Segunda-feira, 24 de abril de 2017 - 13h00
Empresas lançam canais de Denúncia para incentivar
funcionários a relatar suspeitas de atos ilícitos no ambiente de trabalho
No El País
Regiane Oliveira
Profissionais que aderiram a delações premiadas ganharam status de celebridade nos noticiários. Vídeos de executivos da Odebrecht revelando a corrupção de empresários, políticos, funcionários públicos, parceiros comerciais, e seus próprios mal feitos, são de fazer corar os mais incautos. No meio jurídico, as delações se tornaram a solução mais atraente para todos os envolvidos. De um lado, crimes são revelados. E de outro, os acusados recebem redução na pena. Mas e no dia a dia da sua rotina profissional? Você delataria seu chefe, fornecedor ou mesmo cliente envolvido em práticas ilegais, e sem ganhar nada por isso? Hoje em dia, muitas empresas investem em canais de comunicação para que isso aconteça.
Em meio às pressões criadas pela Operação Lava Jato, e em linha com a necessidade de se adaptar às novas determinações da Lei Anticorrupção, sancionada no ano passado, várias empresas têm criado estratégias para incentivar o aumento do controle social em seus negócios, e combater, especialmente, problemas que prejudiquem a imagem e a rentabilidade dos negócios. Uma dessas estratégias chama a atenção pela atualidade. Trata-se do Canal Denúncia, uma espécie de “canal delação”, onde colaboradores e fornecedores de uma empresa podem informar diretamente ao Conselho de Administração da companhia, casos de corrupção, fraudes, assédio, violações de direitos humanos, ações que impactem o meio ambiente ou à comunidade, dentre outros desvios de conduta empresarial.
Esse canal quer atrair pessoas cansadas da desculpa “no Brasil sempre foi assim” e que presenciaram situações nocivas para as companhias. Mas convencer alguém a fazer uma “delação”, especialmente no Brasil, não é tão fácil quanto parece nos noticiários. Dados do Relatório Global de Fraude & Risco 2016/17, da Kroll Consultoria, mostra que 44% das fraudes identificadas globalmente pelo estudo foram reveladas pelos chamados whisteblowers (denunciantes) como Edward Snowden, o analista de informática norte-americano que fugiu para a Rússia depois de divulgar que a Agência Nacional de Segurança (NSA) dos EUA realizava uma ampla espionagem das pessoas no país. No Brasil, no entanto, os denunciantes respondem por apenas 17% das descobertas.
Qual o motivo da resistência dos brasileiros? “Existe um problema cultural de desconfiança em relação à seriedade das instituições. O país é visto pelos brasileiros como um local de impunidade, as pessoas não acreditam que alguém vá tomar providência quanto às suas denúncias”, afirma Luis Vitiritti, CEO e consultor de risco da Risk Log.
Por outro lado, há também desconfiança de quem recebe a acusação. “Seja assédio, roubo de carga ou fraude, sempre fica aquela dúvida se o denunciante está falando a verdade, pois há muita informação falsa.”
Soma-se a esses fatores também um resquício da ditadura militar. No Brasil, a denúncia é vista como traição à democracia, já que os militares utilizavam civis, além de pessoas torturadas, para prestar o que chamavam de “colaboração”, a fim de caçar os “subversivos”. Um caso emblemático é o do cantor Simonal, que teve sua carreira devastada pela suspeita de ser colaborador do regime e lutou até morrer para tentar tirar o rótulo de dedo duro. “Historicamente, sabemos que essa cultura vem de muito antes, pois um povo explorado, escravizado, não tem para quem reclamar. No imaginário popular, ainda vale a regra ‘quem dedar, vai morto'”, afirma Vitiritti.
O modelo da Vale
A Vale, mineradora multinacional brasileira, é uma das empresas que vêm investindo para ampliar o controle social sobre suas operações. “Quando lançamos o canal de denúncia em 2006, o acesso era restrito por meio de cartas ao presidente do Conselho de Administração”, conta Alexandre de Aquino Pereira, ouvidor geral da companhia. Em 2008, o canal passou a abordar também violações éticas e questões relacionadas aos direitos humanos, um desafio para o setor de mineração, cuja atuação pode causar impactos irreversíveis ao meio ambiente, como visto no caso do vazamento da Barragem de Mariana, da Samarco, empresa controlada por uma joint-venture entre a Vale e a anglo-australiana BHP Billiton.
Mesmo assim, o canal continuava subutilizado. Só em 2011, quando ampliou as formas de receber informações, passando a utilizar também uma linha telefônica, um formulário eletrônico e um endereço de e-mail, é que as denúncias começaram a ganhar volume. Pereira afirma que mudar o nome do canal para Ouvidoria também ajudou. “Para desmistificar essa visão policialesca do canal, não chamamos mais de denúncia, para que as pessoas não tenham medo de usar. Denúncia parece coisa de dedo duro e o objetivo não é esse. Queremos promover um comportamento ético na companhia”, explica o executivo.
No ano passado, 45% das denúncias recebidas pela Vale eram relacionadas à gestão de pessoas. Mas conflitos de interesse, fraudes, problemas de saúde e segurança também apareceram nas informações. Dentre as denúncias recebidas, 50% se confirmaram como verdadeiras. Segundo a Vale, todas geraram um plano de ação, com medidas administrativas em relação ao violador e melhoria nos processos para minimizar as chances de que esses problemas voltem a ocorrer.
Se este tipo de instrumento pode ajudar a impedir novos casos como os de Mariana, ainda é uma incógnita. Apesar de ser acionista da Samarco, a Vale informa que qualquer denúncia relativa a problemas com a subsidiária seria reencaminhada para o canal de Ouvidoria da controlada, que foi acusada pela Polícia Federal de saber das falhas na represa.
O DIFÍCIL CAMINHO DA DENÚNCIA NA INICIATIVA PRIVADA
A jornada de uma denúncia até chegar a uma solução não é simples, e depende de quão organizada, e interessada, a empresa está em resolver seus problemas internos. Segundo Edson Cedraz, sócio da área de consultoria em gestão de riscos empresariais da Deloitte, que administra, de forma independente, canais de denúncia de diversas empresas como Queiroz Galvão, Brasilata, Grupo Anglo American e CSE Energia, os relatos chegam à auditoria por diversos canais como telefone, email e até mesmo redes sociais. ” Fazemos, por exemplo, um rastreamento de forma pró-ativa, capturando publicações em mídias sociais que possam ser indícios de futuras denúncias”, explica Cedraz.
Uma vez que a acusação deu entrada na empresa, um sistema classifica o evento de acordo com o assunto: comportamental (como casos de assédio) ou financeiro (como corrupção e fraude); e criticidade – uma denúncia de assédio sexual, como a feita pela figurinista Susllem Tonani contra o global José Mayer, por exemplo, teria prioridade na apuração.
“A partir daí enviamos para um resolvedor dentro da empresa, que terá um prazo, de 24 horas até 30 dias, para estabelecer uma solução, seja ela medida disciplinar, desligamento, nova sanção ou mudança de política, de forma que a resposta volte para o sistema e fique disponível ao denunciante”, explica.
Cedraz admite que a prática está mais evoluída em outros países, como Estados Unidos, onde o denunciante pode até receber algum benefício financeiro por sua colaboração. “No Brasil tivemos casos raros e pontuais em que uma empresa recebeu denúncia identificada, não anônima, e como o denunciante colaborou no processo, ele recebeu parte do que foi recuperado. Mas isso é algo difícil de ser implementado. Hoje não temos legislação e nem clima para algo assim.”
Foi nos Estados Unidos que a Deloitte experimentou de seu próprio remédio. No ano passado, a empresa foi pega por uma investigação do Public Company Accounting Oversight Board (ou PCAOB) – entidade norte-americana sem fins lucrativos que fiscaliza auditores -, por fraude na emissão de pareceres das demonstrações financeiras da Gol Linhas Aéreas, em 2010. E foi justamente a “delação” de um funcionário, que gravou conversas entre seus pares mostrando a fraude, que possibilitou a resolução do caso. A empresa foi condenada a pagar multa de US$ 8 milhões nos EUA e mais R$ 5,36 milhões à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entidade que fiscaliza o mercado financeiro no Brasil. A empresa ainda afastou 12 pessoas envolvidas, dentre sócios e funcionários.
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