De Sobral a Lamachia, a imagem da Ordem dos Advogados do Brasil se esfarela.
Mas, uma coisa é a OAB, outra a advocacia.
Na primeira reunião que acompanhei como coordenadora da equipe de imprensa de um candidato à eleição da Seccional da OAB em Rondônia, um fato me deixou perplexa. Ao sugerir que o legado do magistral jurista Heráclito Fontoura Sobral Pinto fosse lembrado nas peças publicitárias, uma advogada com meio século de vida disse: “não concordo. Ninguém lembra quem foi Sobral!”
Na minha cabeça, se a intenção do grupo era realçar a necessidade de reaproximar a Ordem da sociedade, senso comum de que houve uma ruptura de diálogo nas últimas décadas, ninguém melhor que Sobral pra iluminar a mentalidade da jovem advocacia, hoje maioria.
Ao longo da campanha a sentença fatídica da advogada se confirmou. Não vi nada que indicasse que os eleitores compreendiam a advocacia com o espírito de devoção do velho mestre que odiava comunismo, mas defendeu de graça comunistas submetidos à tortura. Em sentido diametralmente oposto, em Rondônia, adversários na disputa eleitoral demonizaram candidatos progressistas e com ideologia de esquerda que prioriza a defesa dos movimentos sociais.
Venceu o candidato que simbolizava o distanciamento da OAB com a sociedade, reeleito, sem nenhuma ação relevante na defesa dos direitos coletivos.
O mesmo ocorreu em várias Seccionais, com candidatos foram reconduzidos aos cargos, contrariando a sugestão da Ordem dos Advogados do Brasil para o fim da reeleição nas disputas do executivo, elencada como primordial à Reforma Política.
O que se percebe hoje na atuação da OAB é isso, um abismo profundo entre o discurso e a prática.
Não demorou para que o Conselho Federal da OAB aprovasse, por maioria das bancadas estaduais, o apoio ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, à época, por antecipadamente julgar convincentes os argumentos de que ela teria praticado crimes de responsabilidade. Mais que isso, protocolou um pedido de impeachment que o presidente Carlos Lamachia justificou à imprensa como argumento jurídico “o conjunto da obra”.
De lá pra cá, a porta-voz da sociedade manteve-se silente diante de inegáveis afrontas, um verdadeiro estupro à Constituição Federal.
O apoio a um processo de impeachment, que segue sem crime, posto que assim concluíram os peritos do Senado e o Ministério Público Federal, macula a imagem histórica da combativa OAB na defesa do direito.
A prisão, de excepcional, virou regra. Nos espaços públicos, cerceamento descarado do direito de ir e vir e da livre manifestação pacífica. No processo, juiz fez papel de carrasco com investigados, investindo, inclusive contra a inviolabilidade do sigilo de advogados. No balcão de negócios que se transformou o Congresso Nacional, direitos conquistados com muita luta pela classe trabalhadora viraram moeda de troca com um poder paralelo que visa unicamente o lucro.
A Casa Grande em dois meses sob um governo interino, impõe novas regras, ignorando os princípios do direito, a lei, analogia, costumes e doutrina, sem resistência eficaz da Ordem dos Advogados do Brasil.
A OAB de hoje, realmente não incorpora o espírito de Sobral Pinto, que só tinha um farol, a defesa intransigente do direito, não corrompível por motivação partidária ou religiosa.
A OAB traiu a sociedade brasileira, virou lambaia à disposição da plutocracia.
Por isso, está menor, perdeu completamente o protagonismo e o diálogo com a sociedade e irá ilustrar as páginas dramáticas de uma ruptura democrática, como em 1964.
No dia do advogado, resta dizer: ainda bem que a OAB não é a advocacia brasileira!
Em todo o país, advogados e advogadas que não votaram pelo apoio ao impeachment seguem lutando em defesa da democracia e contra a violação da Constituição Federal.
A imprensa não deu destaque, mas há movimentos de resistência em todas as capitais, com ações nas ruas e pela via judicial.
Esses honram a memória de Sobral Pinto e de todos os grandes juristas que ajudaram a transformar o país.
Esses, seguem militando ativamente na maior causa coletiva: a defesa do Estado Democrático de Direito.
A esses, e são muitos, parabéns pelo dia de hoje.
A perda de protagonismo da OAB ofusca as comemorações, pois inegavelmente reflete desprestígio aos advogados e advogadas que seguem firmes no compromisso com a sociedade.