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Liliane Melo

Autismo: Da desconfiança à negação... será?


 

Uma das primeiras reações familiares mais frequentes em relação a suspeita da criança ser autista pode ser a negação. Trata-se de uma atitude comum que pode vir por parte do pai, mãe, avós, tios e assim por diante. A disfunção geralmente se apresenta de forma mais evidente aos três anos de idade principalmente, pelo atraso na linguagem. Como existem vários graus e tipos de autismo, os portadores podem ser bem diferentes entre si, tanto em gravidade, como no perfil dos sintomas apresentados.

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Meu filho Matheus, aos três anos,
só brincava de enfileirar os carrinhos.

 

Aqui vou apresentar minha experiência pessoal de como foi essa descoberta em relação ao meu filho, ou seja, sobre o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Inicialmente comecei a fazer comparações já que ele tem um primo da mesma idade e via as diferenças perceptivelmente. Mas também ouvia observações como: bobagem, cada criança tem seu tempo de desenvolvimento; ele só é preguiçoso, para de dar o que ele pede que logo ele vai falar; não se esqueça que você teve um primo que falou com cinco anos de idade; dentre outras coisas.

Para falar a verdade, confesso: me agarrei com todas as forças a esses achismos. Nessa altura meu filho já tinha quase três anos. Mas minha suspeita começou bem antes - até porque não era meu primeiro filho, e notei algumas diferenças gritantes entre ele e minha filha mais velha.

Quando ele tinha dois anos, a ONG “MUPA – Mãos Unidas pelo Autismo” de Manaus (AM) realizou um workshop sobre o TEA (para mim um tema completamente desconhecido na época) em Porto Velho. Um dos tópicos do workshop “Atraso na Linguagem” chamou minha atenção e me inscrevi. Tinha em mente o seguinte: vou como jornalista! Porém, quando a mestre em educação e psicopedagoga Maria do Socorro Santos começou a fazer sua explanação, enxerguei perfeitamente meu filho em suas colocações e exemplos.

Lembro como se fosse hoje! Quando a palestra encerrou, questionei sobre alguns comportamentos do meu filho, ao que ela me respondeu: tem grandes possibilidades de seu filho ser autista! Saí de lá em desespero. Fui direto para a casa da minha mãe porque na época não queria que o pai do Matheus percebesse minha desconfiança. Chorei muito nesse dia e passei a estudar sobre o assunto para procurar entender o que era o autismo, achando que era algo específico e não o quebra-cabeças com diversas peças diferentes como vejo hoje.

Quando li que o autista não tinha contato visual e não gostava de toque me agarrei firmemente a essas duas características descartando a possibilidade já que meu filho não era assim... além disso, tinha as outras observações das pessoas mais próximas como citei no início deste artigo. Lá adentrei firmemente na fase da negação que durou alguns meses...

Certa feita o Matheus precisou ir a uma consulta com seu pediatra. Quero fazer um parêntese aqui e destacar que o médico ao qual me refiro foi o pediatra da minha primeira filha desde seu nascimento, o qual tinha minha total confiança. Como não pude ir, minha mãe o levou.  O médico examinou meu filho, olhou firmemente para minha mãe e disse: “Até quando a Liliane vai se enganar e passar a enxergar que o filho dela é autista?” (desde já meus agradecimentos aqui ao Dr. Alberto Castroviejo por isso, pois me fez despertar).

Quando cheguei do trabalho, perguntei à minha mãe como havia sido a consulta. Ela me relatou exatamente o que ele disse. Naquele momento, literalmente desabei. Quem não sonha com um filho “dito” normal. Na época ainda estava casada, meu marido me viu chorando e quis saber o que havia acontecido. Contei e ele também desabou ao saber sobre a suspeita do médico em relação ao filho. Foi um baque para os dois - mais para ele, que até então não partilhava da mesma desconfiança que eu. Enfim, acho que mãe de uma criança com autismo dorme uma gatinha e acorda uma leoa!

Aqui vai um alerta: não se atente especificamente às características dos sintomas do autismo – seu (a) filho (a) pode ter algumas e não ter outras. Na verdade, sempre achei alguns comportamentos do meu filho estranhos! Quando tinha entre um e dois anos encostava seu rosto no meu e aparentemente, para quem olhava parecia que estava me fazendo um carinho, mas ele empurrava seu rosto junto ao meu com toda força como se quisesse me machucar; entre os dois e três anos eu pedia um beijo e ele só encostava os lábios no meu rosto sem estalar – o “tchau” dele, tão comum nas outras crianças, era feito com a palma da mão voltada para ele; o sinal de “OK” que as pessoas fazem com o polegar, no caso dele, era com o dedo indicador; enfileirava brinquedos e tinha fascinação por pregadores de roupas.

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Hábito de enfileirar briquedos e outros objetos em local inadequado e ficar irritado se alguém mexer.
 

A criança com autismo na maioria das vezes não apresenta alterações visíveis no rosto ou no corpo, diferente de outras síndromes como a de Down, aonde existem características suspeitas na fisionomia. Segundo o neurologista Leandro Teles, formado e especializado pela USP e Membro Efetivo da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), o autista quando bebê, geralmente alimenta-se bem, ganha peso e é ativo, mas com o tempo, no entanto, seu desenvolvimento assume aspectos peculiares e ocorrem distorções no amadurecimento da linguagem, no contato interpessoal e no comportamento.

Com meu filho foi exatamente assim! Sem contar que passou a ser extremamente seletivo com a alimentação (coisa que até hoje tenho problemas, mas essa é uma outra história – em outro artigo falarei exclusivamente sobre esse assunto) e aparentemente não demonstrava dor quando se machucava.

Leandro Teles esclarece que o autismo não aparece em exames de rotina, não é apontado no teste do pezinho, nem mesmo em ressonâncias ou tomografias. O diagnóstico é baseado em queixas familiares e escolares aliados à avaliação médica estruturada e à impressão do especialista.

Indicativos

Mas existem alguns indicativos que servem para levantar uma suspeita sobre o autismo e conduzir a criança a uma avaliação personalizada e especializada, como a dificuldade em olhar nos olhos; não mudar o comportamento na presença de outra pessoa; dificuldade em imitar caretas e expressões faciais; parecer “surda” reagindo pouco ou nada mesmo ao ser chamada pelo nome; mostrar-se incomodada quando fora da sua rotina ou em ambientes com muitos estímulos; não se sentir à vontade com abraços, beijos e toques; apresentar atraso no desenvolvimento da comunicação interpessoal (verbal ou não-verbal); dificuldade em compreender metáforas e ironias; dificuldade em iniciar ou sustentar um diálogo; brincar de forma diferente, com objetos concretos e previsíveis (hélice de ventilador, rodando um prato, empilhando brinquedos, alinhando carrinhos, etc); não brincar muito de forma lúdica e imaginativa, tipo “faz de conta”; apresentar olhar vago e por vezes parecer distante; presença de estereotipias motoras (balançar o tronco, a cabeça ou outras partes do corpo, aparentemente sem uma intenção clara - apesar desta característica ser muito famosa, não é presente em todos os casos, ou é por vezes sutil); ataques repentinos e aparentemente motivados de fúria (intolerância ambiental); e, parecer ser resistente à dor.

Os sintomas giram em torno da alteração de linguagem e comunicação, comportamento peculiar e redução evidente da interação social. O autismo é uma disfunção crônica que exige medidas variadas e individualizadas, com equipe multidisciplinar envolvendo neurologia, psicologia, fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional e pedagogia, com o objetivo de inibir comportamentos disfuncionais e desenvolver suas habilidades. Portanto, quando tiver suspeitas não se apoie em achismos dos outros e procure um especialista! Vá a luta! Quanto mais cedo acontecer a intervenção, melhor será o resultado! Meu filho é prova viva disso!!!

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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