Sábado, 24 de novembro de 2018 - 08h57
Na Folha, por Clóvis Rossi – Jair
Bolsonaro tem confessada admiração pelo presidente Donald Trump, mas, pelo
andar da carruagem na área dos costumes, seu governo caminha para se aproximar
do Irã dos aiatolás, curiosamente um dos grandes inimigos de Trump.
A ideia do escolhido para ministro da
Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, de criar “conselhos de ética” para zelar
“pela reta educação moral dos alunos” tem todo o cheiro da polícia moral
adotada no Irã (entre outros países muçulmanos, como a Arábia Saudita).
A polícia moral iraniana funciona
assim, conforme descrição de Samy Adghirni, brilhante repórter que era à época
(2012) correspondente da Folha em Teerã:
“A mulher abordada [pela polícia
moral] tinha todos os ‘vícios’ da típica infratora: maquiagem berrante, roupa
colorida, casaco que bate na coxa em vez do joelho e, principalmente, um véu
cobrindo apenas a parte de trás da cabeça, deixando à mostra cabelos tingidos
de loira. A moça, entre seus 25 e 30 anos, pediu aos policiais que ao menos a
deixassem pagar o suco consumido”.
Que perigosa criminosa essa moça,
não? A polícia moral estava apenas cumprindo o seu papel de zelar pelo “reto
comportamento” da jovem, nos moldes defendidos pelo futuro ministro da
Educação.
Quem é que vai definir o que é “reta
educação moral”? Um ministro que acha que se deve comemorar o golpe de 1964,
aquele mesmo que prendeu, sequestrou, matou, torturou, baniu e exilou milhares
de pessoas, censurou a imprensa, fechou o Congresso, cassou mandatos políticos
e praticou outras barbaridades?
Os aiatolás, no Irã, fazem a
mesmíssima coisa e também acham que estão apenas enquadrando a população no que
consideram os bons costumes.
O problema principal para a
implantação da tal Escola sem Partido passa exatamente por aí: quem vigia o
comportamento dos professores para assegurar que eles não se desviem da “reta
educação moral”?
Aliás, primeiro seria preciso haver
um razoável consenso na sociedade em torno do que é educação reta.
Para o meu gosto, por exemplo,
educação reta é aquela que festeja a democracia, não a ditadura, como pretende
o ministro indicado.
Sem esse consenso –quase impossível
de alcançar dada a imensa variedade de comportamentos que se encontram
habitualmente em sociedades complexas–, só a implantação de uma polícia moral
para vigiar professores (e alunos, claro).
Pode até se chamar de conselho de
ética, mas não será diferente do fundamentalismo religioso (no caso católico,
em vez de muçulmano) que caracteriza o Irã.
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