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Liliane Melo

Como um cônjuge neurotípico pode lidar com o autismo? Por Liliane Melo



Por Liliane Melo

Estive nesses dias pensando sobre este assunto já que um dia nossas crianças irão crescer e formar suas famílias. Pelo menos isso é o que a maioria de nós deseja: que os filhos cresçam, tornem-se independentes e formem suas próprias famílias... Como no autismo existem diversos graus, uns terão mais facilidade e outros não, porém não cabe a nós fazer tais suposições sobre o futuro.

As terapias estão aí para melhorar a comunicação, interação social e garantir maior autonomia. Estudos sobre medicamentos milagrosos estão sendo realizados, mas até então autismo não tem cura. Como um dos maiores problemas no autismo é a comunicação (e vamos combinar que num relacionamento bem sucedido isso é primordial) e o relacionamento interpessoal, fiquei pensando na vida adulta das pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Claro que resolvi correr atrás de informações sobre o assunto, sendo que como mãe, sonho em poder ver meu filho um dia casado. O casamento de uma pessoa com TEA com uma pessoa neurotípica vai envolver com certeza muita paciência e muitas concessões.

Aspenger Partner afirma que danos para a saúde, semelhantes aos observados em estresse pós-traumático, são comuns no parceiro neurotípico (NT). Encontrei 15 dicas escritas por ele em 2013 e decidi compartilhá-las com meus leitores:

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1 – Responsabilidade:

A maioria das pessoas neurotípicas casadas com um adulto com TEA sente grande responsabilidade pelo seu parceiro. É importante que fique claro que você tem uma escolha. Ninguém o (a) obriga a assumir a responsabilidade pelo comportamento social do seu parceiro, como birras ou falta de controle. O transtorno do desenvolvimento do seu cônjuge não é culpa sua. Você não é responsável pelas atitudes de seu parceiro. Você, no entanto, é responsável por si mesmo e seus filhos. No entanto, se você assumir uma responsabilidade diante do seu parceiro, você deve tomar uma decisão cuidadosa sobre o quê, quanto e quando. É você, que deve definir as fronteiras distintas. Nunca espere que seu parceiro com TEA vá fazê-lo. A relação entre um cônjuge NT e um parceiro com TEA terá sempre a essência de uma relação ADULTO-CRIANÇA.

2 – Cuide de si mesmo:

Cônjuges de pessoas com TEA, ou seja esposas/esposos NT, costumam usar tanto tempo cuidando dos outros, que suas próprias necessidades são ignoradas - tanto por si quanto pelos outros. Decida o que precisa para você e como pode alcançar. Por exemplo: Onde você pode encontrar suporte, validação e compreensão? Com quem você pode falar? Diga às pessoas próximas a você sobre o transtorno do autismo de seu cônjuge. É fundamental dizer a verdade, e é de interesse de todas as partes, incluindo o próprio. Você não diria a verdade, se o seu parceiro fosse cego, em vez de ter o TEA?

3 – Seja claro em suas declarações:

Não deixe nenhuma ambiguidade em suas declarações para o seu parceiro com TEA. Não espere que os seus desejos, sentimentos e argumentos sejam compreendidos, levados a sério ou lembrados no dia seguinte. Largue qualquer esperança de chegar a um entendimento comum de conversa e discussão. Entendimento comum exige que ambas as partes possam ouvir interpretativamente e se colocar no lugar do outro. Esta capacidade é limitada quando se trata de pessoas com TEA.

4 – Aceite

Certos tipos de comportamento podem ser modificados de modo que a convivência seja menos estressante para ambos. Por exemplo, anotar direitos e deveres acordados podem funcionar. Quando você reconhecer que o autismo não tem cura, você pode experimentar uma grande tristeza e desespero além de decepção, raiva e perda. Pode ser útil conversar com um terapeuta qualificado que você confie e ajude a compreender seus sentimentos e escolhas. Mas tenha cuidado com a escolha do terapeuta. Se o terapeuta não é um especialista em relacionamentos entre neurotípicos e TEAs, o processo poderá ser mais traumático e o terapeuta pode piorar as coisas. Vários cônjuges neurotípicos contam com tristeza que seu terapeuta aconselhou-os a assumir ainda mais responsabilidade para o comportamento e compreensão do (a) parceiro (a) com TEA. Esse conselho leva com certeza a danos ainda maiores de saúde para o cônjuge neurotípico.


5 – Você não está sozinho (a)

Você não está sozinho (a), mesmo que se sinta assim. Há uma série de outros cônjuges neurotípicos casados com pessoas com TEA na mesma situação que você. Abrace todo o apoio que você pode obter a partir de grupos de apoio e outros na mesma situação. Informe o seu médico, advogado, sacerdote e outras pessoas relevantes sobre o transtorno de desenvolvimento do seu (a) esposo (a).


6 – E sobre terapia para casais?

Esqueça tudo sobre terapia para casais, se o seu (a) cônjuge tem TEA. Terapia de casais não funciona quando um dos cônjuges tem a síndrome. Terapia normal de casal é inútil quando um dos cônjuges tem a síndrome. O cônjuge com TEA pode imediatamente pensar que a terapia conjugal seja uma boa ideia. Em seguida, ele /ela pode demonstrar "boa vontade" e em seguida vai deixar você sozinho (a)! Mas você vai ficar com desespero e frustração ainda maior, quando as belas palavras que foram ditas e prometidas ao psicólogo, se forem com o vento no dia seguinte: e pior, junto com o dinheiro para o aconselhamento. Se você precisar de terapia, encontre o seu próprio terapeuta. Se o seu (a) parceiro (a) com TEA é capaz de reconhecer o seu/a sua deficiência, ele/ela pode consultar um especialista no assunto e experiência com o TEA. Mas deve ser outro profissional que não seja o seu próprio terapeuta. O cônjuge que tem TEA pode, na melhor das hipóteses aprender algumas maneiras práticas para lidar com situações sociais. Mas não espere que o seu cônjuge vá iniciar uma consulta. Você vai ter que insistir neste ponto. Caso contrário, nada acontece.

7 – Anote

A pessoa com TEA tem dificuldade em captar e entender a sua necessidade de resposta emocional e comunicação mútua. Ele/ela pode apresentar irritação e acessos de raiva quando você mostrar as emoções, incluindo raiva, não importa quão justificada seja. Em vez disso, você pode se beneficiar de comunicar as suas necessidades por escrito. Você não pode esperar que seu marido/sua esposa com TEA mantenha uma promessa ou acordo, se seu impulso no dia seguinte estará indo em uma direção diferente. Acordos entre vocês serão úteis se forem tudo por escrito.

8 – Tenha sua própria economia

Os adultos com TEA podem agir de forma irresponsável em matéria de dinheiro, em detrimento de toda a família. Algumas pessoas com TEA podem gastar todas as finanças domésticas em seus interesses particulares e obsessivos. Alguns podem ser tratados durante o vício do jogo (ludomania). Ela está ligada à diminuição da capacidade da pessoa com TEA de controlar seus impulsos, extrema preocupação com as suas próprias necessidades, a supervisão limitada e função executiva fraca. Tenha certeza de ter suas próprias finanças. Certifique-se de que o seu cônjuge com TEA é obrigado a contribuir financeiramente para as despesas comuns da família. Diga a verdade para o banco. Alguns cônjuges neurotípicos relatam que eles têm que ter um sistema de segurança na casa para impedir o cônjuge com TEA de consumir recursos que deveriam ir para os filhos, renda, saúde, alimentação e outras despesas fundamentais.


9 – Evite discussões

Cônjuges neurotípicos em todo o mundo relatam que estão sendo frustrados em tentativas de conversa com seu cônjuge com TEA. Uma pessoa com autismo pode ser uma enciclopédia quando perguntas factuais de "quem" ou "o quê". Entretanto, discussões mútuas de resolução de problemas incluem a palavra analítica "por que" ou "como". Aqui, a pessoa com TEA não pode interpretar o ponto. Portanto, a conversa não frutifica e não leva a nada, não importa quão cuidadosamente você explique. Uma pessoa com autismo é limitada na capacidade de compreender as relações causais, tem dificuldade para aprender com a experiência e não pode interpretar seus motivos e intenções. Ele/ela não pode entender a parte não-verbal de comunicação e, portanto, pode interpretar tudo de forma errada. Lembre-se: Isso não é culpa sua, é causado pelo transtorno do desenvolvimento. Não tenha mais a esperança de alcançar uma conversa ping-pong com o cônjuge com autismo. Não tenha mais esperança de alcançar reciprocidade e um entendimento comum. Ao invés disso, comunique as suas conclusões sobre o que é importante para você e não se envolva em discussões, se você quiser proteger-se contra a má interpretação das coisas.


10 – Conversar com outras pessoas que entendem

O Transtorno do Espectro Autista é uma desordem complexa do desenvolvimento no qual a situação do cônjuge normal é difícil de entender para os outros. Pessoas com TEA são boas em mascarar suas deficiências encenando e copiando o comportamento do outro. É uma das respostas mais humilhantes para os cônjuges neurotípicos, quando não são levadas a sério pelos outros. Em alguns países existem grupos de apoio para cônjuges neurotípicos. O valor de estar em contato com alguém que entende não pode ser exagerada. Além disso, permita-se a usar o humor! Visto através da perspectiva neurotípica há uma boa base para o humor em contato com outras pessoas na mesma situação, que também estão familiarizados com a realidade de um relacionamento próximo com um autista.
 

11 – Crianças e rotinas diárias

Reveja as rotinas diárias em casa e pense em como ela poderia funcionar melhor. Ele pode, por exemplo, se responsabilizar por certas coisas práticas que são rotinas da casa. Seja consistente. Se o seu parceiro com TEA não cumpre um acordo de tempo, não salve-o (a) ou desculpe-o (a). Se houver crianças na família, é preciso ficar claro que - como o/a pai/mãe neuro-tipicamente desenvolvido - é o principal responsável. Você pode ter que suportar toda a responsabilidade sozinho (a) para o bem das crianças. Seja extremamente consciente das responsabilidades limitadas do cônjuge com autismo.

12 – Desconfie de falsa culpa:

Cônjuges neurotípicos normalmente sofrem e sentem-se culpados. O transtorno de desenvolvimento do parceiro implica que a sua falta de discernimento e imaturidade significa que ele/ela vai culpá-lo muitas vezes por seus próprios problemas e erros. Você também pode experimentar a sensação de ser injustamente acusada de intenções negativas, que você nunca teve. Se você viveu com um parceiro com TEA por muitos anos, você pode equivocadamente a acreditar que ele deve ser "sua culpa", se o seu parceiro fica de birras ou ferve de irritabilidade. Você pode vir a acreditar, que você deveria ter sido ainda mais tranquilo (a)/atencioso (a)/discreto (a)! Ou que você poderia ter tomado ainda mais deveres e responsabilidades em nome de seu cônjuge sobre si mesmo.

Não se sinta culpado (a). Os pensamentos de seu cônjuge autista, acessos de raiva, irritabilidade, silêncio etc, não são culpa sua. Você não pode fazer qualquer diferença. Obter qualquer ideia de culpa fora de sua mente. Proteja a sua própria percepção da realidade. Lembre-se, que as pessoas com essa síndrome não são seres sobrenaturais perfeitos. Pessoas com TEA têm traços bons e ruins - assim como todos nós. Eles também mentem e manipulam. "Agressão passiva" é uma forma de manipulação que muitas pessoas com TEA são particularmente mestres. Quando a pessoa com autismo tem um acesso de raiva, ele/ela também manipula. Durante um acesso de raiva a pessoa com autismo é capaz de recuperar o controle de si mesmo - se ele/ela quer. Compartilhar experiências com outros cônjuges neurotípicos pode ajudar você a manter uma percepção saudável da realidade e navegar livre de uma culpa injustificada.


13 – Tenha conhecimento

Leia e tenha conhecimento sobre o TEA. Há uma abundância de informações disponíveis na literatura. No entanto, quase todas as informações disponíveis sobre o autismo centram-se especialmente nas crianças e nos jovens. Há um foco médico e acadêmico extremamente escasso em cônjuges neurotípicos e filhos de autistas. A maior experiência no efeito do TEA em um relacionamento adulto é encontrada naturalmente no cônjuge neurotípico. Esta experiência e conhecimento merecem ser reconhecidos, validados e levados a sério.

14 – Cuide-se:

Este conselho é tão importante que é mencionado duas vezes. Confie na sua intuição e sua própria percepção da realidade. Ela virá sob pressão em uma coabitação com uma pessoa que tem o autismo, que experimenta e tem uma percepção do mundo de maneira muito diferente do que os outros. Seja fiel a sua própria realidade. Não seja dominado pelo medo.


15 – Determinar o relacionamento

Todas essas dicas podem parecer cansativas. E elas são. Não há maneira de escapar dos encargos excessivos se você é um cônjuge neurotípico/parceiro de um adulto com o TEA. Portanto, deve-se avaliar se está disposto a vivenciar isso ou não.

Se você leitor (a) tem uma história de superação e luta em relação ao TEA também pode dar a sua contribuição nesta coluna, que tem por único objetivo partilhar experiências e desfazer rótulos, fazendo com que as pessoas entendam o autismo! Na realidade nascemos para sermos incríveis, não perfeitos!

Caso queira enviar sugestões pode entrar em contato comigo através do e-mail: lilianejornalista@gmail.com - até o próximo!

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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