Eu e mais um bilhão de usuários recebemos esta semana o alerta de que agora todas as mensagens de Whatsapp são protegidas com criptografia de ponta-a-ponta. Sem muita explicação técnica, significa que tudo que escrevemos no aplicativo está protegido de “grampos”. Se alguém tentar invadir um celular pra ver conversas entre usuários, vai dar de cara com códigos que deixam as mensagens incompreensíveis.
A empresa alega que nem mesmo seus técnicos poderiam furar o bloqueio para desembaralhar o texto, a não ser por uma falha no sistema, ainda que por força de ordem judicial. É uma resposta à decisão que impôs a suspensão do uso do aplicativo por 48 horas no último dezembro, porque a empresa teria se negado a fornecer informações para uma investigação policial.
O limite de segurança e se deve haver algum para o uso de ferramentas de comunicação, só o futuro irá dizer e de modo menos letal às garantias individuais.
Por enquanto o mundo caminha para o fortalecimento do direito à liberdade de expressão e à evolução dos meios de privacidade certo?
Errado, pois na Câmara Federal, a Comissão Parlamentar de Inquérito Contra os Crimes Cibernéticos, conduzida por uma jovem deputada, concluiu seu relatório que aponta para o controle e punição do que as pessoas escrevem na internet.
A deputada Mariana Carvalho, do PSDB, sempre declarou à imprensa que a intenção da CPI era “coibir crimes virtuais, mas assegurar a liberdade de expressão dos internautas”. Não é bem assim, embora não duvide de sua boa fé.
Não de acordo com as medidas sugeridas que, inclusive atingem o Marco Civil da Internet, esse sim, um instrumento que foi debatido com a sociedade e que já serve como modelo a outros países. É aí que entra o não é bem é assim, pois em casos de supostos crimes contra a honra, nem haveria necessidade de um juiz reconhecer que houve dano moral para que o conteúdo fosse retirado do ar.
É pra mim a mais absurda das propostas, a que inibe críticas que poderiam atingir a honra de políticos. Os políticos estão na vitrine e o país respira ares de esperança com a minimização da corrupção.
Há poucos dias, por exemplo, a coluna Painel Político insinuou que a resistência da deputada em concorrer à prefeitura estaria relacionada com uma lei municipal que beneficia a FIMCA, instituição de ensino superior da família dela. “A FIMCA deve atualmente ao município de Porto Velho R$ 4.829.862,16 em débitos com o ISSQN, que poderão ser perdoados.”
Se as mudanças propostas pela CPI dos Crimes Cibernéticos estivessem valendo e a deputada se sentisse ofendida, plataformas como o Facebook e Twitter seriam obrigadas a retirar o conteúdo ofensivo em 48 horas. E quem daria essa ordem é o ofendido, sem qualquer decisão judicial.
Pior, sites e redes sociais teriam que monitorar pra garantir que ninguém mais publicasse conteúdo similar, caso fosse reconhecido o dano moral.
Já pensou? Nesses tempos medonhos com discursos tão polarizados por conta da crise política, estaríamos sujeitos a bloqueios constantes, porque o relatório também prevê suspensão de aplicativos se um conteúdo ilegal permanecer circulando. Por causa do que o jornalista Alan Alex escreveu, repito, caso a deputada considerasse uma ofensa, todos que repercutissem o que ele escreveu seriam penalizados.
O relatório também sugere a obrigação de fornecimento do endereço do IP que identifica o computador à polícia, o que fere de morte a presunção de inocência. Nem sempre quem praticou um crime virtual o fez de seu computador. Imaginem eu responder pelo uso que meu sobrinho fez do meu notebook no escritório?
As bizarrices continuam com a previsão de dois anos de cadeia pra quem violar os termos de uso de um site e com a atribuição da competência à Polícia Federal para apurar os crimes cibernéticos.
Como disse, o Whatsapp tratou de se proteger rapidamente da censura que alguns parlamentares pretendem impor às redes sociais. É verdade que existem excessos nas críticas lançadas nos murais virtuais e que a internet potencializou vários crimes, mas que não se mate o doente com um placebo.
E, francamente, não há como dissociar a boa intenção dos parlamentares do que vem sendo considerado um atentado à liberdade de expressão, pois o que é democrático se transformaria num ambiente de censura e repressão.
Por isso, o título que encabeça esta crítica está parcialmente legível, foi a resposta que dei a uma amiga sobre a tal CPI que prevê fronteiras no universo que democratizou a informação.
Luciana Oliveira
Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)