Domingo, 23 de outubro de 2016 - 15h44
Um homem, sozinho, no alto de um viaduto, caminha e diz com entonação teatral escatológica.
Diz: “vou acabar com esta vergonha, com esta mancha e vou nos tornar maiores. Esta obra terá que ser concluída e será entregue para o povo de uma cidade NOVA, LIMPA e BOA de se viver. Por isso peço: Porto Velho, deixe eu cuidar de você!”
Em propaganda eleitoral veiculada ontem no mundo virtual o candidato do PSDB a prefeito, Hildon Chaves, subiu numa obra abandonada há oito anos – de responsabilidade do governo federal – para impactar o eleitor com um discurso messiânico, criando uma particular cosmogonia, quer seja, a criação da sua própria realidade.
A cena remete à arte Barroca, às telas de Velásquez que vi em Madri exaltando o direito divino dos reis num patamar elevado, enquanto o povo era representado em figuras minúsculas abaixo ou ao fundo.
O discurso não só simboliza a grandeza de quem apela a imagem de redentor, mas revela outros elementos do século XVII utilizados pra dominar massas como a religiosidade, a sensualidade, o forte conteúdo emocional e a teatralidade. Quem vê a cena e ouve o candidato, se submete puramente aos sentidos.
Só que estamos no século XXI, o sentimentalismo em discursos políticos nem sempre vinga e muitos poderosos são cada vez mais desmascarados pelo que dizem e o que fazem.
Temos visto santos com pés de barro serem condenados à aposentadoria política compulsória. Não é o caso do candidato, ficha limpa, pretenso prefeito, mas a reflexão é um alerta que serve a ele a todos que desejem capturar votos com imagem e discurso messiânicos.
Não houve, nem haverá salvadores na política que olhem o povo do topo da pirâmide.
Em publicação no Facebook, Hildon Chaves delimitou os eleitores de Porto Velho tendo como medida o umbigo.
“de um lado, estão meus eleitores, apoiadores e todos aqueles que, durante décadas, foram constrangidos e submetidos à humilhações de morar numa cidade, cuja administração foi tomada de assalto por grupos políticos corruptos.”
A quem apoia o candidato Léo Moraes, foi como de costume implacável ao acusar: “de outro lado os corrompidos estão irados, enfurecidos, ensandecidos”.
A separação injusta, generalizada e inadmissível, podia até colar, se Hildon não fosse do PSDB, presidido pelo senador cassado Expedito Júnior e se a esposa dele não fosse sua sócia numa empresa no Rio de Janeiro. E se tantos ‘se’ não estivessem a seu lado na cruzada contra os eleitores de seu adversário.
A uma semana da votação em segundo turno, o resultado da disputa que começou com uma diferença de 1% entre os candidatos é imprevisível.
De certo mesmo, só que o candidato que se porta como novo na política, expõe estratégias de séculos passados.
Num dos quadros mais contemplados do mundo, alguns estudiosos garantem que Velásquez pintou ao fundo, minúsculo, num espelho na parede, seu autorretrato. Era uma forma de demonstrar à realeza quem era o verdadeiro ser iluminado, genial.
Que no dia 30, cada voto seja a libertação dessa interpretação abominável da realidade, em que uns se acham insultantemente superiores a outros e tendem a governar para um califado particular, já que os outros são indistintamente corrompidos, irados, enfurecidos e ensandecidos.
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