Sexta-feira, 15 de janeiro de 2016 - 13h40
Quem vê blocos de carnaval hoje e esperneia contra seus desfiles, porque não gosta, se sente incomodado ou simplesmente acha que é pecado, não imagina que a tradição vem desde a década de 20 e já foi a principal atração da folia de momo na Capital a partir dos anos 50. É tradição e disso, não cabe discussão. A cultura de blocos carnavalescos vale mais que a opinião de qualquer vesgo que tente dificultar, impedir ou simplesmente criticar essa valiosa manifestação.
À época os blocos envolviam figuras ilustres da sociedade portovelhense e disputavam com bom humor o título por originalidade. Até os blocos de clubes sociais e escolas de samba dominarem a cena carnavalesca, eram eles que enfeitavam as ruas do centro da cidade que desenvolvia seu modo de viver.
Do auge ao declínio, com toda a transformação que trouxe alguns aspectos negativos aos desfiles de blocos, em alguns sobrevive a magia dos antigos corsos e pés sujos.
Dos tempos saudosos, o frevo do Pirarucu do Madeira homenageia “Periquito, Bola Sete, Babá, Valdemar Cachorro, Marise Castiel”.
Pra recordar e incentivar a manter o que tornava os blocos de carnaval tão queridos, hoje conto a história do Bloco da Cobra com a ajuda do amigo Silvio Santos, o Zecatraca, personagem de muita conversa séria e fiada e militante ativo em defesa da cultura popular.
Todo bloco que presta se consolida num bar ou perto de um, por isso o do Raul, era o ninho dos cobreiros, reduto de gente misturada sem qualquer tipo de preconceito. Segundo Silvio, a ideia de desfilar com a Cobra, no entanto, nasceu num domingo de carnaval no sítio Tokilândia, em 1950, onde assíduos frequentadores do Bar do Raul foram curar a ressaca da noitada nos clubes Bancrévea e Danúbio Azul.
Lá pelas tantas Elias Jouayed, cunhado do Raul, foi pegar água na bica e deu de cara com uma sucuri. Tomou um susto, ficou puto e com uma 12 meteu bala na bicha pra não ser engolido. Quem sobrevive a um drama, faz dele comédia, mas Elias e os amigos foram além, criaram um bloco e escreveram um capítulo importante do carnaval de rua de Porto Velho. Estavam virados, mamados e mesmo assim ainda tiveram disposição pra abrir a Boiuna, limpara, montar nos ombros e exibir o animal pelas ruas da cidade como se fosse um troféu.
No livro que está escrevendo, com alguns trechos publicados em seu blog, Silvio Santos conta em detalhes como nasceu o lendário Bloco da Cobra, que provocou medo, curiosidade e riso.
“Chegaram ao centro da cidade por volta das cinco horas da tarde, mais pra lá do que pra cá, estacionaram o Jeep em frete a casa do Elias e haja luta para desembarcar a Boiuna que nada mais, nada menos, tinha sete metros de comprimento. Era realmente uma Cobra Grande. Como se fosse um troféu e no maior esforço do mundo Elias Jouayed, Durval Gadelha, Câmara Lema e Zé Reis (Papagaio), colocaram a “Bicha” nos ombros e saíram exibindo pela Avenida Sete de Setembro local onde estavam acontecendo os desfiles carnavalescos naquele ano. Esse foi o primeiro desfile do Bloco da Cobra.”
Como todo bloco inspirado num fato inusitado, num momento que transforma pavor em riso, o Bloco da Cobra foi um sucesso e a cada ano era mais quem queria ser cobreiro, um título que unia a todos sem qualquer distinção. À época, importava ainda mais a sensação de pertencimento a um grupo que se reunia não só pra beber e rir, mas pra se manter atualizado sobre a política local.
Ser aceito não era fácil não, o candidato tinha que ser apresentado por um cobreiro e passar por um ritual que exigia larga experiência com o álcool.
Silvio Santos conta que o teste consistia no seguinte: “O carrasco (Manelão) ordenava que o candidato se posicionasse sentado em um tijolo no “Rabo da Cobra” enquanto o presidente ficava na “Cabeça da Boiuna”. Era servido ao candidato, primeiramente uma dose cavalar de uísque, uma de cachaça e uma jarra de cerveja, isso sem dar tempo ao cidadão de respirar. Engolida a última golada o Carrasco entregava ao candidato a famosa “914” que era a mistura de todas as bebidas disponíveis no recinto inclusive vinho.”
A parte mais difícil da prova de ingresso ao bloco vinha depois, quando o candidato tinha que caminhar com as pernas abertas sobre a cobra, sem encostar nela, do rabo até a cabeça. Quem conseguia, era batizado no sábado e desfilava como cobreiro no domingo de carnaval.
Por nascer de improviso, com características excêntricas e organização mínima, se tornou um bloco de sujo histórico. Não bastasse desfilar com uma cobra pendurada no pescoço, os cobreiros pintavam o corpo de preto, com uma mistura de óleo de cozinha, pó de ferro da EFFM e carvão, uma porcaria que dava um trabalho danado pra tirar. Silvio diz que ainda faziam crer que “A tinta dos cobreiros era importada da Groelândia e era feita com óleo de baleia misturado com areia monazítica tirada das terras onde ficava o alambique da cachaça Mula Manca, na estrada que vai pra Guajará Mirim”. Como não eternizar na memória popular um bloco com tanto confete?
Por vários carnavais os cobreiros lambuzados serpentearam nas ruas levando alegria, com couro de cobra empalhado com farelo de arroz ou com réplicas do animal. Pela originalidade ímpar eram sempre homenageados com um troféu entregue por uma autoridade.
Foi um período muito produtivo que até hoje inspira os foliões. Todos os blocos que desfilaram antes e depois do Bloco da Cobra constituem a memória do carnaval de Porto Velho. Se um dia encontrar Getúlio Cavalcanti, direi com orgulho que na minha cidade sei Por Quem os Blocos Cantam, título de seu livro.
Direi que aqui tem gente que faz de tudo pra que um bloco campeão jamais guarde no peito a dor de não cantar.
Luciana Oliveira
Empresária e Jornalista
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