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Luciana Oliveira

O voo da Vespa Fera; Um rasante sobre o apoteótico desfile do Bloco Pirarucu do Madeira


O voo da Vespa Fera; Um rasante sobre o apoteótico desfile do Bloco Pirarucu do Madeira - Gente de Opinião

Cá embaixo, em terra chã, sob o asfalto como linóleo da apimentada ópera carnavalis, minutos antes do coloridíssimo e efervescente Bloco Pirarucu do Madeira, feito um deslizante arco-íris deitado ganharas ruas cantando suas três décadas de existência e, sob esse mote, transpor as esquinas exalando e a borrifar invadindo as narinas todas com o seu aromático, arrebatador e contagiante pitiú freveiro, tudo era festa e emoção nas hostes e cercanias pirarucuenses.

As placas e honrarias cerimoniais da abertura doevento e alusivas aos 30 anos de existência doarrebatador cordão, diziam de reconhecimentos ehomenagens a diretores e ao próprio bloco, pelas suasinarredáveis, vistosas e animadas peripécias e defesasculturais e carnavalescas.

O cordão em poucos instantes serpentearia as ruas, o maestro já balançava a batuta e a orquestra, aquecendo o povo, fazia tinir longe e vibrante entre quarteirões os seus metais e uníssonos vozerios, era hora de rumar pro apogeu de momo, ziguezagueando ao som e mote de frevos em justa homenagem à artista Maria Luiza Silva, batizada na folia como Maria da Chave, personagem única da cultura carnavalesca inventada e parida, cá, nessas barrancas. Porém, segundos antes do bloco avançar, um surpreendente helicóptero, feito pássaro de ferro, mais parecendo uma vespa gigante, vindo do céu ou sabe-se lá de onde, num breve sobrevoo causou um a ventania (feito aquela chuva que lança, a areia do Saara sobre os automóveis de Roma, segundo CaetanoVelho em sua composição intitulada Reconvexo), causando um grande rebuliço entre foliões e músicos.

O breve, porém desesperador, bater asas da vespa de ferro e seu sopro potente tragou e lançou longe o elegante chapéu do maestro da Banda Puraqué, fazendo o objeto subir acima dos postes e fiações e perder-se inalcançável no espaço sideral, ficando imperceptível até aos esbugalhados e xereteiros olhares do telescópio James Webb da NASA. Um folião que, atento ao mote do dia, levou um guarda-sol todo colorido e trabalhado com pequenas chaves penduradas, máscaras e outros badulaques, teve o seu objeto e acessórios praticamente triturados pelo vento que mais parecia uma lâmina de liquidificador, a deixar tudo em frangalhos. Outros foliões tiveram seus copos de chopp e latas de cervejaabduzidas e lançadas ao alto impondo aos seus donosmomentos de revoltante abstinência.

Um jovem rapaz, ladeado de sua namorada, na filados sedentos pra comprar um birinaite teve seus parcos recursos (uma nota de 50 mangos) sugados e, ao vento girar em espiral e ganhar o céu. Liso que ficou, o moço tentava convencer o homem do carro de birita a lhe conceder um crediário (fiado). Outro folião, faminto que estava e acabara de receber das mãos de um atendente um revigorante cachorro-quente, reclamava e cobrava em altos brados as rodelas de salsicha mastigadas e engolidas pela ventania da Vespa Fera, dizendo: e agora, tô na maior broca, fiquei só com o pão, como faço?

O vendedor, por seu turno, tentou minorar profetizando: acalme-se meu rapaz, lembre-se que o pão é um alimento sagrado, então agradeça coma… Pior mesmo foi a situação de uma das cantoras daBanda Puraqué quando, de surpresa, ao vento, teve o seu elegante e bem-talhado vestido suspenso até quase acima do pescoço. Segundo testemunhas, o esposo da moça no corre-corre, já em evidente desespero ao vê-la naquela quase viagem espacial, gritava, volte, volte, desça daí, deixe essas roupas irem sozinhas…

Por pouco a artista, apenas metida nas suas lingeries, não sobrevoou o bloco em trajes menores o que causaria o maior ti-ti-ti, um tremendo bafafá, trololó e coisa e tal. Em que pese rápido, o voo da Vespa Fera causou estragos inimagináveis sem, porém, destituir ou ceifar o desfile do bloco que quando começou, escreveu mais uma marcante, maravilhosa e multicor cena da cultura popular aqui existente e trabalhada e que, quando apoiada, reconhecida e valorizada, dizem, explicitam e traduzem com generosidade e beleza seus inestimáveis valores, valias e serventias sociais.

Ave, ave…Pirarucu do Madeira – 30 anos!

É frevo pra Maria da Chave.


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