Domingo, 7 de junho de 2020 - 10h05
De repente um desconhecido mandou o governador substituto dizer que estava doente, pegou as chaves da prefeitura trancando suas portas, constituiu um nova administração, mandou prender gente, nomeou gente, era como se diz no interior amazônico, “o cara que casava e batizava”. Era o “homem invisível”.
Ninguém sabe explicar como ele chegou, nem quando chegou. Depois que ele se instalou houve quem tivesse muitas teorias sobre quem seria o homem invisível viera de Manaus com ordens para fazer o que fez, ou se só aqui, onde teria vindo como pagador do Exército, é que recebera a determinação de agir. Pode ter vindo na sexta-feira, e ficado até dia 31, terça-feira, apenas observando e, por isso, ninguém prestou atenção nele, apesar de algumas pessoas com as quais eu conversei disseram lembrar daquele homem olhando, como se estivesse de passagem, indagando, como se quisesse orientação sobre um ponto qualquer. O historiador Esron Menezes lembrava tê-lo visto conversando com vendedores ou clientes no Mercado Público.
Na época havia em Porto Velho a 3ª Companhia de Fronteira, então comandada pelo major Carlos Augusto Godoy – que em 1990 foi candidato a vice-governador na chapa liderada pelo senador Olavo Pires, assassinado durante a disputa. Godoy tinha muitos laços com Rondônia, comandara a guarnição de Guajará-Mirim onde casara com uma jovem, filha de família tradicional da Pérola do Mamoré.
Em Porto Velho, como em outras cidades do país, havia sindicatos atuantes, os estudantes eram congregados na União dos Estudantes de Rondônia e um de seus dirigentes era o aluno João Lobo, do Carmela Dutra, participante ativo, como outras lideranças estudantis e de trabalhadores, das reuniões que todos os sábados aconteciam na casa do jornalista Dionísio Xavier, o Velho Dió, que se revezava nas orientações depois da feijoada semanal com outro comunista, enviado junto com Dió para organizar o PCB aqui, o contabilista Cloter Saldanha da Mota.
“Os dois eram os principais oradores das reuniões a que compareciam muitos vizinhos do bairro da Arigolândia , onde pontilhavam duas outras lideranças, Otávio Félix e Zacarias”, recorda o historiador Abnael Machado de Lima, membro da Academia de Letras de Rondônia, ACLER, então professor do Carmela Dutra.
Naquele tempo funcionavam células identificadas como comunistas, havia a ala ligada ao deputado federal carioca Leonel Brizola, o Grupo de Onze, com ramificações também no Território.
O HOMEM MISTERIOSO TEM NOME E MISSÃO
O homem misterioso tinha nome: Era o capitão-engenheiro do Exército Anachreonte Coury Gomes, conforme cita o historiador Francisco Matias, em Pioneiros , lembrando que em razão da viagem ao Rio de Janeiro do governador Abelardo Mafra, que foi preso naquela cidade, a administração do Território ficara a cargo do secretário Eudes Camponizzi que, conforme várias pessoas, “foi persuadido pelo capitão a adoecer e ficar em casa”.
No dia 30 de março Anachreonte foi até ao colégio Carmela Dutra, conversou com a diretora, professora Marise Castiel, e pediu para falar com o professor Lourival de Souza França, das cadeiras de Português e Francês. Ela chamou o professor Lourival e os dois se trancaram na sala da diretoria onde conversaram durante mais de uma hora, recordou Abnael.
No início da noite de 31 de março o homem que ninguém sabia quem era e nem o que estava fazendo, foi até a redação do jornal Alto Madeira, ainda na velha sede da Rua Barão do Rio Branco. Na porta estava o diretor, jornalista Euro Tourinho que, quase meio século depois, ainda se lembrava da cena.
“Ele chegou, deu boa-noite, perguntou se era ali o jornal Alto Madeira, puxando conversa. Quis saber sobre lideranças, comerciantes, era como se estivesse aprendendo a cidade. Perguntou sobre o deputado federal Almino Afonso (PTB/AM e líder do partido na Câmara). Eu disse a ele que o Almino foi garoto criado aqui entre nós, seu pai foi prefeito, e que nós éramos amigos desde a adolescência”. O visitante também queria saber sobre o deputado federal Renato Borralho de Medeiros.
Depois fez sua apresentação: “Capitão Anachreonte, da Arma da Engenharia, vindo de Manaus, onde servia no 27º Batalhão de Caçadores. A seguir conversamos sobre o que chamam de “amenidades”, sem ele citar o que estava fazendo. Depois perguntou se poderia entrar e usar a sala do diretor para uma reunião”.
Euro continuou: “Disse a ele que poderia usar e a seguir chegou meu irmão Luiz Tourinho que foi convidado pelo capitão a ir com ele a alguns locais da cidade. Mais tarde houve uma reunião em que o capitão anunciou sua condição de interventor, destituindo o governo, indo até à sede da prefeitura, onde pegou as chaves do prédio, das mãos do vigia, e deu ordem para ninguém entrar”.
Ainda naquela noite o interventor nomeou os membros do novo governo: conforme consta no livro “Pioneiros”: Mário de Almeida Lima, secretário-geral (espécie de vice-governador) e diretor administrativo; Luiz Tourinho, assessor de Imprensa e porta-voz do governo); Lourival de Souza França, chefe de gabinete; Ely Goraieb, diretor da Divisão de Segurança (função similar hoje a secretário de Segurança); Divisão de Saúde médico Leônidas Rachid Jaudy; Educação, Lourival Chagas da Silva; Obras, Calmon Viana Tabosa; Serviço de Geografia e Estatística Rubens Cantanhede Mota; Serviço de Navegação do Guaporé, Wilson Hayden; prefeito de Porto Velho, Hamilton Raulino Gondin; comandante da Guarda Territorial Eduardo Lima e Silva; delegado geral, Orlando Freire; prefeito de Guajará-Mirim Clementino Gomes.
No episódio de troca de cargos, houve um caso típico do medo que a população estava, fato narrados pelos jornalistas João Tavares Pinheiro, Rochilmer Rocha e Osmar Vilhena . Um dos convidados teria sido procurado na madrugada do dia 31. Acordado, ainda de pijamas, morador numa casa no bairro do Caiari, teria levado um susto ao se confrontar com uma patrulha mista da 3ª Cia com a Guarda Territorial. Pensando que estava sendo preso, teria apontado para a casa vizinha e dito que “o comunista mora ali do lado”. O comunista do caso era o médico e etnólogo Ary Pinheiro (ao fim dessa sériesobre 1964 em Rondônia leia o artigo do professor Abnael Machado de Lima “Causos do Guaporé/Rondônia - A Conjuração Guaporense/Beninana).
Mas a população só tomou conhecimento de que alguma coisa diferente estava acontecendo efetivamente, a partir da manhã de quarta-feira, 1º de abril, quando patrulhas mistas do Exército e da Guarda Territorial circulavam pela cidade, impedindo reuniões nas esquinas, prendendo gente e bloqueando ruas. “As prisões aconteciam mais à noite, quando uma viatura com a patrulha chegava, os soldados batiam na porta e aí quem estavam procurando era levado preso; os membros do governo deposto para o quartel da Guarda Territorial, no bairro Arigolândia, já os “comunistas” e dirigentes classistas eram levados para o cassino dos oficiais da 3ª Companhia”, recordou o jornalista Euro Tourinho.
Em suas primeiras medidas o interventor (que também se autointitulava, e sem qualquer documento comprovando isso, “agente da revolução”), determinou várias prisões. Quando visitava uma escola, se não havia professor para uma turma, ele perguntava qual o assunto que estavam estudando e aí aplicava a matéria
Segundo vários testemunhos, o capitão Anacrheonte era uma pessoa afável. Como interventor ficou apenas alguns dias até ser substituído pelo coronel Cunha Menezes, que só andava a cavalo e usava sempre um rebenque e em cujo Governo, pelo Decreto 434, de 26 de março de 1965, foi instituído o 5 de maio, data de aniversário de Candido Rondon como o Dia de Rondônia e, também, criada a Ordem do Mérito Marechal Rondon, conforme matéria assinada pelo professor Abnael Machado em 2009 no jornal Alto Madeira.
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