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Leo Ladeia

A FLORESTA ERA EMPECILHO


 
Existem duas formas de se conhecer a história, uma é estudando no livro, a outra é conversando com quem fez a história. Joel Magalhães, engenheiro florestal, chegou aqui na Amazônia em 1972 e em Rondônia em 1975, é ator do processo de colonização daqui do estado de Rondônia, é do INCRA e sabe contar muito bem essa história.  Acompanhe trechos da entrevista concedida ao jornalista Léo Ladeia no programa Sala Vip, apresentado todos os dias ao meio-dia na rádio Parecis FM (98.1):

LÉO LADEIA: Num determinado momento os militares olharam para a Amazônia e disseram, só tem floresta e aquilo precisa de gente, depois começou chegar toda a população que hoje vive em Rondônia e que faz essa história nova a partir de 1970, com a Br-364 (Juscelino Kubschekt), assentamentos do INCRA, necessidade de desflorestar e uma tomada de decisão que levou Rondônia para transformação em estado com vocação para a agropecuária e o agronegócio, diferente daquilo que apontava, já que devidos as riquezas minerais, a tendência era o estado ser um estado industrial.
JOEL MAGALHÃES – Bem eu estudei com bolsa da SUDAM, e o compromisso era de vir trabalhar dois anos na Amazônia. Naquela época João Valter de Andrade era superintendente da SUDAM, os governos eram indicados e logo em janeiro de 1973 ele foi nomeado governador do estado do Amazonas, me trouxe para trabalhar com extensão. Comecei a trabalhar na ANCAR AMAZONAS, lá surgiu um programa de borracha, o PROBOR, eu como especialista em borracha desenvolvi um programa de plantio e recuperação de seringal nativo, vim para Rondônia em 1975 para aplicar um curso e aqui fiquei. 

LÉO LADEIA – Você conheceu lá no Amazonas o famoso projeto Jari?
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"Não precisa parar de criar boi, nem parar de plantar mandioca, milho, arroz, feijão batatinha etc, no início do reflorestamento pode-se fazer o sistema agro-florestal, plantar o consórcio de lavouras brancas, de produtos alimentícios no meio da floresta"
JOEL MAGALHÃES – Sim, era plantio de reflorestamento, colegas formados junto comigo foram trabalhar lá. 
LÉO LADEIA – Um dia você vem aqui falar desse projeto.
JOEL MAGALHÃES – Venho com muito maior prazer. Bem, chegando aqui para aplicar o curso na antiga ANCAR que virou EMATER, que era financiado pelo INCRA, que também gostou do meu desempenho profissional e me convidou para trabalhar no INCRA com um ótimo salário. Então fui trabalhar no Ouro Preto, o maior projeto de colonização do Brasil, com 560 mil hectares, o segundo está na Bahia. Então ali nós começamos a fazer um plantio de seringueira, e naquele tempo com toda falta de tecnologia, o INCRA fazia título definitivo na máquina de escrever manual Olivetti, dava o título para o colono e dizia, para você ter o título você tem que mostrar serviço, e a melhor maneira de demonstrar, na época, era desmatar, e eu tinha o compromisso de dizer, como engenheiro florestal, que já existia desde 1965 o código florestal, que permitia na Amazônia desmatar 50%, aí o INCRA entendeu que, se era até 50%, esse era o limite, se não tivesse o cinqüenta por cento não recebia o título.  Assim, com toda dificuldade, os títulos eram entregues e os colonos eram financiados com juros de 7% ao ano para plantar borracha associado com café, ou seja, seringa com café, isso eu fiz por muitos anos. Interessante que, na medida em que o colono foi fazendo isso, mostrou-se também outra necessidade, de que o grande produtor rural teria de dar também a sua parcela de contribuição. A história do integrar para não entregar, o INCRA trouxe na década de 70 um monte de gente de fora fazendo concessão de terras públicas, vendendo em leilão/licitação. Por exemplo, o Cone Sul, que pega Pimenta Bueno, Chumpinguaia, Vilhena, Cerejeiras, pedaço de Espigão do Oeste, um pedacinho simplesmente de três milhões de hectares, chamado Gleba Corumbiara, foi tudo vendido em lotes de dois e três mil hectares para pecuária, o colono tinha que apresentar um projeto com desmatamento de até 50%, tirando a floresta, plantando capim e botando gado, essa era a política, tá certo que de lá pra cá a coisa mudou, mas também ninguém ensinou o colono e o agricultor, que essa evolução teria que ser controlada, não deram as condições para que isso acompanhasse o desenvolvimento do hoje estado de Rondônia, então veio a penalização com a operação arco de fogo, se desmatar vai pra cadeia.

" A floresta era em princípio considerado um empecilho, tinha que tirar a floresta para poder produzir "



LÉO LADEIA – Há dois anos conversei com Hamilton Casara sobre introgenia e falamos pela primeira vez a palavra “DEFLORESTAR”, é uma palavra que eu não conhecia e que aparece agora como o verbo que precisamos conjugar, é possível fazer o desmatamento zero e refazer alguma coisa da cobertura vegetal que já foi retirada?
JOEL MAGALHÃES – Claro, sem dúvida nenhuma. Mas antes eu quero que você me permita falar um fenômeno da ocupação. É paralelo ao procedimento da ocupação, que é o seguinte, o INCRA pega uma gleba grande de terra desocupada e dar a ela a estrutura necessária, estrada, escola, luz, água e dar assistência técnica etc, este é um procedimento de destinação de terra, o outro procedimento chama-se regularização fundiária, é quando as pessoas que querem trabalhar e não estão tendo apóio através do sistema de inclusão social pelo assentamento, eles saem na frente do INCRA e ocupam uma gleba de terra pública. Com o tempo eles vão ao INCRA e pedem a regularização.
LÉO LADEIA – É o caso de União Bandeirante?
JOEL MAGALHÃES – Sim, aliás, a maioria das regiões do estado de Rondônia que não foi objeto de projeto de assentamento ela foi ocupação espontânea, e para se reconhecer essa ocupação espontânea, desde a década de 70 o INCRA também exigia, a chamada função social da terra, que era desmatar e jogar capim ou dar outra destinação de produção, então a floresta era em princípio considerado um empecilho, tinha que tirar a floresta para poder produzir, coisa que nós como engenheiro florestal não podemos admitir.
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"A floresta é um ativo econômico, ela da muito mais retorno que a própria pecuária"
LÉO LADEIA – Joel a virtude de ontem é o pecado de hoje?
JOEL MAGALHÃES – Exato. Então esse processo continuou, chegou um dado momento que com o fenômeno do POLONOROESTE, houve um boom de desmatamento, Rondônia ficou no olho do furacão da mídia etc, e veio então o chamado PLANAFLORO, como contraponto ao POLONOROESTE. Diziam na época, Rondônia desmatou muito, então vamos criar um processo de proteção ambiental, veio então o PLANAFLORO que trouxe para Rondônia 56 unidades de conservação e dinheiro para protegê-las, foi muita grana que foi investida aqui no estado. Infelizmente os órgãos públicos que tinham essa responsabilidade não tiveram a habilidade e a capacidade de controlar todas as reservas, tipo “BOM FUTURO” hoje, mais de 50% dela está ocupada. Também na época áurea do então IBDF, que é o precursor do IBAMA de hoje, existia uma coisa que o governo federal tinha de bom, que era a lei 5076, que era desconto do seu imposto de renda, ou seja, o dinheiro que você ia recolher para o Leão, você pagava para alguém reflorestar, que é o que nós de toda categoria defendemos. Pois se a floreta traz um bem, ou seja, ela vai seqüestrar carbono que é ruim e ao mesmo tempo, simultaneamente, liberar oxigênio que é ótimo, vai criar condições de melhoria do solo, ela é um regulador térmico (regula a temperatura), regulador hidro, pois permite a regulação das chuvas, a intensidade pluviométrica, ou seja, só faz o bem, tem uma série de benefícios sociais. Infelizmente hoje não há uma política florestal nacional, muito menos aqui em Rondônia, que tenha o reflorestamento como foco, como uma ação de ativo econômico, e a floresta é um ativo econômico, ela da muito mais retorno que a própria pecuária. Se você for analisar o quanto se gastar para ter um boi (vacina, ração, remédio, o pasto tem que recuperar e cuidar da cigarrinha, recuperar a cerca). Então, o gasto para produzir a carne é muito maior do que para produzir a madeira. 
LÉO LADEIA – E nós não colocamos nem a água neste cálculo?
JOEL MAGALHÃES – Pois então, e a água é um dos fatores que tem a sua proteção na floresta. Veja que teve uma inversão de valores, que agora, graça a Deus, tem alguém para defender, e o fenômeno do desmatamento zero passa por aí.   Na medida em que nós valorizamos a floresta em pé, que tem um determinado valor, aí sim, nós vamos poder cuidar melhor dela, dando uma destinação mais econômica, mas racional para as terras que já estão abertas, entre outras, o reflorestamento, e tem mais, não precisa parar de criar boi, nem parar de plantar mandioca, milho, arroz, feijão batatinha etc, no início do reflorestamento pode-se fazer o sistema agro-florestal, plantar o consórcio de lavouras brancas, de produtos alimentícios no meio da floresta, etc. 
LÉO LADEIA – Bem Joel o que a sociedade de Rondônia pode esperar de vocês, da associação, em que vocês podem ajudar e o que a sociedade pode ajudar nesta questão do desmatamento, que precisa ser contido?
JOEL MAGALHÃES – Pois não. É uma oportunidade impar da associação rondoniense dos engenheiros florestais – AREF, se colocar publicamente a disposição dos governos municipais, estadual e federal para contribuir com os nossos conhecimentos técnicos científicos, para o bom manejo da floresta nativa, a fim de mantê-la em pé, mas produzindo receitas econômicas, ela é um ativo econômico, e para contribuir para o reflorestamento do estado de Rondônia, aliás, ela é uma necessidade, porque no futuro nos estoques poderão estar comprometidos, então é necessário termos a floresta plantada para manter o nosso parque fabril gerando receita e empregos para o bom desenvolvimento, ecológico, sustentável do estado. Nós da AREF estamos a disposição e todos a sociedade podem contribuir, fazendo com que os nossos recursos de impostos sejam voltados hoje para o reflorestamento, assim como já houve incentivo fiscal nessa linha nos governos anteriores.
Léo Ladeia - Obrigado Joel !!
FONTE: Gentedeopinião com informações do programa Sala Vip, apresentado pelo jornalista Léo Ladeia  -  FOTO: Daniel/Beltra/Greenpeace
 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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