Domingo, 5 de abril de 2009 - 11h46
A reportagem da revista Época sobre Porto Velho cometeu, pelo menos, um grave pecado ético jornalístico: Não ouviu o outro lado. Afora que os dois jornalistas estivessem com pauta para ouvir apenas um lado, o que seria um erro grave, ou que hajam sido infectados pela benevolência da maioria das vias urbanas da capital rondoniense, a mão única.
Será que, na apuração da matéria, os dois (afora a mulher mais experiente no trecho, voz única perdida no tsunami do texto) só encontraram quem reclamasse? Ora, convenhamos. Eu, particularmente, conheço pessoas que trabalharam em várias hidrelétricas, inclusive na nossa de Samuel, e que podem dar testemunho de obras muito piores.
Ademir Francisco é barrageiro desde os 18 anos e já está chegando aos 55. Trabalhou em muitas barragens, como na de São Simão, Goiás. Para fazer um trecho de menos de 100 KM tinha de enfrentar mais de um dia de viagem. Quando uma filha minha ficou doente eu tive de encarar o estirão atrás de médico. Na de Tucuruí (PA), só havia dois caminhos para chegar: por água ou pelo ar. A estrada era de barro no inverno e areião no verão, mais de uma semana rodando.
Em 1982 Ademir e família vieram para Porto Velho, para a obra de Samuel. Se esse pessoal tivesse enfrentado como era a cidade então, aí mesmo é que ia detonar. Mas eu achei tão ruim que eu comprei uma casa, fui para outras barragens e voltei para mais uma, e vou continuar aqui. Sua esposa lembra que em Ponta da Areia, no sertão nordestino, até para ter verduras na refeição foi preciso primeiro construir uma horta.
A jornalista (*) chega a reclamar que aqui quase não se vêem índio. É uma citação tão ridícula que nem dá para ser levada a sério, mas demonstra, se verdadeira, a visão como muitos não amazônicos continuam a ver a Amazônia, esperando encontrar o mapinguari, uma imensa sucuri ou o boitatá em cada esquina. Ou algum aborígene curvando-se e dizendo buana, buana, e depois levado para uma noitada exótica.
A garota adolescente não se adapta e precisa de psicólogo. Claro: menina já com sua turminha formada, muda de cidade e tem dificuldade de fazer amizade aliás, calor humano é que não falta nessa Porto Velho de muitas origens.
Reclamar que o filho pegou dengue. Goiânia, capital de Goiás, teve enorme surto de dengue ano passado. No Rio Grande do Sul está o maior índice atual de febre-amarela. O Ceará tem enorme número de mortes por dengue no país. Está certo, a fonte da matéria não mora lá. Mas fica o registro.
Fico por aqui. Particularmente, no entanto, entendo que a direção de Furnas deve chamar à responsabilidade o engenheiro citado como responsável na empresa. Sua declaração gerou um argumento a mais contra as obras. E um mal-estar em relação à comunidade local.
Em tempo:
O colunista, em 2003, visitou a família do barrageiro Ademir quando estavam na construção de uma hidrelétrica em Anita Garibaldi, em Santa Catarina, referência quando se quer trata de Estado desenvolvido no país. Bom, Anita Garibaldi tinha apenas um ambulatório, e quando alguém ficava doente tinha de ir para Campos Novos ou para Lages, com muitas horas de viagem. Apenas para ilustrar: em Anita não havia nem linha de ônibus direto para Florianópolis. O jeito era pegar uma estrada de terra para chegar a Campos Novos, a mais de quatro horas de viagem.
Bom, moro em Porto Velho há 33 anos. Vim, como muitos, para passar um tempo. Quando cheguei, com a dona Fátima e a Michelle, única filha então, depois nasceram mais duas. Não havia sorveteria, pizzaria e outras benesses. Vi vimos esta cidade crescer. Como repórter, tenho visto o Estado crescer. Sou, como repórter, testemunha de fatos históricos que vão desde a enorme migração das décadas de 1970 e 1980, à instalação de dezenas de municípios, da criação do Estado, e por aí afora. Várias vezes já me perguntaram se eu recomendaria Porto Velho para morar (se a revista Época quiser encontro milhares de moradores oriundos de vários Estados que darão depoimentos iguais ao meu).
Claro. Sem qualquer dúvida, apesar dos problemas que temos, e que são muitos. O texto da Época não é mentiroso quando aponta problemas. Mas, que cidade não os têm? Que nos atirem bombas atômicas as que não tenham, neste país-continente. Do ponto de vista ético, no entanto, a matéria é tão frágil que me deixou pensando: Será que houve alguma proposta de patrocínio negada pelos consórcios das duas hidrelétricas ou pela prefeitura ou pelo Estado? Será que há algum interesse escuso para gerar mais opinião contrária às obras?
Inté outro dia, se Deus quiser!
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