Terça-feira, 19 de maio de 2020 - 09h10
Bagé, 19.05.2020
A Constituição N° 115
Fortaleza, CE – Quinta-feira, 09.06.1870
Exterior – Paraguai
Por decreto de 4 de
maio, o Governo Provisório declarou propriedade da nação os bens que
pertenceram a Solano López, e embargados os de Elisa Lynch até a solução de
quaisquer causas públicas e privadas, civis ou criminais que a respeito deles
se instaurem.
Um artigo dispõe que,
para que não se apaguem os vestígios dos crimes que a consciência pública faz
pesar sobre a mesma Lynch, seja esta quanto antes processada criminosamente e
intimada a comparecer por si ou por procurador bastante. Na previsão de que ela
não acuda à citação, mande-se-lhe nomear um advogado que a defenda “ex officio”. (A CONSTITUIÇÃO° 115)
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Correio da Victória n° 47
Vitória, ES – Quarta-feira, 22.06.1870
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Rio da Prata
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Diário Oficial de 24 de
maio findo noticia o seguinte:
O Governo Provisório do
Paraguai expediu um decreto declarando propriedade da nação os bens do extinto
ditador López, e embargando provisoriamente os bens adjudicados a Sr. Elisa
Lynch. (CORREIO DA VICTÓRIA N° 47)
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A Reforma n° 220
Rio de Janeiro, RJ – Sexta-feira, 30.09.1870
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Variedades
Madame Lynch
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Lynch é irlandesa de
nascimento, e casou muito jovem com um médico francês. Pouco tempo depois de
casada começou a ser infiel a seu marido, e este se separou dela.
Moça, bonita, dotada do
algum talento e de um gênio vivo e empreendedor, não lhe faltaram adoradores
entre o mundo elegante que vive nessa Babilônia moderna chamada Paris, e em
breve Lynch se tornou uma leoa de primeira força.
Foi nestas
circunstâncias que F. S. López, a encontrou entre as deidades que povoam o
mágico “Jardim de Mabille”, quando
seu pai o mandou viajar à Europa.
Lynch, com a fina
penetração que a caracteriza, reconheceu logo que López era o homem que lhe
convinha, e em pouco tempo o jovem paraguaio estava escravizado pelos lânguidos
olhares da astuta inglesa que o dominou completamente até seus últimos
momentos.
Chamado por seu pai ao
solo natal, López não quis separar-se de sua amante, esta mostrou os mesmos desejos,
e ambos partiram para o Paraguai. Ali chegados, López que desde sua infância
tivera costumes dissolutos, quis introduzir sua amásia na sociedade paraguaia,
e ligá-la à sua família.
Como os costumes não
estavam ainda corrompidos, todos lhes deram as costas e fugiram da concubina
inglesa que vinha tentar fortuna em um país da América.
Lynch não pode reagir,
e sujeitou-se a viver obscuramente em companhia do seu amante, mas, mulher de
maus instintos, abrigou em seu coração os desejos de vingança, e aproveitou o
tempo para cada vez mais ir ganhando influência sobre o espírito do homem quem
estava ligada, até o dominar completamente.
Com a morte do velho
López, subiu López filho ao poder. Não havia mais barreira nenhuma para a
realização dos planos de Lynch; o senhor dos destinos do Paraguai, o ditador de
um povo por excelência obediente, era escravo de Lynch!
Esta mulher astuta e
sem o pudor inerente a seu sexo, apresenta-se como quem é, isto é, como a
amante do ditador.
Este quer e ordena que
todos a respeitem e considerem, e assim se faz. Vive em um Palácio perto do
Palácio de Lopez, aparece com este em toda a parte, quer sejam atos públicos
quer particulares o dedo delicado da inglesa divisa-se em todos os negócios da
República. Em pouco tempo Lynch é dona de vastos terrenos, possui casas e
quintas, criados e equipagens, etc., etc.
López, não podendo
casar-se com sua amante por esta ter ainda o marido vivo, faz com que seus
íntimos o imitem, e em poucos amigos se vê que quase todos os mais altos funcionários
públicos vivem amancebados com moças das primeiras famílias que aceitavam essa
degradante posição com toda a resignação desde que “El Supremo” assim o queria o assim o praticava.
Lynch relacionou-se com
todas as boas famílias paraguaias, e já ninguém lhe fechava as portas. Começava
a exercer sua vingança. O Bispo atraiu o ódio de Lynch, por que foi o único,
creio, que desaprovou o modo de viver de López e quis opor-se à torrente
desmoralizadora que ia invadindo seu País.
Teve, porém, de recuar,
reconhecendo que desgostava a López e havia caído no desagrado da valida ([1]).
Lynch é ambiciosa, o
pequeno teatro do Paraguai não lhe bastava, concebeu a ideia de formar uma
grande monarquia no Rio da Prata, que contrabalançasse o poder brasileiro e a incutiu
no ânimo de López. Lynch bem sabia que não podia ser rainha de direito, mas o
seria de fato, além disso tinha filhos e toda a sua ambição era que seu filho
fosse rei. A República Oriental do Uruguai e a nossa Província de Mato Grosso
unidas ao Paraguai, formariam o território do novo reino!
López começou pois a
preparar-se para levar a efeito seu plano; militarizou o Paraguai, formou
grandes depósitos, comprou numerosa artilharia e começou mesmo a dar-se ares de
soberano coroado nas cerimônias oficiais e na sua vida doméstica.
Lynch era demasiado
inteligente para deixar que López se atirasse às tontas a uma guerra de
conquista; era mister um pretexto para encetar a guerra, e esperavam por ele. A
nossa questão com a República ao Paraguai e o bombardeamento e tomada de
Paysandú lhe sugeriam e López o aproveitou.
Começada a guerra, não
tardou muito que Lynch reconhecesse que não podia realizar seu sonho dourado, e
que o sonhado reino se evaporava. Concebeu então um novo plano, passar para a
Europa uma fortuna que lhe garantisse seu futuro e o de seus filhos, e
perseguir até o extermínio todos aqueles que tinham desairado ou haviam
recusado admiti-la em sua chegada ao Paraguai.
Abusando da
preponderância que tinha, sobre o tirano e dotada do instintos mais ferozes do
que ele, denunciando uns, intrigando outros, fez que todos os seus inimigos ou
desafetos, fossem fuzilados ou terminassem nas pontas das lanças dos verdugos
de López, muitos depois de terem sofrido horríveis tormentos! A vingança dessa
pantera de saia e lindos olhos azuis, foi até à própria família de seu amante!
Depois de haver feito
fuzilar o Bispo, tendo-o denunciado como conspirador contra a vida de López,
trama terrível em que também foram vítimas os próprios irmãos do tirano, ainda
essa mulher não se achou satisfeita. Não achando mais homens em quem se vingar,
começou sua vingança pelas mulheres.
As filhas ou esposas
dos supliciados eram mandadas chamar à sua presença e obrigadas a servi-la como
criadas e costureiras. Em poucos dias, essas desgraçadas caiam no desagrado da
favorita que mandava açoitar a umas e lancear a outras, sempre sob o pretexto
de traição!
Novas vítimas eram
chamadas, para em pouco terem igual fim. Com todo esse quadro de horrores, com
tanto sangue derramado, ainda Lynch não estava satisfeita em sua sede de
vingança. A velha mãe do tirano suas duas filhas ainda estavam vivas, ainda
choravam a morte de seus filhos e maridos fuzilados para satisfazer os
caprichos da favorita.
Lynch não desanimou, já
tinha feito de seu amante um fratricida, era mister torná-lo também matricida!
A respeitável matrona e suas duas filhas foram acusadas por Lynch de haverem
envenenado um mingau que ela e Lopez deviam comer...
Repugna escrever fatos
desta ordem, que creio não tem exemplo na história! Todos sabem, é notório
porque todos os correspondentes o escreveram, que a mãe do ditador devia ser
fuzilada no mesmo dia em que ele caiu morto aos golpes dos nossos soldados;
ninguém ignora, porque todos os que caíram prisioneiros nesse dia são concordes
em o afirmar, que a mãe e irmãs de López eram açoitadas logo que ficavam
melhores das feridas resultantes dos açoites anteriores!
Depois que Lynch caiu
em nosso poder, estudou um meio de viver bem com seus aprisionadores,
conseguindo sempre dominar os que se lhe aproximassem. Dócil, amável,
conversação variada e interessante, patenteando espírito e instrução, mas
sempre altiva e incisiva. A bordo do vapor “Princesa”,
onde se demorou bastante tempo, foi à princípio completamente desprezada pelos
oficiais, que nem a ela se chegavam, afinal tinha ela conseguido com suas
delicadas e elegantes maneiras desvanecer esse ódio que a princípio inspirara,
porque os nossos jovens oficiais se acostumaram a ver nela só uma mulher e uma
mãe rodeada de filhos órfãos.
O Sr. Conselheiro
Paranhos, nas frequentes visitas que fazia a bordo a fim de conferenciar ou
conversar com ela sobre muita coisa que ela podia esclarecer como íntima do
tirano, dava-lhe a honra de a conduzir pelo braço para cima da tolda, e aí
passavam juntos por muito tempo. A amabilidade dos oficiais, e a consideração
que lhe despendia o nosso Ministro, tornaram essa mulher atrevida e insolente,
de um modo quase insuportável. Em um dos últimos dias que passou a bordo,
conversando com alguns oficiais sobre vários fatos da guerra, disse de repente:
‒ S. Exª o Sr. presidente [como sempre chama a
López] se tivesse tomado o meu conselho teria mudado a face da Guerra por
ocasião da passagem de Humaitá, era isso questão de mais quinhentas ou seiscentas
onças de ouro.
‒ Como?
Perguntou-lhe um dos
oficiais.
‒ Comprando o Delfim ([2]).
Respondeu ela.
‒ Com o que teria S. Exª encouraçados para
destruir o resto da esquadra brasileira.
O Sr. Capitão-tenente
Eduardo Wandenkolk, indignado com tal insulto atirado à nossa Marinha de Guerra
por uma mulher que só tinha recebido favores dos mesmos, a quem tão
grosseiramente insultava, achando-se, de mais a mais, sob a proteção da nossa
bandeira, rompeu com ela e disse-lhe verdades amargas que a fizeram empalidecer.
Todos a abandonaram, e
ela se viu na necessidade de acelerar sua viagem. Chegada a Humaitá, ainda aí
encontrou um brasileiro tão benévolo que a foi buscar a bordo em um escaler, e
a conduziu pelo braço para a sua casa, onde; ficou hospedada o tempo que ali se
demorou; refiro-me ao Brigadeiro Salustiano, comandante militar daquele ponto.
No Rosário, Lynch foi
recebida pelo governador com todas as distinções, pelo que foi fustigado por
toda a imprensa argentina.
Em Buenos Aires ninguém
fez caso de Lynch, e isso a picou ([3]).
Mulher que se não deixa vencer por qualquer coisa, imaginou logo um meio de
fazer com que essa grande capital se ocupasse com seu nome por alguns dias.
Sabedora de que o Dr.
Varella ([4])
havia sido encarregado por um editor de Buenos Aires, de escrever um livro
intitulado “Biographia de Eliza Lynch”
dirigiu-se à casa desse senhor e pediu uma conferência. Nessa entrevista Lynch
mostrou-se extraordinariamente amável e delicada, não pronunciando a mais
insignificante palavra ou alusão que de leve ofendesse aos aliados.
No correr da
conversação ela contou como tinha sido aprisionada e que havia sido muito bem
tratada pelo General Câmara e que só lamentava a perda de dois objetos a que
ligava grande interesse, um álbum e uma joia de uso pessoal.
‒ Talvez lhos roubaram
Disse Varella, ao que
ela respondeu logo:
‒ Não, senhor, não acuso ninguém, extraviaram-se.
Lynch enquanto esteve
em Buenos Aires, fez todo o possível para ver se podia tomar conta em nome de
seus filhos de todos os bens que López possuiu naquela cidade. Muitas vezes foi
vista passeando em carruagem, sempre rodeada de seus filhos. Estes apareceram
duas vezes no Teatro Lírico ocupando um camarote de segunda categoria. Trajavam
todos uniformes militares, isto é, calças e blusas escarlates e fumo ([5])
no braço e eram acompanhados por uma criada e um criado.
Na véspera de sua
partida, teve uma nova entrevista com Varella, durando desde as 21:00 até a
01:00 hora da noite! Ao despedir-se, disse a Varella:
‒ Não creio, Sr. Varella, que o seu livro tenha
grande popularidade se me não insultar bastante, hoje todos me atribuem todo o
mal, sem se recordarem do bem que fiz.
A imprensa periódica
referiu todos estes atos, e por conseguinte obteve o que desejava ‒ não passar
desapercebida em Buenos Aires.
Segundo os documentos e
mais papeis que lhe foram encontrados e suas próprias declarações, tem essa
mulher hoje na Europa uma fortuna maior de 500 contos passada toda por
intermédio dos cônsules italiano e francês em Assunção, pelo célebre Ministro
Mac-Mahon ([6]).
Diz que vai educar seus
filhos e pô-los em estado de um dia poderem vingar seu pai.
Se o Governo Provisório
não tivesse tido cuidado de sequestrar todos os bens dessa mulher, ela poderia chamar-se
hoje dona de meio Paraguai. Há quem diga que ela vai tentar fazer com que o
governo inglês entabule reclamações diplomáticas a esse respeito e que talvez
consiga alguma coisa. [Extraído] (A REFORMA N° 220)
Bibliografia:
A CONSTITUIÇÃO
N° 115. Exterior – Paraguai – Brasil
– Fortaleza, CE – A Constituição n° 115, 09.06.1870.
A
REFORMA N° 220. Variedades – Madame
Lynch – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – A Reforma n° 220, 30.09.1870.
CORREIO
DA VICTÓRIA N° 47. Rio da Prata –
Brasil – Vitória, ES – Correio da Victória n° 4, 22.06.1870
Solicito
Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de
Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor
e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Valida: favorita, protegida.
[2] Delfim Carlos de Carvalho foi comandante da 3ª Divisão Naval na
Guerra do Paraguai onde recebeu o título de “Barão de Passagem” pelo memorável feito de transpor Humaitá.
[3] Picou: angustiou.
[4] Varella: refere-se ao escritor uruguaio Héctor Florencio Varella,
de pseudônimo Orion, que escreveu o livro “Eliza
Lynch” publicado pela “Imprenta de La
Tribuna”, em 1870.
[5] Fumo: faixa de tecido preto indicativo de luto.
[6] Martin Thomas McMahon: General norte-americano Ministro Residente
no Paraguai durante a Guerra, não só apoiou as ações bélicas contra a Tríplice
Aliança, como também acompanhou López em sua fuga pelo interior do Paraguai.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H