Quinta-feira, 26 de outubro de 2017 - 15h01
Cada um que acordou tranquilo depois de ver mais da metade de um parlamento reunido barrar a segunda denúncia por corrupção contra o presidente da república, conhece a perda de bom senso.
Cada um que viu e não falou nada ou usou a corrupção de outros governos para desviar o foco da urgência, conhece o nível de hipocrisia dos que salvaram o presidente ilegítimo e corrupto.
Cada um que justifica, sob qualquer pretexto, que a relação de troca entre os poderes com dinheiro público é adequada ao controle da governabilidade, conhece a loucura dos que compram e dos que se vendem.
Cada um destes pode ser um político corrupto e descarado, porque assim foi com os que estão aí destruindo direitos da maioria para sustentar privilégios de uma minoria.
É pelos que não se mexem e em nada influenciam que a política e a vida dos brasileiros não se transforma.
Porque do “mesmo modo como o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes e esses eram os anjos”, tal como observou o escritor Carlo Ginzburg na história de Menocchio, um moleiro perseguido por suas ideias no século XVI,no clássico ‘O Queijo e os Vermes’.
O livro conta a história de um homem que ousou confrontar as normas constituídas sob a ótica da religião que tornavam o povo mais vulnerável à opressão.
O moleiro dizia que o mundo havia nascido da putrefação, que tudo era um imenso caos.
Da movimentação dessa desordem que teria surgido a terra, Deus, os anjos e os homens.
Menocchio usou a metáfora de que assim como do leite ao ser batido, surge o queijo, também da movimentação surgem os vermes, os anjos.
Naturalmente, o herege acabou condenado à morte.
A cosmogonia de um moleiro no século XVI nos faz refletir se é possível transformar a realidade, com a quebra de um modelo de comportamento social a partir da movimentação da massa ou se a humanidade está condenada a opressão dos mais fortes. O que o escritor associou ao Gênesis bíblico, podemos interpretar como o início e fim de ciclos históricos que não ocorrem sem movimentação.
Michel Temer não foi só salvo de um afastamento por 251 parlamentares, mas exaltado por eles com o aval de brasileiros que não se moveram em protesto.
Uma pequena movimentação popular teria derrubado o presidente que se sustenta com a confissão de compra de votos.
Por pouco, uma diferença de 18 votos, 25 abstenções e duas ausências, governistas como o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) não fracassaram em tornar admissível a distribuição de emendas parlamentares só aos que votaram a favor do presidente corrupto. Segundo ele, é justo o pagamento de emendas a quem ‘é governo’. “Se não é, pode esperar: é pão e água”.
Se em cada estado os parlamentares tivessem sido pressionados a não salvar Temer, sob pena de aposentadoria compulsória da política nas eleições de 2018, o país amanheceria hoje livre da quadrilha que tomou o poder por força de um golpe.
O resultado apertado prova que Temer se equilibra em corda bamba, apesar da distribuição de emendas, cargos, perdão ou renegociação generosa de dívidas que beneficiam devedores da elite, entre os quais, parlamentares.
Se a massa se movimentar, outra realidade surge.
Por mais angustiante que seja a espera, qualquer mudança é melhor do que uma massa inerte.
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