“Quando a gente trata todos os crimes de maneira indistinta, o que faz é botar na cadeia um monte de gente pobre, negra e periférica. No fundo o Estado nada mais faz do que uma gestão da miséria”, diz Velludo. “Não adianta só construir vagas. Desse jeito vamos sempre correndo atrás do número de vagas. É preciso reequacionar o sistema como um todo.”
Para Maronna, é uma questão de racionalizar o uso dos recursos disponíveis. Além disso, diz ele, “a cultura judiciária encarceradora passa por cima da legislação e da Constituição”.
Ele cita como exemplo o fato de muitos juízes considerarem o tráfico crime hediondo – mesmo quando é praticado por réus primários, com pouca quantidade droga, sem ligação com organizações criminosas.
Nesses casos, a pessoa não precisa necessariamente ficar presa em regime fechado, segundo o STF (Supremo Tribunal Federal).
“O desrespeito dos juízes a esse entendimento gera uma situação absurda em que os casos precisam chegar às instâncias superiores para que se cumpra a lei”, diz o presidente do Ibccrim. “É preciso racionalizar os recursos e parar de encarcerar pessoas por furtos insignificantes.”
Segundo os especialistas, o Poder Executivo não criou estrutura para o acompanhamento de penas alternativas.
“Uma das justificativas mais usadas pelos juízes (para não dar esse tipo de pena) é que não existe supervisão para penas alternativas. É preciso criar”, afirma Camila Nunes Dias.
Maronna explica que também faltam outros dispositivos previstos em lei que ajudariam a desafogar o sistema penitenciário – como colônias agrícolas e casas do albergado para que presos possam cumprir pena em regime semiaberto e aberto.
Procurado pela reportagem, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) respondeu que não havia representantes para comentar os dados e que essa sexta-feira é “feriado no Judiciário” (Dia da Justiça).
Prender mais gente diminui a violência?
O aumento do aprisionamento não significou diminuição nos índices de violência.
Em 2013, o Brasil registrou 55,8 mil mortes violentas, uma taxa de 28 casos por 100 mil habitantes, segundo dados compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em 2016, houve 61 mil casos, crescimento de 9,5% – a taxa subiu para 30 mortes por grupo de 100 mil.
“No entanto, grande parte das pessoas presas não foram condenadas ou acusadas por crimes violentos” aponta Marona. Ele cita como exemplo que o motivo número um para manter pessoas na cadeia hoje é o tráfico de drogas, que representa 28% das acusações e condenações.
Historicamente, o Brasil soluciona apenas 8% dos assassinatos. O número de condenações e acusações por homicídio dentro do sistema prisional é 68,5 mil – 11% do total.
Para outro setor de pessoas ligadas à segurança pública, no entanto, a impunidade de crimes graves faz aumentar a criminalidade.
Em entrevista recente, Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-ministro da Justiça do governo Temer, afirmou que quem comete crimes graves fica muito pouco tempo na cadeia.
“Prendemos quantitativamente, desde o furto de um botijão que alguém pula o muro, sem violência ou grave ameaça, até um roubo de carro-forte, com fuzil, um roubo qualificado. Um fica 10 meses e outro fica 5. Condutas totalmente diferentes, só que a bandidagem violenta, a alta criminalidade, fica muito pouco tempo na cadeia”, disse.
“Não existe nenhuma relação cientificamente comprovada que incremento punitivo é sinônimo de diminuição de criminalidade”, pondera Velludo.
“Existe um problema da complexidade do delito. O que leva a pessoa a cometer não é um cálculo racional entre a pena e o benefício. Existem uma série de contextos pessoais e sociais.”
Segundo ele, o sistema penitenciário atual tende a agravar a criminalidade. “O PCC (Primeiro Comando na Capital) não surgiu na periferia, surgiu dentro do sistema prisional”, diz.
A situação precária dos presídios, com superlotação, violência extrema e péssimas condições de higiene, saúde e alimentação tiveram – e ainda têm – um impacto direto no surgimento e na consolidação de facções criminosas como o PCC e o Comando Vermelho, acrescenta Dias Nunes.
O período em que o PCC se consolidou, entre 2001 e 2006, coincide com a quase duplicação no número de presos – de 234 mil para 401 mil.
“Se é duvidoso que uma pessoa que comete um ato ilícito não violento tenha interesse em se relacionar com essas facções, a partir do momento em ela entra no sistema prisional, não tem escolha – terá que lidar com o crime organizado de alguma forma. A organização do dia a dia dos presídios é gerenciada por eles”, afirma a professora.
Neste ano, houve um conjunto de brigas entre facções criminosas em diversos presídios do país, como em Manaus, Boa Vista e Natal. O saldo de ao menos 130 detentos mortos dá dimensão do controle das facções sobre o sistema.