Sexta-feira, 27 de novembro de 2015 - 18h35
O que levaria uma jovem de 28 anos ao suicídio em 1914, quando Porto Velho nem havia sido elevada a município e era só terra das elites segundo o poeta, “sob as regras e leis da ferrovia”?
No atestado de óbito número 48, de oito de janeiro daquele ano, o médico William Emerick descreveu como causa da morte de Lydia Xavier de Lima: “corrosive sublimate poisoning – suicide”.
O único registro além do atestado de óbito era seu túmulo no cemitério da Candelária, mas foi saqueado como tudo que diz respeito à lendária Estrada de Ferro Madeira Mamoré com o passar do tempo.
De Lydia sobrevivera, felizmente, uma tímida citação no livro ‘Nas Selvas Amazônicas’ do escritor Manoel Rodrigues Ferreira, que ao descrever sua passagem pelo então Território Federal do Guaporé destacou o atestado de óbito.
Há mais de um século do suicídio da jovem, de quem nada se soube e não sobrou registro, meu pai Antônio Cândido da Silva transformou aquele curioso obituário no seu primeiro romance e deu como título: Lydia Xavier.
A inscrição na lápide e a causa da morte o inspiraram à ficção de um amor secreto entre uma pernambucana e um americano que acabou em tragédia e sem testemunhas.
“Pobre Lydia! Pensava ele recordando o dia em que foi chamado às pressas pelo filho da vizinha para ir até a casa dela com urgência. Lydia estava lá, deitada na cama, vomitando sangue e contorcendo-se em dores”.
No atestado, doutor Emerick registrou que seus pertences foram guardados, pois não havia amigos ou parentes a quem pudesse entregá-los. A morte por suicídio e a constatação da solidão em que Lydia vivia, como peças num quebra-cabeças se encaixaram à inscrição na lápide: “Died Jan 8, 1914. We Love You”.
Meu pai vive à vasculhar os escombros da nossa história e sabe que naquela época, muitos eram enterrados como indigentes, pois vinham de vários lugares só com a coragem e o sonho pra enfrentar as abissais dificuldades de uma cidade nascendo com floresta por todos os lados.
Se Lydia tinha um túmulo em alvenaria, com inscrição romântica em inglês, quem teve o cuidado de lhe deixar tão terna mensagem em sofisticado abrigo sepulcral, tinha posses e de fato a amava, mas não podia lhe assumir publicamente.
No romance, o amante americano que ninguém sabe que fim levou chama Harrisson e a morte de Lydia é contada como o primeiro suicídio de Porto Velho.
Se a ficção se aproximou da realidade nunca saberemos, mas Lydia Xavier, que morreu após engolir soda cáustica, há um século, além de um túmulo decente com mensagem amorosa, ganhou também um romance. A mulher que pouco viveu, deixou muita história pra contar e quem quiser que conte outra.
Luciana Oliveira
Empresária e Jornalista
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