Segunda-feira, 7 de abril de 2014 - 08h34
Lúcio Albuquerque
jlucioalbuquerque@gmail.com
(Consultoria do historiador Abnael Machado de Lima)
Para falar da política partidária na região que Roquete Pinto chamou, em 1915, de Terras de Rondon (alusão ao trabalho de Candido Mariano da Silva Rondon na implantação da linha telegráfica Cuiabá/Porto Velho - 1909 a 1913), é necessário uma viagem que nos retorna ao ano de 1912, quando o major da Guarda Nacional José Jorge Braga Vieira foi escolhido presidente do primeiro diretório político local, em Santo Antonio, então município de Mato Grosso e, em 1915, ele próprio, como já fizera em Santo Antonio, instalou eleito em Porto Velho, o diretório do Partido Republicano Conservador, sendo eleito seu presidente (Antonio Cantanhede, Achegas para a História de Rondônia).
Em Santo Antonio, em 1914 aconteceu a primeira eleição, sendo eleitos o superintendente (prefeito) e os intendentes (vereadores). Em Porto Velho a primeira eleição foi em 1917 escolhido o médico Joaquim augusto Tanajura para a prefeitura e os intendentes. Em 1930 o padre Raimundo Oliveira foi o segundo prefeito eleito.
Em 1922 Joaquim Augusto Tanajura foi eleito simultaneamente prefeito de Porto Velho e deputado estadual na Assembléia Legislativa do Amazonas, mas teve os dois mandatos cassados pelos revolucionários de 1924, sendo reintegrado em setembro daquele ano. A partir de então não houve mais eleição municipal.
Mas a 1 de janeiro de 1947, já na condição de Território Federal do Guaporé, o coronel Aluízio Pinheiro Ferreira, do PSD, foi eleito deputado federal, na única vaga disponível, derrotando Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha, da UDN, que foi apoiado pelo governador Joaquim Rondon e pelo médico Osvaldo Piana (pai do futuro governador Osvaldo Piana Filho). O escritor Paulo Saldanha, membro da Academia de Letras de Rondônia, AACLER, não tem dúvida: a eleição teria sido fraudada.
Naquela disputa o médico Renato Medeiros pedia votos para Aluízio, de quem logo se afastaria passando, Renato, a liderar o grupo de oposição. Em 1950 Aluízio foi reeleito. Perdeu em 1954 para Joaquim Vicente Rondon, iniciando aí um período importante da política local, com dois grupos distintos, o cutubas, aluizista, e o peles-curta, renatista.
Os principais cutubas eram Ary Pinheiro, Enos Eduardo Lins, Ary de Macedo, José Saleh Morheb, Francisco Paiva. A liderança pele-curta era formada por Inácio Mendes, Joaquim Rondon, Renato Medeiros, Oswaldo Piana (pai do futuro governador Osvaldo Piana - 1991/94).
A disputa política era renhida, e o lado que elegesse o deputado federal ficava com todos os cargos no Governo. Havia práticas violentas. Se o funcionário público fosse do lado que perdeu a eleição, corria o risco de ser transferido para lugares bem distantes, era uma prática comum, muitas vezes isso acabava destruindo a família, lembrou em gravação ao projeto Testemunha da Historiai a ex-deputadaestaduale ex-vice-governadora (1995/1999) Odaísa Fernandes, uma pele-curta.
Em 1958 Aluízio voltou a vencer, mas em 1962 Renato Medeiros ganhou, numa disputa em que houve de tudo. Foi quando aconteceu o episódio que passou para a história política rondoniense como Caçambada Cutuba, resultado de uma caçamba pertencente à Prefeitura da capital, cujo motorista invadiu um comício pele-curta, ferindo algumas pessoas.
Foi o ato de maior violência das disputas eleitorais locais – até 1990 quando o senador Olavo Pires, candidato ao governo do Estado, foi assassinado no início do segundo turno da campanha.
A Caçambada Cutuba gerou uma discussão que continua até agora, mais de 60 anos depois. Para os remanescentes dos peles-curtas não há dúvida: o ato do motorista teria sido incentivado por membros da campanha cutuba, que se defendem dizendo que isso seja mentira. As citações de que houve mortes na ocasião são desmentidas mesmo por eminentes peles-curtas, como o jornalista Euro Tourinho e o historiador Abnael Machado de Lima. O historiador e cutuba Esron Penha de Menezes (já falecido) dizia sempre que afirmações sobre mortes na Caçambada seriam fofocas políticas sem provas.
O fato acabou sendo levado a se transformar em roteiro de um filme, com o título A Caçambada Cutuba, cujo produtor Zola Xavier, filho do dirigente comunista local Dionísio Xavier da Silveira, chegou a fazer a apresentação, em 2011, de uma síntese do filme, no Teatro Banzeiros, em Porto Velho.
Na ocasião, durante os debates, pessoas que se disseram ligadas aos renatistas afirmaram que tinha havido mortes, mas quando confrontados com a pergunta de um participante, sobre números e nomes, não souberam dizer. O filme, pelo visto, não vingou.
RENATO CASSADO
Em 1964 Renato Medeiros foi cassado, incluído na primeira lista de cassações realizadas pelo presidente Castelo Branco, através do Ato Institucional nº 1. O deputado rondoniense fez companhia a nomes ilustres da política brasileira: Almino Afonso, os presidentes Juscelino Kubistchek, Jânio Quadros e João Goulart.
A perda do mandato do líder pele-curta gerou uma nova discussão na política local, acendendo velhas feridas. Os peles-curta acusam Aluízio Ferreira e o ex-governador Paulo Nunes Leal (*), de terem inserido, à mão, o nome de Renato Medeiros na lista dos cassados pelo AI-1.
A divergência dos que garantem ter acontecido isso é apenas numa coisa: há quem afirme que a caligrafia é de Aluízio Ferreira, enquanto outros a reconhecem como sendo de Paulo Leal. Os aluizistas negam totalmente.
Em 1967, com novo Ato Institucional, os partidos políticos foram tornados extintos e criados dois, um leal ao Governo, a Aliança Renovadora Nacional, ARENA, no qual se abrigaram os cutubas e outro, que era a oposição consentida, o MDB, para onde foram os peles-curta. Como representação política, e com a invasão gerada pela forte migração na região sul/centro de Rondônia, a força de cutubas e peles-curtas aos poucos foi se desvanecendo.
(*) Paulo Leal, membro fundador da ACLER, foi quem desafiou o presidente JK, dizendo que abrir uma rodovia (atual BR-364) de Brasília a Porto Velho era trabalho para homem, e teve o desafio aceito e cumprido.
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