Quinta-feira, 14 de dezembro de 2017 - 15h50
Da BBC Brasil em São Paulo, por André Shalders – Mapear votos dos congressistas é um ritual que se repete sempre que o Legislativo se depara com uma decisão importante. Logo, diante da possibilidade de votação da Reforma da Previdência, tal contagem virou rotina na Câmara.
O assunto deve começar a ser discutido nesta quinta-feira, e pode ser votado na próxima semana, embora até no governo haja divergências sobre o calendário. Há alguns dias, a contagem era ruim para Michel Temer: a avaliação mais otimista era de 260 votos, quase 50 a menos que os 308 necessários para aprovar a mudança no sistema previdenciário.
O cálculo é do deputado Beto Mansur (PRB-SP), um dos parlamentares mais fiéis ao presidente da República. O deputado se tornou uma espécie de “mapeador oficial” de votos do atual governo. “Estamos trabalhando para buscar esses votos (que faltam)”, disse ele à BBC Brasil.
Do outro lado, na oposição, a conta é de que existem cerca de 240 deputados a favor de mudar as regras da aposentadoria. “O governo está blefando. Mansur não entende nada de votos aqui dentro”, diz o deputado José Guimarães (PT-CE). O cearense foi líder do governo Dilma Rousseff na Câmara (2015-2016). Hoje líder da minoria na Casa, diz contar com a ajuda de Júlio Delgado (PSB-MG) para atualizar a planilha com a posição de cada colega sobre o tema.
A atual proposta de mudança no regime prevê estabelecer uma idade mínima para se aposentar (65 anos para homens e 62 para mulheres) e um tempo mínimo de contribuição para ter direito ao benefício (15 anos para trabalhadores da iniciativa e 25 para os funcionários públicos). Além disso, quem se aposentasse com esse tempo mínimo receberia 60% da média salarial – 70% no caso dos servidores. O teto seria alcançado apenas caso se chegasse aos 40 anos de contribuição,
Se em maio de 2016 Temer contou com o voto de 367 deputados para afastar a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), hoje é consenso que ele perdeu o apoio de uma centena de congressistas para aprovar a reforma.
A maior parte desta diferença está no chamado “Centrão”, um grupo de legendas de tamanho médio e sem ideologia política definida, capitaneado por PP, PR, PSD e PTB. Políticos próximos ao Palácio do Planalto dizem que as maiores resistências estão no PR, PSD e PP, partidos sob os quais o governo intensificou a pressão nos últimos dias.
Diferentes fatores contribuíram para a erosão do apoio, segundo congressistas. Desde erros de avaliação política e comunicação do governo, que afugentou setores da população que poderiam ser favoráveis ao projeto, até a fragilidade de líderes partidários que teriam negligenciado os interesses dos deputados e monopolizado para si os benefícios concedidos pelo Planalto.
Políticos governistas e o próprio Michel Temer têm dado sinais de que a votação da reforma pode ser adiada para fevereiro de 2018. Os deputados devem “abrir a discussão” nesta quinta se houver quórum, o que não obriga o governo a pautar o assunto na semana que vem.
Pessoas próximas ao Planalto têm dito que o adiamento para 2018 é uma possibilidade real. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), por exemplo, disse nesta quarta que há um acordo entre os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), para adiar a votação para fevereiro.
Horas depois, Temer contradisse Jucá, afirmando que a data da votação não estava definida. Somente depois que o relatório de Arhtur Maia (PPS-BA) para a reforma for lido na Câmara é que ele discutirá o assunto com os presidentes da Câmara e do Senado, disse o Planalto em nota. O presidente da Câmara também negou qualquer acordo.
Acabou o dinheiro?
“É que ‘deu no osso’. O governo vem acumulando votações que criam desgaste junto à população, como as duas denúncias (contra Temer, geradas pela delação da JBS)”, diz o deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB). “Dar no osso”, explica o congressista, é uma expressão usada pelos paraibanos para dizer que algo acabou (quando a carne toda já foi). “Depois da Reforma Trabalhista, da PEC do Teto e das duas denúncias, acabou a energia.”
Cunha Lima integra a ala dos “cabeças pretas” do PSDB, um grupo de congressistas mais jovens e que se diz independente do governo Temer.
O PSDB defende historicamente medidas de austeridade fiscal, tendo inclusive feito mudanças na Previdência durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, nos anos 1990.
Na tarde de ontem, o partido disse “fechou questão” a favor da reforma, na primeira reunião da Executiva do partido sob o comando do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Apesar disso, por volta de 15 dos 46 deputados tucanos votarão contra. E não sofrerão punições. Na prática, portanto, não houve o “fechamento”, no sentido clássico do termo.
Para o cientista político Carlos Melo, o governo errou ao atrelar desde o começo o apoio em votações importantes à distribuição de benesses, como cargos e emendas. Esses são recursos finitos, afirma. “Essa fonte (de apoio político ao governo) seria mais estável se ela fosse programática desde o princípio, não fisiológica. Se a discussão se desse em torno de ideias, de opinião, se fosse politizada desde o princípio”, diz ele, que é professor do Insper.
O governo ainda gastou muitos desses recursos escassos em votações que não tinham nada a ver com o ajuste fiscal: em agosto e outubro deste ano, os deputados impediram que o Ministério Público investigasse Temer enquanto ele estivesse no cargo, lembra.
“Se o governo tivesse feito essa discussão sobre equidade, sobre privilégios do funcionalismo, desde o começo (Temer assumiu em meados de 2016), teria mais facilidade agora”, diz Melo.
O professor usa como exemplo a divisão de cargos no governo: logo depois de assumir o Planalto, o grupo de Temer tinha à disposição, para distribuir, um manancial de postos comissionados (ocupados sob indicação) antes ocupados pelo PT e outros partidos de esquerda. A distribuição de cargos ajudou o governo a colher vitórias no Congresso como a PEC do Teto de Gastos, mas esse estoque parece ter acabado, diz o cientista político.
No entorno de Michel Temer, porém, a ordem agora é desvincular o apoio à reforma de qualquer benesse, e fazer a defesa política da mudança nas regras previdenciárias.
“O deputado que não votar a reforma como veio estará votando com os ricos, e não com os brasileiros que mais sofrem. São os ricos que querem manter a Previdência com está. No ano que vem, com a reforma aprovada, a economia estará voando. A economia será o grande tema positivo da eleição”, diz à BBC Brasil o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), integrante do “núcleo duro” governista na Câmara.
Líderes que não lideram
Nos últimos dias, alguns partidos políticos “fecharam questão” em defesa da mudança nas regras previdenciárias. O primeiro foi o PMDB, seguido por PPS e PTB. O DEM também deve fazer o mesmo esta semana, e é possível que também o PP tome esta atitude.
O “fechamento de questão” significa uma decisão formal do partido de apoiar algum tema. E quem votar contra pode ser punido, até mesmo com a expulsão.
Muitos partidos, porém, não estão em condições de ameaçar os deputados para fazê-los votar conforme a orientação dos líderes. Isso é especialmente verdadeiro no “centrão”, onde há muita insatisfação nas bancadas. Congressistas destes partidos acusam os comandantes das legendas de beneficiar-se pessoalmente da proximidade com o governo, deixando de lado os pleitos da bancada.
“Os cargos do partido (o PP) estão nas mãos de 5 pessoas: o Arthur Lira (deputado por Alagoas), o pai dele, Benedito de Lira (senador por Alagoas), o Ciro Nogueira (senador pelo Piauí e presidente nacional do PP), Agnaldo Ribeiro (deputado pela Paraíba) e Ricardo Barros (ministro da Saúde). Não chegam nos deputados”, diz um congressista importante da legenda, sob condição de anonimato.
“Esses cinco que eu falei estão ‘pintando e bordando’ com o Michel Temer. Nunca tiveram tanto poder”, diz o deputado. Para o congressista, o partido pode até fechar questão em torno da reforma, mas a quantidade de votos que serão entregues é incerta.
O deputado lembra que em março haverá uma “janela” de trocas partidárias, em que os congressistas poderão mudar de sigla sem perder o mandato. Por isso, não é provável que o comando das legendas “estique a corda”, ameaçando de punição quem votar contra a reforma.
Falando em nome da cúpula partidária, Ciro Nogueira respondeu às críticas dizendo que “insatisfação, em toda bancada existe”. Mas assegurou que “o PP sempre foi o partido mais fiel ao governo, com índices superiores até ao PMDB. E na Reforma da Previdência com certeza vai ser também. Nosso índice de infidelidade é inferior a 10%”, disse. Além disso, “se existe um partido que é totalmente democrático na questão de indicações e de verbas, é nosso”, disse.
Segundo um importante articulador do Planalto na Câmara, um fenômeno estaria acontecendo no PSD: o presidente da sigla, o ministro Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações) não teria verdadeiro controle sobre os deputados.
O partido foi formado por congressistas insatisfeitos com suas legendas e desde o início tinha a proposta de respeitar a vontade de cada congressista (daí Kassab dizer, em 2011, que a sigla “não será de direita, não será de esquerda, nem de centro”). O PSD não fechou questão nem mesmo nas duas denúncias do ex-procurador-Geral da República Rodrigo Janot contra Michel Temer, mesmo tendo ministérios no governo.
Altas expectativas, falta de comunicação
Parte dos deputados que acha que o Planalto errou ao apresentar uma primeira versão, considerada dura, da Reforma da Previdência. O texto original, enviado ao Congresso em setembro passado, restringia o alcance da aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada (o BPC, pago a pessoas com deficiência, por exemplo), entre outros.
“A percepção que a sociedade tem da reforma têm sofrido uma profunda transformação. Não há dúvida de que aquele texto inicial, que foi pra cá remetido pelo governo, propunha realmente a diminuição de alguns direitos de pessoas mais pobres. Tudo isso saiu do texto”, disse o deputado Arthur Maia (PPS-BA), relator da reforma.
O governo teria, portanto, superestimado a própria capacidade de articulação política ao propor uma reforma mais pesada do que seria capaz de bancar.
Além disso, problemas de comunicação e de disputa da opinião pública teriam ocorrido.
É consenso até no governo que a primeira fase da campanha publicitária da reforma não surtiu o efeito desejado. As peças, do começo de 2017, tinham como slogan a frase “Previdência. Reformar hoje para garantir o amanhã”. As propagandas usavam dados econômicos, considerados de difícil compreensão e não teriam sido bem entendidas pela população.
É o que disse também à BBC Brasil o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ). Mesmo tendo votado a favor do impeachment, ele é frontalmente contrário à reforma.
A oposição, capitaneada pelo PT, dá como certo que a reforma “não será aceita pela população nem pintada de ouro”, como diz o petista José Guimarães.
“O que está acontecendo é que a reforma é um tema que atinge a todos os brasileiros, indistintamente. O povo entendeu qual é o sentido da reforma, que é a retirada de direitos. Isso criou uma rejeição global ao projeto, o que acaba repercutindo nos deputados”, disse à BBC Brasil o líder do PT na Câmara, deputado Carlos Zarattini (SP).
“Reforma trabalhista e PEC do Teto eram temas muito técnicos, difíceis das pessoas entenderem. Por isso não tinha tanta repercussão quanto a Previdência”, diz ele. “E agora, essa tentativa de votar foi como soprar a brasa. A pressão (contra a reforma) aumentou”, completou.
‘Não tem essa vinculação’
Mas o que dizem os deputados que “mudaram de lado”, isto é, que votaram a favor do impeachment, e agora são contra a reforma da Previdência?
“Essa simplificação (de que quem votou pelo impeachment precisaria votar sempre com o governo Temer) eu rejeito. Quem votou no impeachment o fez por acreditar que a Dilma cometeu um crime de responsabilidade, e não para apoiar o Temer. Da mesma forma, eu não votei a favor das denúncias contra Temer por apoiar um eventual governo de Rodrigo Maia (o presidente da Câmara, do DEM-RJ)”, diz o deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB).
Outro que “mudou de lado” é Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), um dos principais deputados da bancada evangélica da Câmara. Para Sóstenes, pesaram contra a reforma “a proximidade das eleições” – como há um clima de opinião contrário à reforma, muitos deputados temem ser punidos pelos eleitores no ano que vem.
É o mesmo que diz o deputado do PP mencionado acima, sob anonimato. “O meu eleitorado mais forte é de classe D e E, da periferia dos centros urbanos. Eles têm uma forte expectativa de que não vamos votar à favor da reforma. Fica complicado contrariar isso agora”, disse o parlamentar.
Além disso, Sóstenes questiona a legitimidade de Temer para tomar medidas estruturais, como a reforma da Previdência. “O voto direto foi dado a Temer como vice, e não como presidente. Ele foi eleito em uma chapa com outro perfil de ideologia e de política econômica”, diz ele, que entretanto votou com o governo em temas como a PEC do Teto de Gastos e a Reforma Trabalhista.
“Eu não caio nessa história de que o governo é ilegítimo. Mas politicamente você não tem como negar que é um governo que chegou de uma forma atípica, e que tem suas limitações”, concorda Cunha Lima. O pai dele, Cássio Cunha Linha, é líder do PSDB no Senado.
O que vai acontecer hoje?
Os deputados não vão começar a votar ainda nesta quinta a Reforma da Previdência. Se tudo der certo, o que começa é a discussão oficial, em plenário, da proposta de emenda à Constituição (PEC) que prevê mudar as regras das aposentadorias.
Assim que pelo menos 51 deputados registrarem presença na Câmara (e não no Plenário), o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) abre oficialmente a discussão. Como o texto será debatido em uma sessão extraordinária (e não em sessão ordinária), ele não necessariamente precisará estar na pauta das próximas sessões, se o governo resolver adiar a votação para 2018.
Se o quórum amanhã chegar a pelo menos 257 deputados dentro do Plenário da Câmara, o governo pode até tentar aprovar o que se chama de “requerimento de encerramento de discussão”. Para isso, é preciso apenas que quatro deputados tenham discutido o tema: dois contra e dois a favor. Com o requerimento aprovado, é possível, em tese, partir direto para a votação na próxima semana.
Ruanda vai taxar igrejas e acusa pastores de enganarem fiéis
Proliferação de igrejas neopentecostais no país africano levou governo de Paul Kagame a acusar pastores de “espremerem dinheiro” de ruandeses mais pob
Levante feminista realiza encontro nacional para frear violência contra as mulheres
Luciana Oliveira, de Brasilia – Mais de 130 mulheres vindas de 20 estados do país participaram do evento em Brasília que durou três dias.Foram intensa
Quilombolas vencem eleição para prefeito em 17 cidades
Candidatos que se declararam quilombolas venceram as eleições para prefeito em 17 municípios, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).A ma
Incêndio criminoso eleva tensão em terra indígena Igarapé Lage
No 247 – A terra indígena Igarapé Lage, do povo Wari é uma ilha cercada por fazendas. Tem mais de 107 mil hectares e fica no Oeste do Estado, próxima