Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Luciana Oliveira

A dificuldade de fazer valer o direito à arte e cultura aos cidadãos rondonienses


A dificuldade de fazer valer o direito à arte e cultura aos cidadãos rondonienses - Gente de Opinião

Relembrando Fanon, eu diria que a arte capacita um homem ou uma mulher a não ser estranho em seu meio ambiente nem estrangeiro no seu próprio país. Ela supera o estado de despersonalização, inserindo o indivíduo no lugar ao qual pertence, reforçando e ampliando seus lugares no mundo.

Ana Mae Barbosa – Inquietações no ensino de arte


Arte e vida estão umbilicalmente ligadas. A arte produzida em uma cidade, em um estado ou país, éconstrutora da identidade dessas realidades. Por meio da arte refletimos quem somos, ao mesmo tempo em que questionamos o que somos, isso porque arte também é conhecimento. A arte é um dos elementos fundantes da cultura de um povo e não há nenhuma sociedade desenvolvida ou dita civilizada que prescindiu do investimento nesse campo ao longo de seu desenvolvimento histórico. Por isso mesmo, desde a Constituição Federal de 1988, a cultura está assegurada como direito. Quem tem esse direito? A sociedade como um todo, homens e mulheres tem assegurados sua possibilidade de expressão, bem como o acesso aos bens culturais produzidos. Daí a importância das políticas públicas de cultura, pois são elas que asseguram esse direito constitucional.

O estado de Rondônia engatinha nas políticas públicas de cultura. Sua construção data de pouco mais de uma década e os primeiros editais a contemplarem algumas setoriais artísticas são de 2017. O custo disso é o alijamento dessa potente cadeia produtiva, que gera renda e muitos empregos diretos e indiretos. Os maiores recursos investidos em cultura no estado vieram de políticas emergenciais, uma conquista dos artistas de todo o país, que, por meio de sua luta, conseguiram fazer com que o Congresso os enxergassem em um momento tão difícil em todo o mundo. Estou me referindo à pandemia de Covidf-19. Da luta dos/as artistas em aliança com os/as parlamentares nasceram as leis federais Aldir Blanc (14.017/2020)e a Paulo Gustavo (195/2022), por meio das quais foram destinados recursos à todas unidades federativas. A última, a Lei Paulo Gustavo (LPG), ainda não foi executada em Rondônia.

Na sessão parlamentar da Assembleia Legislativa (ALE) de 23 de maio de 2024, um dos itens de pauta era a autorização dos recursos da ordem de pouco mais de 27 milhões para serem utilizados pela Secretaria de Cultura, Esporte, Juventude e Lazer (Sejucel), para, justamente, fazer com que a LPGfosse posta em prática. Na ocasião, o parlamentar Delegado Camargo (Republicanos), pediu vistas do processo, atrasando ainda mais sua execução. Conforme vídeo que circula na internet e redes sociais(https://www.instagram.com/p/C7VhF2_M4m9/), dois outros parlamentares esclareceram que os recursos não têm impactos fiscais para o estado e que o prazo está próximo de seu encerramento, isto é, se o simples ato autorizativo (é tudo que lhes cabe) da ALE não ocorrer dentro do prazo, os recursos irão retornar aos cofres federais, deixando a cadeia artística ainda mais debilitada. Cabe destacar que os recursos daí advindos não impactam apenas artistas, mas toda a economia local, afinal, na execução dos projetos culturais os recursos circulam pela rede hoteleira, restaurantes, gráficas, transportes, entre outros.

O desconhecimento do parlamentar Camargo, disfarçado de zelo pelos recursos públicos, é um escárnio aos fazedores de cultura de Rondônia, pois ao pedir vistas do processo – ainda que seja direito de todo/a parlamentar – não só atrasa a execução da LPG, mas põe em risco a perda desse importante recurso federal. Por isso, não é possível ver de outro modo, se não como um ataque direto às artes e à cultura rondoniense. Apesar disso, ouso afirmar que nem mesmo esse tipo de político é capaz de viver sem arte, pois é certo que deve escutar alguma música, assistir algum filme, série ou novela e, ainda que mais raro, deve ter lido algum livro ao longo de sua vida; e, quando tem filhos/as, esse tipo de pessoa costuma coloca-los em escolas de dança, de música, de artes plásticas etc., com o fito de melhor prepará-los para à vida. Espero que o citado parlamentar, mas não só, saiba que todos esses elementos são arte e compõem uma cadeia produtiva em nosso país. Cabe destacar ainda que é esse tipo de político que também costuma frequentar os grandes eventos culturais do estado, como Flor do Maracujá, Duelo na Fronteira, dentre outros, à caça de votos.

O saudoso Leonel Brizola afirmava que cultura “não dá votos, mas tira”. Que cada artista do estado de Rondônia conheça bem seus políticos e saibam pintá-los ao público que lhes prestigia conforme à realidade como tais políticos agem em relação à arte; quem sabe, assim, possamos arrancar do parlamento e outras instâncias de poder os inimigos da cultura.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoDomingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Ruanda vai taxar igrejas e acusa pastores de enganarem fiéis

Ruanda vai taxar igrejas e acusa pastores de enganarem fiéis

Proliferação de igrejas neopentecostais no país africano levou governo de Paul Kagame a acusar pastores de “espremerem dinheiro” de ruandeses mais pob

Levante feminista realiza encontro nacional para frear violência contra as mulheres

Levante feminista realiza encontro nacional para frear violência contra as mulheres

Luciana Oliveira, de Brasilia – Mais de 130 mulheres vindas de 20 estados do país participaram do evento em Brasília que durou três dias.Foram intensa

Quilombolas vencem eleição para prefeito em 17 cidades

Quilombolas vencem eleição para prefeito em 17 cidades

Candidatos que se declararam quilombolas venceram as eleições para prefeito em 17 municípios, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).A ma

Incêndio criminoso eleva tensão em terra indígena Igarapé Lage

Incêndio criminoso eleva tensão em terra indígena Igarapé Lage

No 247 – A terra indígena Igarapé Lage, do povo Wari é uma ilha cercada por fazendas. Tem mais de 107 mil hectares e fica no Oeste do Estado, próxima

Gente de Opinião Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)