Terça-feira, 19 de setembro de 2017 - 15h06
Nasci entre o auge e o início da decadência do regime militar no Brasil.
Não senti na pele, mas li muito sobre o período em que vigorou a censura, supressão de liberdades civis, tortura e mortes de opositores ao regime.
Lutei muito nas últimas décadas, mas amparada por direitos garantidos por leis que julgava compreendidos pela sociedade brasileira.
O que vi até aqui sobre o que li da conjuntura social, econômica e política que foi deixada para trás, foram avanços.
Lentos, graduais, mas passos à frente.
Nos últimos três anos tenho vivido como em cabo-de-guerra com os que lutam para retroceder mais de meio século.
E já paira uma catinga de sangue por repressões violentas à manifestantes que foram às ruas para manter seus direitos após o golpe de 2016. O negro inocente ficou na cadeia enquanto o branco rico foi pra sua mansão, uma estudante perdeu a visão de um olho, outro sofreu traumatismo craniano por cacetada de policial e o presidente golpista foi denunciado na Organização das Nações Unidas por violações de direitos humanos.
No Congresso Nacional resgatam o coro da ditadura para criminalizar movimentos sociais, sindicais, estudantis e partidários.
A censura voltou a exposições artísticas em ambientes privados, performances teatrais em praças, protestos em ambientes acadêmicos e a jornalistas levados a depor coercitivamente para revelar a fonte.
Os dias se parecem como na ditadura.
Os discursos de ódio empestam as redes sociais e incentivam decisões legislativas e judiciais que simplesmente não têm cabimento numa sociedade que avança.
É o caso da decisão tomada pelo juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, que acatou parcialmente o pedido de liminar da ação popular que requeria a suspensão da resolução 01/1999, obstáculo a psicólogos para tratar a homossexualidade como doença.
O juiz manteve a resolução, mas determinou que o Conselho Federal de Psicologia não impeça profissionais de tentarem reverter a escolha de quem ama o mesmo sexo.
Psicólogos que se prestarem à reversão da orientação sexual são ‘doentes’.
Quando nasci, para a psiquiatria e psicologia, a homossexualidade já não constava na lista de transtornos mentais ou emocionais.
Em 1990, a Organização Mundial de Saúde ampliou o entendimento para que nunca mais o homossexualismo fosse vista como patologia.
A reversão da opção sexual já foi ‘tratada’ ao longo de séculos com prisão, hipnose, castração, choque, lobotomia e forca.
Esse juiz abriu um precedente, que por mais que não se estabeleça, reacende um debate ultrapassado e que só serve para alimentar o discurso homofóbico.
Pior, para tornar ainda mais frequentes, os casos de constrangimentos, agressões e mortes de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT).
Como calcular o retrocesso que a decisão impõe a um grupo social que conquistou tantas vitórias sociais, políticas e jurídicas?
Pude ver entre tantas conquistas, ainda que insuficientes, o direito ao casamento e à adoção por casais homoafetivos, a mudança de nome civil e social e a possibilidade de cirurgia de mudança de sexo e de reprodução assistida feita pelo SUS.
O retrocesso que vemos é uma desgraça promovida por parlamentares e juízes fundamentalistas.
O deus do ódio fascina multidões e o discurso dos doentes ganha robustez.
Quem lutou para garantir direitos fundamentais e usufruir de um ambiente mais civilizado, vai precisar do dobro de coragem e força para enfrentar à ofensiva retrógrada.
Só há duas opções: resistir ou se submeter aos ‘doentes’.
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