Segunda-feira, 20 de julho de 2020 - 11h44
Nelson Rodrigues, teatrólogo, jornalista, filósofo,
dizia que toda unanimidade é burra. Dizem os mais experientes que uma coisa
nunca é tão inteiramente má ou não é tão inteiramente boa. Concordo com as duas
assertivas, razão pela qual acolhi sugestões a respeito do tema deste capítulo,
O legado de 1964 para Rondônia.
Em 1981 o maior anseio do rondoniense, e isso já
vinha desde muitas décadas antes, era a criação do Estado de Rondônia com o
consequente fim do Território Federal, um “aborto constitucional”, como
classificava em 1978 o vereador Cloter Mota (PVh/MDB). Políticos e lideranças
de diversos segmentos diziam que “governador de Território em Brasília é
tratado como funcionário de terceiro escalão”. Membro do Judiciário ou do
Ministério Público destacados para qualquer dos Territórios Federais sabia que
ali era o alfa e o ômega da carreira.
Nas várias entrevistas que fiz a respeito do Território, a maior
resistência era de comerciantes, incluindo lideranças da categoria, e isso,
conforme o chefe do posto da Receita Federal, tinha uma explicação: com o
Território praticamente não se recolhia impostos e, além dos federais e das taxas
municipais, o Estado também teria os seus.
O jornalista e vereador Amizael Silva, em 1977,
quando foram criados cinco municípios, comentava: “Por melhor que seja um
distrito, ele nunca vai oferecer as oportunidades de um município, e por melhor
que seja o Território ele não oferecerá o que oferece um Estado”.
É comum ouvir de antigos moradores de Guajará-Mirim
e Porto Velho que 1964, no caso específico de Rondônia representado pelos
militares do 5º BEC, foram cometidos atos que atentaram conta a história e a
tradição nessas duas cidades. O mais exponencial é o fim da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré.
“Os militares jogaram no Rio Madeira equipamentos e
documentos, e quando acabou a ferrovia, famílias moradoras nas pequenas
comunidades por onde o trem passava ficaram no abandono”, tenho ouvido desde
que cheguei aqui para ficar três meses, e já se vão lá quase 50 anos, mas
sempre são citadas questões como a remoção dos moradores do Baixa da União, da
assunção da área onde é o quartel do batalhão e algumas outras. Mas de maneira
geral concordam que o 5º BEC teve um papel fundamental para o desenvolvimento
regional, com destaque à abertura e/ou manutenção de estradas vitais para
Rondônia e Acre.
O historiador Abnael Machado de Lima lembrava o
caso do fechamento da URES, União Rondoniense de Estudantes Secundários, cujo
presidente o estudante João Lobo foi preso. Foi um episódio lamentável que
cerceou a formação da consciência política da juventude, lembra Abnael, ele
próprio membro ativo da entidade, sendo um dos redatores do jornal O Estudante.
“Meio século depois ainda não esquecemos as
humilhações que sofremos, e as a que foram submetidas pessoas da nossa
sociedade”, continuava o historiador. Em 2005 João Lobo, que presidia a URES em
1964, e foi preso, dizia em entrevista ao projeto Testemunha da História ao
falar daqueles dias que bem poderiam se enquadrar no livro “Eu, réu sem crime”
de Seixas Dória, governador sergipano de 1964. “Nós também sofremos sem ter
culpa e só porque queríamos ter voz ativa na sociedade”, segundo Abnael,
falecido em 2019.
Para o historiador Antonio Candido, a maneira como se deu a extinção da
ferrovia Madeira-Mamoré foi o fato mais violento, como também diz o romancista
Paulo Saldanha.
E quando confrontados a pergunta sobre ganhos e
perdas, pessoas como Cloter Mota, João Lobo, Dionísio Xavier e José de Oliveira
Barroso, o Carmênio, que não era membro do pecebão, admitiram que aqui aconteceu ter ocorrido forte pressão
psicológica capaz de influenciar toda uma geração, mas que, para Rondônia,
houve fatos positivos.
O ESTADO
Pela dimensão que isso proporcionou, a criação do
Estado, em 1981, fez de Rondônia o primeiro dos Territórios Federais a alcançar
essa nova denominação e, mais que isso, permitiu que as estruturas comuns a uma
Unidade Federativa dessem uma dinâmica diferente para a “Terra sem homens para
homens sem terra”, como dizia a campanha que visou atrair migrantes para as
terras do “Eldorado”. O Estado instalado a 4 de janeiro de 1982, no entanto,
como disse o representante do presidente João Figueiredo o ministro Ibrahim
Abi-Ackel, no dia 6 de agosto de 1983, “só agora, com a promulgação de sua
Constituição, tem sua certidão de nascimento consolidada”. Coube ao deputado
José Bianco, presidente da Assembleia Estadual Constituinte, promulgar a
primeira Carta Magna do novo Estado.
ADMINISTRAÇÃO
No período 1944/1964
tivemos 18 governadores para 20 anos. De 1964/1981 tivemos 9 governadores,
sendo que os dois últimos – Humberto Guedes de 1975 a 1979 e Jorge Teixeira de
1979 a 1985, ficaram 8 daqueles 17 anos, o que gerou um fator muito importante
para a organização de qualquer coisa, a continuidade administrativa, permitindo
planejamento a longo prazo e sua aplicação.
Um fato da maior
importância no período Humberto Guedes foi a contratação de jovens
recém-formados, trazidos para Rondônia, e
esse diferencial pesou muito para o desenvolvimento das novas
comunidades, a sua interiorização, enraizando-os e permitindo a presença do
governo inclusive nos Nuares (*), alguns distantes mais de 50 quilômetros do
eixo da rodovia BR-364.
A BR-29
Em 1960 o presidente
JK atendeu ao apelo do governador Paulo Leal (RO) e do governador Manoel
Fontenele (Acre) e mandou construir a BR-29 (364), reduzindo distâncias e dando
ao Brasil a oportunidade de conhecer este lado de cá do país. Como rescaldo da
construção começaram a surgir pequenas comunidades ou fortalecer outras já
existentes e que eram apenas postos telegráficos da epopeia implantada pelo
Marechal Rondon entre 1907 e 1909, mas a BR estava literalmente sendo engolida
pela selva. Sem qualquer dúvida sua construção foi o divisor de águas para o
desenvolvimento da região.
O 5º BEC
Um ano depois de
1964 - o movimento militar, quartelada, golpe, ditadura, redentora, ou seja lá
como o leitor trate aquele período, o presidente Castelo Branco manda
constituir uma unidade militar que passou a ser denominada 5º Batalhão de
Engenharia de Construção, que se instalou em 1966, e uma das missões claramente perceptíveis foi
a de manter aberta a rodovia, tanto é que apesar de seu comando se encontrar em
Porto Velho, mantinha contingentes em Vila Rondônia (Ji-Paraná) e Vilhena, no sentido
sul; Abunã e Rio Branco (esse último no
Acre).
Ao 5º BEC ficou o
encargo de cumprir a determinação de gerenciar a construção de uma estrada (a
BR-425) que ligasse Abunã a Guajará-Mirim, e que, ao ser concluída determinou o
fim da rolagem dos trens da madevia, o que aconteceu em 1972, mas gerando
ressentimentos que continuam mais de 40 anos depois.
O PROJETO FUNDIÁRIO
RONDÔNIA
Naquele mesmo
período o Governo Federal decidiu incentivar a ocupação de sua fronteira na
Amazônia Ocidental, e Rondônia, por ser a porta de entrada via rodoviária,
acolheu milhares de famílias no período 1966 a 1987, o que gerou
desenvolvimento, mudança de costumes e o próprio Estado. Isso só foi possível
graças à aplicação do Projeto Fundiário Rondônia, sob responsabilidade do Incra,
coordenado pelo agrimensor Sílvio Gonçalves de Farias, militar do Exército
aonde chegou ao posto de capitão. Sem
qualquer dúvida, foi aquela equipe, constituída por jovens recém saídos dos
cursos técnicos ou faculdades, sob a coordenação do capitão Sílvio, aliado ao
apoio do Governo Federal, que permitiu o sucesso da empreitada que gerou vários
projetos de assentamento e colonização, o surgimento de mais de 45 municípios e
o próprio Estado (O trabalho do INCRA em Rondônia tem seu melhor relato no livro
“RONDÔNIA – Geopolítica e Estrutura Fundiária”, escrito por José Lopes de
Oliveira (lopesoliveira12@yahoo.com.br), engenheiro agrônomo do INCRA.
A ECONOMIA
Em 1960 o censo (do
IBGE) mostrou que Rondônia contava com pouco mais de 70 mil habitantes e dois
municípios. Em 1981, quando da criação do Estado, já estava em quase 500 mil,
um crescimento superior a 70% gerado pela chegada de milhares de famílias
migrantes que se instalaram, em sua imensa maioria, ao longo da BR-364 sentido
sul e foram abrindo picadas para um lado e para o outro em busca de novas
terras, provocando enormes mudanças em todos os sentidos. A economia era à base
do extrativismo vegetal, com destaque para a extração da borracha, da poaia, da
colheita da castanha, e no período do fim da década de 1950 a 1980 da extração
da cassiterita, especialmente na microrregião de Ariquemes.
Historicamente, desde a metade do Século XIX até
1964, a economia rondoniense tinha a mesma base: o extrativismo vegetal que, a
partir de 1960, com a descoberta da cassiterita, gerou também o extrativismo
mineral. Com a chegada dos migrantes esse quadro mudou, passando a economia ter
mais força na produção de bens de consumo alimentar, na extração da madeira e,
no aumento do comércio para atender esse novo mercado, trazendo consigo outras
atividades complementares.
UNIVERSIDADE
Antonio Cantanhede,
em Achegas para a história de Porto Velho,
cita que ainda por volta de 1920 lideranças locais já falavam em
instalar uma escola de nível superior, mas isso só iria acontecer na década de
1970 com a implantação da Fundacentro, da prefeitura porto-velhense. Na mesma
década começaram a funcionar extensões das universidades federais do Acre, do
Pará e do Rio Grande do Sul.
Em 1983, já na condição de Estado, o Ministério da Educação instalou a
Universidade Federal de Rondônia, UNIR, tendo como seu primeiro reitor o reitor
professor Euro Tourinho Filho.
ENERGIA
Mesmo depois de
instalado o Estado, em 1982, um gargalo forte ao desenvolvimento econômico e
social tinha um nome: a energia elétrica. E um motivo: a geração era
termelétrica, à base de óleo diesel, gerando uma força inconfiável e constante
em quedas ou em suspensão ao funcionamento. Naquele ano começaram as obras de
construção da primeira hidrelétrica, a de Samuel, que abastecia de Porto Velho
a Rio Branco (AC). Em 1994 no governo Osvaldo Piana, foi ampliada a área de
fornecimento, coma extensão de um linhão
desde Samuel que levava energia elétrica
até a região central do Estado, iniciando uma nova e importante era de
desenvolvimento da “”Nova estrela no céu da União”, como dizia o slogan do 23º
Estado brasileiro.
COMUNICAÇÕES
Um setor altamente
beneficiado no período pós-1964 em Rondônia foi o das comunicações. O sistema
telefônico era precário e pior quando se tratava de interurbano. Com a
constituição da Teleron esse quadro mudou e Rondônia passou a ter telefonia não
só nas cidades maiores, mas também nas pequenas vilas e distritos.
Mas esse benefício
chegou efetivamente só na segunda metade da década de1970, pela instalação, inicialmente, do sistema de
tropodifusão e, a seguir, pela transmissão via satélite, através da Embratel,
sendo que na área de televisão o sinal direto começou a chegar no dia da
abertura da Copa do Mundo de 1978.
DO TERRITÓRIO AO
ESTADO
Linha do tempo
1937 – Comerciantes da região de Guajará-Mirim
enviam documento ao presidente Getúlio Vargas pedindo a criação de um
Território com a capital em Guajará.
1940 – O presidente Getúlio Vargas vem a Porto
Velho e ouve pedidos para a criação do Território Federal.
1943 – O presidente Getúlio Vargas cria vários
Territórios Federais, um deles o do Guaporé e nomeia seu primeiro governador,
Aluísio Pinheiro Ferreira.
1944 – O governador Aluísio Ferreira constitui a
Guarda Territorial.
1947 – O Território elege seu primeiro deputado
Federal, Aluísio Ferreira.
1955 – Confirmada a existência de um forte veio de
cassiterita na região e começa uma invasão de garimpeiros.
1956 – O presidente Juscelino Kubistcheck assina a
Lei mudando a denominação do Território, de Guaporé para Rondônia, homenagem ao
Marechal Rondon.
1960 – O presidente JK manda abrir rodovia 029 – depois BR-364.
1960 – O governador Paulo Leal manda vir de São
Paulo pela rodovia uma comitiva de veículos comprados pelo Território. A
caravana Ford leva dois meses para chegar a Porto Velho.
1961 – Começa a funcionar a primeira emissora de
rádio, a Caiari.
1964 – Dizendo-se “agente da revolução”, o capitão
Anachreonte toma posse como “interventor” no Território e começa uma série de
prisões e perseguições.
1965 – O presidente Castelo Branco cria o 5º
Batalhão de Engenharia de Construção.
1966 – Comandado pelo tenente-coronel Rogério
Weber, o 5º BEC chega e se instala em Porto Velho.
1969 – O Moto Clube é o primeiro time de futebol da
Amazônia Ocidental a jogar no Maracanã, na preliminar de um jogo da
eliminatória para Copa de 1970.
1969 – Os Territórios Federais ganham o direito de
eleger seus vereadores – Rondônia tinha apenas dois municípios, Porto Velho e
Guajará-Mirim.
1972 – Pela última vez o trem da ferrovia
Madeira-Mamoré apita e está realmente extinta a EFMM.
1975 – O governador Humberto Guedes cria a Polícia Militar de Rondônia, que
substitui a Guarda Territorial.
1977 – O governador Humberto Guedes instala cinco
novos municípios no Território criados pelo presidente Ernesto Geisel.
1979 – Rondônia tem seu último governador na
condição de Território, Jorge Teixeira, de Oliveira, que seria também o
primeiro do Estado.
1981 – O Congresso Nacional aprova a Lei criando o
Estado de Rondônia e extinguindo o Território Federal.
1982 -
Instalado o Estado e o governador Jorge Teixeira cria o Poder Judiciário e o Ministério Público.
1982 – Começa a construção da hidrelétrica de
Samuel.
1982 – Primeira eleição estadual – menos para
governador que só seria em 1986.
1983 – Criado, pelo governador Jorge Teixeira o
Tribunal de Contas do Estado.
1983 – Instalada a Assembleia Estadual Constituinte
em fevereiro, e em agosto é promulgada a primeira Constituição estadual.
1983 – O presidente João Figueiredo cria a
Universidade Federal de Rondônia e nomeado seu primeiro reitor o professor Euro
Tourinho Filho.
1984 – O presidente João Figueiredo inaugura o
asfaltamento da rodovia BR-364.
(*) Nuar – Núcleo Urbano de Apoio Rural,
funcionando num prédio de madeira, em forma redonda sendo que em seu interior
havia uma administração, um postinho de saúde, agência dos Correios, algumas
vezes até um Posto Telefônico. Instalado em locais distantes mais de 25
quilômetros do eixo da BR-364, eles também tinham função social. Uma grande
parcela dos municípios fora do eixo da BR-364 no sentido sul foram gerados a
partir desses nuares.
1964 em RO – Capítulo final, 5ª feira, com opiniões
e correções.
Galeria de Imagens
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