Sexta-feira, 8 de janeiro de 2016 - 17h36
A gente nasce com a cabeça oca e não demora nossos pais vão colocando tudo o que aprenderam. Tanto em casa, quanto na escola, cedo nos ensinam a preservar os valores culturais que construímos ou herdamos e que constituem bens materiais ou imateriais indispensáveis, protegidos constitucionalmente. Nem bem aprendemos a falar e já estamos participando de festas juninas que remetem à tradições pagãs e cristãs, de séculos passados, de vários povos, de pais pra filhos. Tem festa o ano todo, mas, nenhuma amontoa tanta gente nas ruas como o carnaval, que é indissociável da memória do brasileiro tanto pelo mero aspecto cronológico, quanto o histórico.
Das formas de expressão que devem ser protegidas pelo Estado, o carnaval reúne os mais diversos e valiosos modos de criação. São tantos os folguedos com inúmeras expressões artísticas de referências religiosas ou folclóricas que não é justo debater com quem ainda tem muito oco na cabeça sobre a tradição multicultural.
Simone de Beauvoir, que nada tem a ver com carnaval, disse uma frase que cai como uma luva em várias situações, inclusive a esta reflexão: “É preciso erguer o povo à altura da cultura. Não rebaixar a cultura ao nível do povo”.
Todo ano é a mesma cantilena quando chega fevereiro. Alguns agentes públicos demagogos se unem a fanáticos religiosos em uma cruzada contra o carnaval, sob o pretexto de que o dinheiro reservado à cultura deve ser aplicado em coisas ‘mais importantes’. Um ano inteiro pra cortar gastos sem qualquer valor material ou imaterial, muitos até imorais, e sugerem economia justo com um bem valioso como a cultura? Não, não são somente cínicos os que vendem essa ilusão, mas pessoas que têm, além de muito oco na cabeça, um cérebro emocional de baixíssima sensibilidade. É gente incapaz de enxergar e interpretar o lado bom das tradições carnavalescas, porque só processa o que sente de ruim. É gente empenhada em acabar com a capacidade do povo de produzir saber com artesanato, literatura, dança e música.
Eles sabem que fomentar a cultura é um dever do Estado, mas investem contra, promovendo o debate que se aprofunda entre preservar a tradição e promover a transformação do carnaval. Não há que se falar em antagonismos sobre o que tem ou não valor pelas extremidades, porque cultura popular é tradição/transformação em um processo constante e incontrolável. Tenho meus parâmetros pessoais sobre o que tem valor cultural e jamais me misturo, mas não posso enquadrar o direito de ir e vir e a vontade das pessoas no meu ponto de vista.
Os que regulam o uso das vias públicas também sabem disso, mas usam os problemas decorrentes de uma aglomeração festiva, com desfiles de blocos sem finalidade de lucro e de blocos com interesse puramente lucrativo para demonizar o carnaval de um modo geral. O aumento dos índices de violência nunca comprovado comparativamente por períodos, o caos na saúde pública, as intempéries, enfim, são vários os pretextos que ensejam Termos de Ajustamento de Conduta que inviabilizam a promoção da cultura.
Vários municípios e estados cancelaram suas folias com a promessa de investir o dinheiro em saúde e disso nunca irão prestar contas, simplesmente porque é mentira. Os estragos da última enchente que suspendeu o carnaval na Capital até hoje não foram reparados.
Há três anos, as Escolas de Samba que formam gerações de músicos e artesãos não desfilam. Não é por falta de dinheiro, mas porque agentes públicos simplesmente desprezam a cultura carnavalesca e se dedicam a inibi-la. Só que não, porque esse ano haverá desfile, de blocos e de escolas de samba, “para tristeza de poucos e alegria de muitos”, como diria o general Manelão.
Luciana Oliveira
Empresária e Jornalista
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