4,5 quilômetros da estrada, rumo Sudoeste, até adentramos na mesma trilha (entroncamento ‒ 13°03’07,4”S / 58°18’38,1”O) daqueles valorosos expedicionários do passado usando, como eles, nossos vigorosos muares como meio de transporte. Depois de percorrermos outros 15,5 km seguindo a trilha da Linha Telegráfica encontramos uma bifurcação (13°08’14,3”S / 58°25’25,1”O), abandonamos a estrada e adentramos na trilha da direita, onde fizemos, logo em seguida, a primeira parada. Antes de partirmos, seguindo a trilha da Linha, os muares tiveram de ser recapturados, pois, durante a breve parada, tinham seguido adiante. Na antiga senda, encontramos alguns dos antigos postes erguidos pela Comissão de Linhas Telegráficas chefiada pelo Cel Rondon.
Depois de percorrermos 35 km, enfrentando bloqueios, vespas, e extrema canícula, abandonarmos a rota Sudoeste e enveredarmos pela trilha da Linha Telegráfica no rumo Noroeste que ia cruzar o Rio Buriti 8 km à frente. Como a viatura Marruá ainda não tivesse chegado com a água para aplacar a sede de nossos sedentos muares eu o “Boi” descemos uma íngreme trilha em busca do precioso líquido. A estreita trilha que seguimos, após passarmos pela antiga Aldeia Buracão, estava muito fechada obrigando-nos a deitarmo-nos sobre os animais para acompanhar a tropa que seguia célere em fila indiana. Chegamos, finalmente, ao leito seco do que deveria ser, na época das águas, um pequeno Ribeirão. O “Boi” foi à frente reconhecer o terreno e pediu para que eu aguardasse com os animais. Algum tempo depois, ouvi um grito do “Boi” que me pareceu ser de júbilo, por ter encontrado água, e toquei a tropa em sua direção, logo à frente vi a montaria do “Boi” amarrada a um tronco com os quartos atolados no lodo. O “Boi” gritou, de longe, pedindo que eu voltasse com os animais afirmando que o terreno dali para frente era muito pior, imediatamente manobrei os animais que ao retornar enveredaram, em louca carreira, pela apertada trilha. Tentei, em vão, controlar os animais e nessa empreitada perdi meu gorro de selva, um troféu que sempre usara com orgulho desde que, em 05.11.1999, concluíra o Curso de Operações de Selva. Novamente uma estranha sensação me envolveu, a mesma que senti quando perdi, nas águas do Rio Solimões, em 12.01.2009, minha veterana Bússola Silva, que há mais de 32 anos me indicava a rota correta. Uma profunda angústia invadiu todo o meu ser e veio-me à mente o som vigoroso e fúnebre do “Requiem Dies Irae”, de Wolfgang Amadeus Mozart. Adeus, velho amigo! Partiste como um dia quero partir, vendo, tratando e pelejando!
As aldeias dos índios da Serra do Norte, em geral, são construídas no alto de pequenas colinas, longe dos cursos d’água. Algumas distam mais de um quilômetro do Rio ou do Ribeirão mais próximo. Visam dois objetivos, ao que supomos, levantando suas palhoças em tal situação: sofrem menos dos mosquitos e dominam o território vizinho, o que é vantajoso, vivendo, como até agora viviam, em lutas constantes. (ROQUETTE-PINTO)
A tropa só foi controlada depois da chegada da viatura Marruá com equipe de apoio (Sargento Yuri e Soldado Eder), Coronel Angonese e o Dr. Marc. Montamos acampamento (AC03 ‒ 13°13’22,8”S / 58°30’49,1”O) nas proximidades da antiga Aldeia do Buracão, onde os pequenos e irritantes insetos assediavam a todos comprometendo a execução das tarefas mais simples. A Aldeia do Buracão foi abandonada pelos Nambikwara depois de terem ocorrido uma série de acidentes, alguns fatais, na sua íngreme trilha de acesso. É interessante ressaltar que a edificação de uma Aldeia Nambikwara em local próximo a um curso d’água e muito insalubre contraria todas as observações realizadas pelos antigos pesquisadores e, fundamentalmente, o preconizado pelos seus ancestrais.
Relatos Pretéritos do Rio Papagaio
Alguns leitores não entendem porque insisto em reportar relatos de outros autores sob o título de “Relatos Pretéritos” e eu respondo dizendo que estas narrações são fundamentais. Não me considero um colunista, cronista ou escritor e não tenho nenhuma pretensão de ser reconhecido como historiador e, por isso mesmo, procuro amparo nos textos antigos para embasar minhas afirmações. Sou apenas um humilde garimpeiro da história e quando encontro algumas pérolas extraviadas nos escaninhos mais empoeirados da Biblioteca Universal procuro repercuti-los. Tento, com isso, apresentar o ponto de vista de outros autores para que eles possam ser estudados, comparados e analisados pelo próprio leitor. Mesmo quando há uma unanimidade na percepção de redatores diversos podemos encontrar, no mínimo, belas nuances na expressão literária de cada um.
Mas não basta pra ser livre
Ser forte, aguerrido e bravo
Povo que não tem virtude
Acaba por ser escravo
(Hino do Rio Grande do Sul)
É extremamente importante recorrer ao relato de historiadores ou cronistas que estiveram cronologicamente o mais próximo possível dos eventos considerados. Infelizmente alguns dos pretensos “historiadores” nacionais foram, nas últimas décadas, totalmente contaminados por ideologias alienígenas espúrias apresentando uma versão da “história” totalmente travestida, uma realidade maquiavelicamente distorcida do que realmente aconteceu. Ao denegrirem a imagem dos heróis do passado ao invés de cultuar-lhes a memória e o exemplo pelo inestimável legado que nos deixaram desconsideram, por má fé, a máxima de Isidore Auguste Marie François Xavier Comte de que: “Os vivos são sempre e cada vez mais governados necessariamente pelos mortos”. Um povo que não cultua seus heróis, suas virtudes está condenado, inevitavelmente a ser escravo. O Rio Papagaio guarda eternamente em suas margens mais uma das inúmeras heroicas passagens patrocinadas por Rondon. A retirada da “Expedição de 1907”, desde o Rio Juruena, sob a presença sempre hostil dos índios Nambikwara, os alimentos escassos, foi extremamente penosa e quando chegaram, finalmente, às margens do Rio Papagaio...
Cândido Mariano da Silva Rondon (1907)
A 4 de novembro (04.11.1907) atingimos o Sauêruiná com o pessoal faminto, exausto, sem forças nem ânimo para nada. Até os mais resistentes, o João de Deus e o Domingos, estavam aniquilados. E tínhamos de atravessar o Sauêruiná! Na viagem de ida, havíamos utilizado uma canoa para transportar o pessoal e o material enquanto os animais faziam a travessia a nado. Ficara a canoa amarrada à margem esquerda e com ela contávamos para voltar à margem direita ‒ mas esquecêramos os índios: haviam eles soltado a embarcação que desaparecera na correnteza! Foi tão grande a decepção, que tirou aos abatidos companheiros os últimos restos de coragem e energia. Como transpor o Rio? A nado? Seria impossível para homens famintos, derreados pela fadiga, doentes, apavorados com a possibilidade de um ataque: eles que viessem e pusessem termo aos seus esforços de moribundos; ali ficariam no chão à sua espera. Não perdi, entretanto, a esperança de salvar a Comissão e de levá-la a bom termo. (...)
A situação não comportava palavras e gestos inúteis. Era preciso agir. Com um couro de boi, revestido de um arcabouço de varas ligeiramente vergadas e amarradas, construí uma pelota. Carreguei-a com volumes de material e bagagem e, a nado, por meio de uma corda amarrada aos dentes, fui rebocando a improvisada embarcação, através da correnteza. Depois de repetidas viagens ‒ das 13h00 às 18h00 ‒ tinha eu transportado os doentes, a bagagem e o material. Os homens inclinavam a cabeça para o peito e eu vergastáva-os com incisiva apóstrofe:
‒ Soldado não baixa a cabeça como qualquer covarde!
Estava salva a Expedição do Juruena! (VIVEIROS)
Luiz Leduc (1907)
Travessia do Rio Papagaio (Saucru-Iná) no dia 05.11.1907
Depois de todas essas dificuldades, extenuados, estropiados, maltrapilhos e famintos, no dia 4 de novembro (04.11.1907), chegamos ao Rio Saucru-iná [Rio Papagaio]. Afinal, chegamos! Nossos soldados puderam, logo, preparar uma boa fogueira, que permitiu armarmos o acampamento, passando, todavia, a noite, nas mesmas condições da anterior. A regra, em viagem, é de atravessar o Rio, fazendo-se o pouso do outro lado, em face de uma possível chuva, que impedisse a travessia no dia seguinte. Nessa ocasião, foi-nos impossível seguir essa regra, em virtude do adiantado da hora e do estado deplorável do pessoal. Nesse dia, uma dúzia de palmitos, sobra ainda do festim de dias passados, acima descrito, mais algumas frutas, maduras ou não, sãs ou bichadas, foi o jantar. Havia fome e cansaço, mas ninguém disse o que sentia, em respeito ao raro valor do nosso Chefe, o Major Rondon, esse grande condutor de homens.
Felizmente, não havendo chovido, tudo saiu bem, podendo, logo na manhã seguinte (05.11.1907), após ser distribuída a escassa refeição a que estávamos reduzidos, atravessar o Rio, contentes, já esperançosos de dias melhores. Na vinda, havíamos deixado ali uma canoa, desaparecida nessa ocasião, embora a tivéssemos escondido entre a vegetação ribeirinha. Os índios teriam-na descoberto, levando-a dali. Mas, quem pode esconder alguma cousa no mato, que não seja descoberta por esses índios? Para onde levariam os Nambikwara essas e outras canoas não mais encontradas em nossa marcha de volta? Teriam-nas arrastado, escondendo-as no mato, ou teriam-nas solto Rio abaixo? Era preciso passar para a outra margem do Rio. Difícil, mas necessário e não impossível. Meditávamos. Havia, entre nós, meia dúzia de homens ainda suficientemente fortes para essa empresa. No entanto, o Chefe repetiu duas ou três vezes o apelo ao pessoal:
‒ Companheiros, o tempo não espera! Precisamos passar para a outra margem! Mãos à obra! Já passa do meio dia! Vamos adiante!
Nos 3 ou 4 cargueiros que nos restavam, não havíamos deixado perder os couros de bois, que em viagem servem para cobrir a carga, preservando-a das chuvas. Esse couro serve também para fazer o que se chamava de “pelotas” que, numa emergência, substituíam a canoa, para a travessia da bagagem e dos homens que não sabem nadar. A “pelota”, único instrumento de que poderíamos nos valer nessa emergência, em pouco estava construída. O restante de nossas bagagens devia ser atravessada com bastante demora, visto que a “pelota” não comportava senão poucos volumes de cada vez. Também na “pelota” deviam passar os enfermos, que na ocasião pareciam mais depauperados que doentes, os arreamentos, as bruacas, as cangalhas etc. Nossos companheiros, de força e ânimo verdadeiramente esgotados, não se ofereciam ao trabalho. Era necessário o exemplo. O Major (Rondon) entrou na água e, puxando, por uma corda presa aos dentes, a “pelota” carregada, levou-a à outra margem. Enquanto ia e vinha, os homens válidos preparavam a carga para a viagem seguinte, continuando, assim, até se encontrar tudo na outra margem. Eram seis horas da tarde quando, terminada a travessia, pôde o Major descansar, o que ainda não havia feito desde que iniciara a primeira travessia. Não mostrava sinais de maior fadiga. (LEDUC)
Amílcar Botelho de Magalhães (1907)
XI — Sauêruiná ou Papagaio. — Como os anteriores, este Rio nasce em plena linha divisória do chapadão formado pelas cabeceiras Saueruiná-suê e Zolorê-suê. Este nome foi o de um Cacique célebre, e caracteriza o Caxiniti; um índio Paresí – Caxiniti, ao dar o seu nome, acrescenta: “filho de Zolorê”. As coordenadas da origem da cabeceira principal, a Saueruiná-suê, são: Latitude 14°30’S; Longitude (Rio de Janeiro) 15°50’O. É seu contravertente o braço mais oriental e setentrional do Jauru, cujas cabeceiras são a Jauru-suê e a Xiviolonô-suê. (...)
Ao cansaço e enfraquecimento geral do pessoal, veio juntar-se a grande decepção de não encontrarem a canoa com que contavam para a travessia e que ali deixaram amarrada à margem esquerda, na ida: os índios, haviam-na feito desaparecer e provavelmente combinaram alguma ação de guerra baseada nesse ato de hostilidade, cujo efeito moral repercutiu dolorosamente, tornando evidente o extremo desânimo de todos, menos do chefe, cuja energia máscula ia produzir uma das mais belas páginas de sua vida no sertão. Testemunha ocular referiu-me, com cores nítidas, o quadro desalentador que então se apresentou e que lhe parecia o fim trágico de toda a Expedição: os homens, desanimados, rojavam-se (arrastavam-se) ao solo, sem coragem de empreender o mínimo esforço, dominados por invencível torpor e como que resignados a ali se deixarem matar pelos silvícolas que flanqueavam a coluna. Rondon, num seguro relance d’olhos, compreendeu o esgotamento dos seus homens e, pois, a dupla necessidade de atravessar o curso d’água, para acampar na margem oposta, interpondo esse formidável desfiladeiro entre a sua gente e os guerreiros Nambikwara; e, chefe insubstituível em tão difícil emergência, lançou-se ele próprio à corrente, para salvar a Expedição de um fracasso, à custa embora de seu esforço isolado e sobre-humano. Desde as 13h00 até às 18h00 da memorável tarde de novembro, nadou ele ininterruptamente de uma para outra margem, conduzindo a reboque uma pelota de couro cru, dentro da qual efetuou a travessia de todo o pessoal e de toda a carga da Expedição! Para ter mais livres os membros e facilitar, por conseguinte, a natação, servia-se dos dentes para agarrar a ponta do cabo de reboque! Só os seus oficiais [“noblesse oblige!”] (a nobreza obriga) recusaram deixar-se conduzir assim pelo valoroso chefe. O Tenente Lyra, de saudosíssima memória, que era um de seus prestimosos e competentes ajudantes e como tal presenciou o lance heroico, afirmou-me que, para incutir no seu pessoal a convicção de não o fatigar semelhante esforço, Rondon se mantinha dentro d’água, a evoluir contra a correnteza, mesmo durante o tempo em que a pelota era encostada à margem quer para o embarque, quer para o desembarque! Para terminar e para que os leitores tenham uma prova da modéstia desse homem fora do comum, aqui lhes apresento a forma singela com que narrou ele essa emocionante passagem em seu relatório:
“Os índios haviam lançado Rio abaixo a canoa que tinha servido para nos transportar da margem direita para a esquerda, na nossa ida. Mas era preciso avançar, isto é, transpor o pessoal, a tropa e a carga para a outra margem, o que pude executar nadando de uma hora às seis da tarde, consecutivamente.” (MAGALHÃES, 1941)
Aldeia do Buracão à Fazenda São Miguel (09.11.2015)
Partimos às 06h30, o Coronel Angonese tinha acordado, com o Oriovaldo Dal Ponte ‒ Gerente da Fazenda São Miguel, o apoio de uma embarcação para a transposição do Rio Buriti exatamente no mesmo local (13°10’45,6”S / 58°33’43,9”O) em que a Expedição Científica Roosevelt-Rondon de 1914 o fizera. Apenas 08 km nos separavam do local da passagem e o percurso foi vencido com tranquilidade, a trilha ainda era nítida e, como sempre, extremamente retilínea.
Chegamos à margem direita do Rio Buriti antes das 08h30 e aguardamos no local da passagem até as dez horas sem verificar nenhum movimento na margem oposta. Tínhamos feito um embarcadouro a montante do local de desembarque na margem esquerda e um cercado para que os muares não se evadissem da área. No início da tarde, como nem mesmo a viatura Marruá tivesse aparecido, o Coronel Angonese resolveu nadar até a margem oposta e tentar contatar o Oriovaldo. O Angonese ao retornar informou que o Oriovaldo fora até a cidade buscar o motor de popa que se encontrava em manutenção, só nos restava, portanto, continuar aguardando.
Finalmente a viatura Marruá, com nossa equipe de apoio do 2° B Fron, e, quase que imediatamente, uma comitiva chefiada pelo Oriovaldo chegaram dando-se imediatamente início à transposição. A travessia da primeira mula foi complicada, a correnteza forte e uma galhada a jusante do embarcadouro dificultaram a operação. A partir do segundo animal o Oriovaldo conseguiu dominar a contento a pequena embarcação permitindo que o Angonese embarcado na voadeira conduzisse, cada um dos animais, à soga. O processo era simples, o “Boi” trazia os muares e eu e o Sargento Yuri os conduzíamos até a água de onde atirávamos a corda que estava amarrada ao cabresto dos animais para o Angonese. O Dr. Marc, na margem direita e o Soldado Eder, na esquerda filmavam toda a operação.
Percorremos 11 km desde o Rio Buriti até a sede Fazenda São Miguel onde depois de colocarmos a tropa no cercado, sermos confortavelmente alojados e tomarmos um bom banho fomos desfrutar do excelente restaurante da Fazenda São José. A Fazenda São Miguel faz parte do Grupo Scheffer que possui 11 unidades de produção no Sudoeste e meio Norte de Mato Grosso num total de 108 mil ha de terras.
Concluímos a 2ª Parte da 2ª Fase da Expedição Científica R-R cavalgando 395 km em 17 dias (com um de descanso). O ponto alto foi, sem sombra de dúvida, o apoio fantástico do Comando Militar do Oeste (CMO), através do 2° Batalhão de Fronteira de Cáceres, MT. Tanto o Sargento YURI Vicente Cândido (chefe da viatura) como o Soldado Paulo ÉDER Pereira Dias, nosso cozinheiro e condutor da viatura Agrale Marruá foram incansáveis em proporcionar-nos o maior conforto possível em todos os momentos agindo com uma competência e um profissionalismo singulares. Nossa Expedição, até agora, tinha sido muito tranquila, sem grandes transtornos ou desafios, nenhum desgaste físico importante, mas carregada de novas e extremamente gratificantes experiências.
Relatos Pretéritos do Rio Buriti
Edgard Roquette-Pinto (1912)
No passo do Rio Buriti existe um posto, guardado por dois soldados incumbidos da canoa. Havia cerca de dois anos que ali estavam. (ROQUETTE-PINTO)
Cândido Mariano da Silva Rondon (1914)
Fomos, depois acampar à margem do Rio Buriti, que atravessamos em uma balsa, manobrada por dois Paresí, funcionários da Comissão e tão possuídos do espírito de nossa divisa que, certa vez, atacados pelos Nambikwara, se limitaram a disparar as armas para o ar. (VIVEIROS)
Theodore Roosevelt (1914)
Acampamos na margem Ocidental do Rio Buriti, onde há uma balsa movida por dois índios Paresí, funcionários da Comissão sob as ordens do Coronel Rondon. Cada um deles tinha uma casa coberta de palha e duas esposas ‒ todos aqueles índios eram polígamos. As mulheres manobravam a balsa tão bem quanto os homens. Não tinham lavoura e durante semanas inteiras viviam apenas de caça e mel de pau. Com alegria saudaram nossa chegada e o arroz e feijão que o Coronel lhes deixou além de alguma carne. Estiveram em festa quase a noite toda. Tinham nas casas redes, cestas e outros objetos; criavam galinhas. Em uma das casas havia um periquito muito manso, mas pouco amigo de estranhos. Existem nas proximidades Nambikwara bravios que recentemente haviam ameaçado atacar os dois balseiros, chegando mesmo a lançar-lhes algumas flechadas. Os Paresí conseguiram afugentá-los disparando suas carabinas para o ar e receberam do Coronel os esperados aplausos pela sua prudência, pois o Coronel fazia tudo o que podia para persuadir os índios a desistirem de suas lutas sangrentas. As carabinas eram Winchester leves, de cano curto, do tipo comumente usado pelos seringueiros e por outros que se aventuram nos ermos selváticos do Brasil. Existia certo número de seringueiras naquelas redondezas. Deleitamo-nos com um bom banho no Rio Buriti, embora fosse impossível nadar contra a violenta correnteza. Poucos pernilongos mas, por outro lado, piuns de várias espécies eram um tanto excessivos; variavam de tamanho entre o pólvora e a grande mutuca preta. As pequenas abelhas sem ferrão não se amedrontavam e com dificuldade são afastadas quando pousam na mão ou no rosto, mas nunca picam, só fazendo cócegas na pele. Apareciam também abelhas grandes que havendo pousado, não ofendiam se não fossem molestadas; no caso contrário enterravam o ferrão cruel. Os insetos não eram de ordinário inconveniente sério, mas em certas horas se tornavam tão numerosos que eu tinha de escrever de luvas e com a gaze na cabeça. Na noite de nossa chegada ao Buriti choveu copiosamente; no dia seguinte continuou a chover. Pela manhã os muares foram passados na balsa, ao passo que os bois atravessaram o Rio a nado. Meia dúzia de nossos homens, brancos, índios e negros ‒ todos nus e dando gritos extravagantes ‒ tocavam os bois para o Rio, e com braçadas vigorosas nadavam ao lado e atrás deles, cortando obliquamente a correnteza. Era um atraente espetáculo ver os chifrudos e grandes bois espantados nadando valentemente, enquanto os possantes camaradas nus os tocavam para a frente, inteiramente à vontade na violenta correnteza. (ROOSEVELT)
Major Amílcar Botelho de Magalhães (1941)
O Zolaharuiná ou Buriti também nasce na linha divisória, um pouco mais ao Norte das nascentes do Papagaio, na Latitude Sul 14°20’ e Longitude Oeste 16°. Pelas suas cabeceiras, Zolaharuiná-suê e Taloré-sue, contravertem com o braço mais ocidental do Jauru e com o mais oriental do Guaporé. É afluente da margem esquerda do Papagaio. (MAGALHÃES, 1941)
Filmetes da II Parte (Cavalgada)
Expedição Centenária R-R – II Parte ‒ Fase I (Tapirapoã / Kamai)
Expedição Centenária R-R – II Parte ‒ Fase II (Kamai / Utiariti)
Expedição Centenária R-R – II Parte ‒ Fase III (Utiariti / Fz S. Miguel)
Fontes:
LEDUC, Luiz. LuizLeduc e a Saga na Comissão Rondon‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ www.luizleducjr.com.br/1parte-historia4.html, 2008.
MAGALHÃES, Major Amílcar Botelho de. Pelos Sertões do Brasil‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ Editora Brasiliana, 1941.
ROQUETTE-PINTO, Edgard. Rondônia‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ Companhia Editora Nacional, 1938
ROOSEVELT, Theodore. Nas Selvas do Brasil‒ Brasil ‒ São Paulo ‒ Livraria Itatiaia Editora Ltda ‒ Editora da Universidade de São Paulo, 1976.
VIVEIROS, Esther de. Rondon Conta Sua Vida‒ Brasil ‒ Rio de Janeiro ‒ Livraria São José, 1958.
Fonte:
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
Integrante do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM - RS);
Sócio Correspondente da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER)
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail: hiramrsilva@gmail.com;
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