Domingo, 31 de março de 2019 - 13h20
Palavras rápidas, por ocasião do centésimo sétimo aniversário da pessoa que foi o Dr. Renato Clímaco Borralho de Medeiros.
Por Zola Xavier
Negro, médico, músico, amante do futebol e socialista. Nascido em 30 de março de 1912 na cidade de Belém do Pará. Dr. Renato Medeiros formou-se na Faculdade Federal do Pará; teve uma juventude ativa, envolvida com a sociedade de sua época, preenchida pelos estudos, o violino e o futebol. Chegou a participar dos quadros do extinto Clube Julio Cesar, da segunda divisão do futebol paraense. Com seu violino percorreu a vida boêmia e cultural de Belém, tocando nos cabarés, nas festas de amigos e nas salas de projeção no tempo do cinema mudo.
A convite de seu colega de medicina e de música, Dr. Rubens Brito, chegou a Porto Velho em 13 de junho de 1942, a bordo de um Catalina, com sua esposa dona Lygia Medeiros e seu filho Raimundo. Logo vai trabalhar na Estrada de Ferro Madeira Mamoré; em janeiro de 2008, Dona Lygia em entrevista concedida a esse escriba, que teve o prazer de contar com a participação de Anísio Gorayeb Filho e Antônio Serpa do Amaral Filho, recordou esse tempo: “O Rubens Brito que era cunhado do Aluízio Ferreira, convidou a gente e aí viemos. Chegando aqui, Renato foi trabalhar na Madeira Mamoré, percorrendo a ferrovia de litorina, medicando os trabalhadores. Cada mês ia um médico. Gostozinho andar de litorina, ia sempre com ele, mas para passear e ficava em Guajará – Mirim na casa de uma amiga”.
Sua atividade se estendeu também para o Hospital São José e seu consultório particular. Atendia a todos os que batiam a sua porta, na grande maioria das vezes sem cobrar, como afirmou dona Lygia: “Atendia e de graça. Ele andava num JEEP velho pelos bairros visitando as pessoas”.
O Soldado da Borracha, Sr. Anastácio Gomes, nos revelou, em depoimento raríssimo, suas andanças com o médico: “Eu conheci o Dr. Renato, andando com ele a pé na primeira colônia que foi aberta aqui em Porto Velho, ele receitando gente e eu aplicando injeção, não tenho uma formação de enfermagem, mas tinha a curiosidade. Ele ia de casa em casa, de barraco em barraco, passando por cima de pau pelo varadouro, cruzando os igarapés por dentro d’água, eu com a caixa de medicamentos nas costas e ele com os aparelhos de pressão, aquela coisa toda. Era um grande amigo meu, eu gostava do Dr. Renato. Um grande médico”.
Dr. Renato Medeiros entrou na política para presidir no Território Federal do Guaporé, o Partido Social Progressista – PSP, sigla que abrigou a Frente Popular. Na sua primeira disputa eleitoral, veio como suplente de Joaquim Vicente Rondon, na chapa do PSP para o pleito de 03 de outubro de 1950.
Na época, o Território do Guaporé tinha direito a apenas uma cadeira na Câmara do Deputados; a eleição era composta de dois pleitos independentes, entre titulares e suplentes. Em Porto Velho, Renato Medeiros conquistou sua primeira vitória em pleitos eleitorais. Como suplente, venceu seu adversário do PTB, o agrônomo Edgar Cordeiro, por uma margem de 252 votos. Com esse resultado histórico Renato consagrou-se como a liderança popular no seio da oposição. Nessa mesma eleição, Aluizio Ferreira foi eleito Deputado federal por uma diferença de 108 votos em todo o Território.
Na eleição seguinte, em outubro de 1954, a Frente Popular conquistou a sua primeira vitória no Território. O pleito foi precedido por inúmeras violências, arbitrariedades e farsas engendradas no Palácio Getúlio Vargas, sede do governo do Território do Guaporé.
Numa manobra que visava afastá-lo da disputa eleitoral, Renato Medeiros foi preso sob a alegação de ser o principal articulador da criação da República Socialista do Guaporé. Levado sob varas à Belém do Pará, pelo Delegado de Polícia de Porto Velho Dr. Franco Martyres, sendo entregue ao comandante da 8ª RM. Absolvido, Renato Medeiros voltou ao Guaporé para, novamente, ser o destaque no resultado eleitoral, obtendo como suplente, a mesma quantidade de votos que o vencedor Joaquim Vicente Rondon.
Com a vitória do PSP seu nome é cogitado pelos seus correligionários, para ocupar a Secretaria Geral do Território, cargo que correspondia à vice – governador.
A reação de seus adversários alcançou projeção nacional. O jornal O Globo, de 22 de março de 1955, em seu editorial, o qualificou como uma temeridade para o Brasil: “Indiscutivelmente, nomear Secretário Geral do Guaporé um comunista seria o mesmo que pôr a disposição dos vermelhos um grande pedaço do Brasil e, sobretudo, facilitar a infiltração no país dos elementos Bolchevistas que ora se acham na Bolívia. O trabalho para que aquele secretário de imprensa e propaganda do extinto Partido Comunista chegue a ocupar o importante cargo, vem sendo desenvolvido, ao que se afirma, pelo atual deputado Joaquim Vicente Rondon, o qual aliás deve a sua eleição para a Câmara ao Sr. Medeiros, que empregou na propaganda da sua candidatura a técnica comunista de ilaquear a boa fé das classes mais modestas”. Por tudo isso, seu nome não emplacou.
Em abril de 55, Renato Medeiros foi indicado para prefeito de Porto Velho, permanecendo no cargo até 14 de outubro de 56, quando foi substituído e, então, retomou as suas atividades como médico.
Com o pedido de licença de Joaquim Rondon, em agosto de 57, Renato Medeiros assume, pela primeira vez, a vaga de representante do Território do Guaporé na Câmara dos Deputados.
Em 1958 são quatro os postulantes a uma única cadeira na Câmara dos Deputados: Eduardo Colares, pelo Partido Libertador, Araújo Lima, pela Coligação UDN/PTN, Aluizio Ferreira, pela Coligação PSD/PTB e Renato Medeiros, pelo PSP tendo como seu suplente, o socialista Thomáz Chaquian. Com o fracionamento dos oposicionistas, Aluizio Ferreira, venceu as eleições por uma margem de pouco mais de 400 votos.
Em outubro de 62, Renato Medeiros saiu para sua última disputa eleitoral. Foi uma candidatura alicerçada no movimento popular, contando com o apoio de todos os sindicatos de trabalhadores, muitos dos quais foram fundados com a sua participação. A União Rondoniense dos Estudantes Secundaristas – URES, que tinha Carmênio Barroso na presidência, apoiava ativamente a candidatura da Frente Popular.
Pela primeira vez, Renato Medeiros recebeu o apoio dos Castiel. A professora Marise Castiel, que exercia forte liderança no professorado, esteve na organização da campanha, junto com figuras de proa da Frente Popular, entre elas Wadih Darwich, diretor proprietário do jornal A Folha de Rondônia, veículo de fundamental importância na campanha, localizado na rua Barão do Rio Branco, onde Renato mantinha seu quartel general.
Vitória anunciada a cada esquina, gerou um ar temerário para a segurança individual dos principais membros da campanha.
Na noite de 26 de setembro de 1962, o comício de encerramento da campanha terminou em tragédia, com dezenas de feridos e alguns mortos. A vitória da Frente Popular veio com sangue nas ruas.
Um ano e seis meses depois, o golpe civil militar de 1º de abril de 1964, encerrou sua carreira política, iniciada na juventude quando ainda tocava violino nas salas de cinema mudo de Belém.
Dr. Renato Medeiros, ao longo de sua trajetória política no Território de Rondônia, além das inúmeras infâmias, arbitrariedades e injustiças, sofreu com as manifestações racistas, veiculadas pelo jornal O Guaporé, porta voz do pensamento aluizista que, sistematicamente, o chamava de “ Louro “.
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