Quarta-feira, 9 de julho de 2014 - 16h02
A ÚLTIMA VIAGEM DO TREM DA MADEIRA-MAMORÉ
Nesta quinta-feira, 10 de julho, completará 42 anos da “morte” daquilo que deu início a tudo o que hoje é o Estado de Rondônia. A extinção definitiva da ferrovia Madeira-Mamoré, fato ocorrido naquela data, em 1972, quase 60 anos depois de sua inauguração e 41 anos depois que o consórcio anglo-canadense abandonou a estrada e o coronel Aluízio Ferreira assumiu, por determinação do Governo Federal, a sua administração.
A construção da EFMM, considerada à época, de forma orgulhosa, “a maior obra norte-americana fora dos Estados Unidos” atendeu a uma velha reivindicação boliviana mas corporificada só depois que seringueiros e seus “patrões”, na região onde hoje é o Estado do Acre, invadiram aquelas terras então pertencentes àquele país. A obra, fruto do Tratado de Petrópolis, foi construída entre 1907 e1912 quando foi inaugurada.
A decisão de extinguir a ferrovia havia sido tomada em 25 de maiode 1966, por decreto do presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, mas ela só deixou de funcionar a 10 de julho de 1972 quando a rodovia, interligando Abunã a Guajará-Mirim, já estava pronta.
A execução da decisão do presidente Castelo Branco foi feita pelo 5° Batalhão de Engenharia de Construção, unidade cujos primeiros contingentes chegaram a Porto Velho em 1966, e isso gerou uma discussão grande que colocou de um lado o BEC e, de outro, parte importante da sociedade local, ferroviários ee seus familiares – um atrito que, passados mais de 40 anos, ainda perdura.
Em 1981, depois de um seminário sobre a ferrovia, realizado num dos galpões da estação de Porto Velho, o governador Jorge Teixeira mandou fazer um estudo e abrir dois trechos, com finalidade turística, entre Guajará-Mirim e Bananeiras e Porto Velho a Santo Antonio. Mas isso durou pouco.
Quem assistiu aos últimos momentos da ferrovia não esquece. O comerciário aposentado Graciliano Maia (então morador de Guajará-Mirim), ainda se diz impressionado “com a frieza do coronel Oliveira (diretor da EFMM) que não se sensibilizou com o sofrimento que aquele ato iria causar a centenas de famílias de pequenos agricultores que ficaram entregues à própria sorte no meio da selva”.
“A manutenção da Madeira-Mamoré era uma necessidade para incentivar o desenvolvimento da produção agrícola da região que a ferrovia passava e onde muitas famílias produziam e abasteciam Porto Velho e Guajará-Mirim. A função social dela tinha grande importância”, disse o jornalista Euro Tourinho.
A seguir, a poesia “A Última Viagem”, autorizada a publicação pelo seu autor, o romancista, poeta e historiador Antonio Cândido:
A ÚLTIMA VIAGEM
Do livro “Madeira-Mamoré – O vagão dos esquecidos”
Autor: Antônio Cândido da Silva
(poeta, romancista, historiador, membro da Academia de Letras de Rondônia, Cadeira nº 16)
Antonio Candido
Sete horas da manhãa.
Apita a máquina doze,
para a última viagem
que agora se inicia.
O sino da estação
parece dobrar finados
inundando nossa alma
de imensa nostalgia.
As casas vão se perdendo
na tristeza da distância,
os velhos carros parados
lá no desvio da estrada.
Estrada que beija o rio
assim, pela vez primeira,
Santo Antônio, lá na frente,
é a primeira parada.
A história vai surgindo
nas pedras da cachoeira,
nas ruínas da cidade,
nas curvas que o rio faz.
O trem apita e desperta
o passageiro que sonha.
O casarão vai sumindo
e tudo fica pra trás.
Alguns minutos depois
o posto de Teotônio
onde o trem bebe água
para poder prosseguir.
Para depois em São Carlos
o posto do telefone,
velha casa de madeira
que sozinha existe ali.
Depois a máquina avança
No caminho da floresta,
pra chegar a Lusitânia
lá onde uma casa há.
Assim seguindo viagem
por uma curva fechada,
o trem atravessa a ponte
chega a Jacy-Paraná.
Por volta de doze horas,
a hora de almoçar.
Depois do almoço o trem se movimenta
e Jacy vai ficando na lembrança.
Suas casas perfiladas para a linha
guardam sonhos do tempo de bonança.
Vamos chegar àCaldeirão do Inferno,
uma parada ao pé da corredeira.
Mais à frente a parada de Jirau
que leva o nome dado à cachoeira.
Mais uma ponte, embaixo o velho rio,
silencioso no seu caminhar.
O trem apita, diminui a marcha,
e em Mutum-Paraná vamos parar.
O trem se move e logo a nossa frente,
“a grande reta” num traçar bonito.
Quarenta e quatro mil metros de trilhos
se perdem na distância do infinito.
O sol vai se perdendo no poente
e a Vila de Abunã vem se mostrar.
Suavemente a noite cobre a Vila
nos convidando para repousar.
O trem apita quando nasce o dia
no sorriso festivo da manhã
e a branca fumaça da caldeira
é o lenço dando adeus a Abunã.
Depois a solidão de mata virgem
que parece abraçar a ferrovia.
Breve parada em Penha Colorada
e a viagem se reinicia.
Rio Taquara, a ponte, o vilarejo,
a escola, o telefone, a solidão.
Pouco depois o trem para em Araras
casas de palha a identificação.
A próxima parada é Periquitos
cujo nome adotou da cachoeira
com as casas de palha e de tijolos
construídas à margem do Madeira.
O trem mais uma vez se movimenta,
indo encontrar à margem do Madeira
mais um local onde deve parara.
Chocolatalem frente à cachoeira
onde descansa o trem por meia hora
antes de ir a Ribeirão chegar.
Ribeirãoé mais uma cachoeira,
posto dos índios e telefonia,
aonde o trem sua parada faz.
Misericórdia, rápida parada,
depois Madeira, outra cachoeira,
sendo mais uma que ficou para trás.
A viagem prossegue, e na distância,
Vila Murtinhojá pode ser vista
com a sua imponente estação.
Ali se encontram Beni e Mamoré
e o rio Madeira caudaloso,
assim começa dessa união.
Depois vem a floresta novamenete.
De repente se vê no Mamoré
a cachoeira Guajará-Mirim.
Pouco depois, na linha do horizonte
aparecem as torres da matriz
e a viagem do trem chegou ao fim.
Antigamente, em todo esse percurso,
eram quarenta e oito as paradas
que na viagem nosso trem fazia.
Hoje, porém, se vê ao desalento,
paradas recobertas de saudade do fim
ao lado de uma triste ferrovia.
Amanhã: Eu vim de carona na última viagem de litorina
O guajaramirense Graciliano Maia, filho de um dos ferroviários da EFMM, lembra a última viagem da Litorina, uma das formas de transporte usadas sobre o trilho da ferrovia e fala do vazio pós extinção, especialmente entre as comunidades ao longo da estrada.
Lúcio Albuquerque
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