Sábado, 27 de agosto de 2016 - 07h58
O que há em comum entre os personagens do título?
Por Ricardo Kotscho
É o tal do “fogo amigo”: a raiz das muitas crises dos seus governos pode ser encontrada mais dentro do que fora dos palácios. Foram as intrigas palacianas, as disputas do poder pelo poder dentro do poder e as traições de aliados que mais infernizaram a vida destes presidentes, mais até do que os adversários políticos, como pudemos ver ainda agora na agonia do governo de Dilma Rousseff, o segundo caso de impeachment em curto espaço de tempo.
Mas aliado não é para nos defender e o papel do adversário é nos atacar? Assim deveria ser o jogo, mas nem sempre é assim.
Ao lermos em sequência livros sobre a nossa História política contemporânea, desde a Revolução de 30 de Getúlio Vargas (a trilogia de Lira Neto), passando pela ditadura militar de Castelo a Figueiredo (os cinco volumes de Elio Gaspari) e os anos FHC contados pelo próprio, até chegarmos aos governos petistas de Lula e Dilma, que ainda estão à espera de um autor, é impressionante constatar como os enredos se repetem de um século a outro em diferentes regimes e contextos.
Ao contrário do Heródoto Barbeiro, não sou historiador, minha memória está cada vez pior, mas vou tentar lembrar de alguns fatos por ordem de entrada em cena dos seus principais personagens.
Foram o irmão Benjamim Vargas e o chefe da sua segurança pessoal, Gregório Fortunato, que acabaram empurrando Getúlio para o “mar de lama”, no ocaso do seu período de governo democrático, ao envolverem diretamente o presidente da República no episódio do “atentado” ao adversário Carlos Lacerda.
Era o que faltava para deflagrar a campanha final contra o presidente eleito movida pelos udenistas moralistas daquela época, aliados aos generais dissidentes, a interesses estrangeiros e à imprensa oligárquica. Todos sabemos como esta história acabou na tragédia do suicídio em 1954, ensaio para o golpe desfechado dez anos depois contra João Goulart, pelos mesmos atores, depois de uma breve trégua de bonança nos anos dourados de JK até a renúncia de Jânio.
Estou terminando de ler agora A Ditadura Acabada, o quinto e último livro da obra do jornalista Elio Gaspari sobre os 21 anos do período militar, encerrados com a eleição indireta de Tancredo Neves, do oposicionista PMDB, que morreu antes de tomar posse, e foi substituído pelo vice José Sarney, até meses antes presidente do PDS (ex-Arena), o partido do governo.
Durante todo seu caótico governo, João Figueiredo, o último general presidente, teve que enfrentar a “tigrada” amiga, os radicais que eram contra a anistia e a abertura política, e a disputa pela sua sucessão, envolvendo Paulo Maluf, Mario Andreazza e Aureliano Chaves, o seu vice, com quem rompeu, e que acabou se bandeando para o lado do conterrâneo Tancredo Neves.
Alguma semelhança com tempos mais recentes?
Nas quase mil páginas do primeiro volume da autobiografia do seu governo, Fernando Henrique Cardoso passou mais tempo reclamando das intrigas dos seus velhos amigos palacianos, da base aliada (PSDB-PMDB-PFL) e da imprensa idem, do que criticando a oposição liderada pelo PT. Foi implacável com José Serra e Sérgio Motta, que disputavam o protagonismo com Pedro Malan, o ministro da Fazenda que segurou o Plano Real, e o acompanhou até o último dia de governo.
Da mesma forma, a grande crise política do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que o sucedeu ao derrotar José Serra, não foi provocada pela oposição liderada pelo PSDB de FHC, mas por um deputado aliado, Roberto Jefferson, do PTB, que denunciou o “mensalão”.
E quem comandou a oposição implacável ao governo de Dilma Rousseff, que a levou a enfrentar o processo de impeachment, também não foi o PSDB, mas o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, do principal partido aliado, o PMDB velho de guerra, que emplacou o vice Michel Temer como presidente interino quando ela foi afastada.
No fundo, no fundo, no fundo, a gente anda, anda, anda, mas parece que tudo continua no mesmo lugar.
Foi o que senti ao reler outro dia Do Golpe ao Planalto, meu livro de memórias, que tenho citado muito ultimamente aqui no blog. No final do posfácio, escrito em dezembro de 2005, lembrei um episódio que confirma a frase acima. Transcrevo:
A cada crise, fala-se novamente na necessidade de uma reforma política, que nunca acontece. Olhando as coisas agora de trás para a frente, fico com a impressão de que a raiz do problema não está nas pessoas ou nos partidos, mas num sistema político condenado a não dar certo. Para chegar ao governo, um candidato, qualquer candidato de qualquer partido, tem que fazer tantas concessões e alianças, mobilizar tantos recursos, que acaba amarrado a um conjunto de antigos interesses _ de tal forma que não consegue implantar as reformas reclamadas pelo país há muitas décadas.
Em meio ao segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, no final de uma entrevista, já na hora do café, depois de ouvir as queixas dele sobre a dificuldade de conviver com sua base aliada, perguntei-lhe singelamente:
_ Presidente, o senhor conseguiu a reeleição, já está no segundo mandato, por que não dá um murro na mesa e governa do seu jeito, com quem acha melhor para o país?
_ Você está maluco? Se eu fizer isso, meu governo acaba no dia seguinte…
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