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Lucio Albuquerque

Elas eram 12


Mais de 100 pessoas participaram da celebração na noite desta quarta-feira, 11, na igreja de São Luiz Gonzaga, em memória da senhora Estela Madeira Casara, falecida quinta-feira da semana passada. Dona Estela, pude entrevistá-la juntamente com o historiador Francisco Matias em 2005, quando ela falou: de seu sogro, Américo Casara, primeiro ambientalista no que hoje é Rondônia; do bispo Dom Francisco Xavier Rey; do coronel Paulo Saldanha Sobrinho; do coronel Aluízio Ferreira; do que era a chegada do trem da Madeira-Mamoré na Guajará-Mirim da década de 1930.

Dona Estela nos recebeu numa casa no conjunto Santo Antonio. Era uma tarde não tão quente, mas o suco e o lanche servidos foram regados a muitas histórias, centradas especialmente no que a inseriu na História de Rondônia. Dona Estela era uma das filhas do bispo.

Calma! Dona Estela não era exatamente filha do bispo Dom Rey. A história da formação daquele grupo de 12 meninas começou a ser escrita quando o religioso entendeu de trazer para Guajará-Mirim adolescentes filhas de moradores das barrancas do lado brasileiro dos rios Guaporé e Mamoré , para que elas estudassem, aprendessem noções de enfermagem, de catequistas e retornassem a seus lares para ali servir às respectivas comunidades, como professoras, parteiras e conselheiras. Por isso elas eram chamadas de Filhas do Bispo.

No livro A Mulher em Rondônia, páginas 66 e 67, eu trato daquele grupo. E a fonte entrevistada foi justamente dona Estela. Éramos 12. Eu era a mais nova, tinha 9 anos e, órfão de mãe, fui criada pela madrinha Eulália (Tourinho, genitora do jornalista Euro Tourinho, diretor do Alto Madeira). Dom Rey, segundo dona Eulália, não queria aceitar que ela se juntasse ao grupo, mas ele respeitava muito a minha madrinha e por isso, ele aceitou.

Na entrevista dona Estela recitou os nomes das 12 do primeiro grupo das Filhas do Bispo: Lídia, Isabel Oliveira, Eleotéria Sombra de Oliveira, Antonia Quintão, Paula Gomes de Oliveira, Maria de Jesus Evangelista Assunção, Albertina Coelho, Belmira Frias, Inocência Coelho, Verena Leite Ribeiro, Eremita Cordeiro e Estela Madeira (as duas últimas as únicas brancas).

Sorrindo muito, dona Estela contou que, apesar da rigidez dos professores, padres e freiras franceses, mesmo assim as mais velhas do grupo sempre arrumavam um jeito de namorar, não como hoje, mas através de um bilhetinho, uma pegada de mão bem rápida quando passeávamos na única praça existente naquele tempo em Guajará.

Em seu depoimento, uma citação chamou muito minha (e do Matias) atenção. Segundo dona Estela, o presidente Getúlio Vargas, que em outubro de 1940 esteve em Porto Velho por quase três dias, teria chegado a visitar também Guajará-Mirim quando o avião em que viajava seguia de retorno ao Rio de Janeiro. Até um homem branco, muito alto, pegou um ramo de flores que íamos dar para o presidente e jogou as flores no chão. O homem branco pode tr sido o guarda-costas Gaúcho, que acompanhava o presidente naquela visita e que na sua chegada a Porto Velho teria agredido o prefeito quando este tentava tirar do bolso do paletó o seu discurso de saudação.

O fato narrado por dona Estela é interessante até porque nenhum historiador local fala do assunto; aliás, há pouca coisa escrita sobre aquela visita, mas é bem provável por uma razão bem simples: Getúlio visitara Belém (PA), esteve em Manaus (AM), veio a Porto Velho, tudo num hidroavião conhecido por catalina. O roteiro daquela época, para quem viajava nesta região de avião e retornava ao centro-sul do país passava por Guajará-Mirim, Forte Príncipe, Vila Bela da Santíssima Trindade e daí em diante via Mato Grosso, Goiás, até chegar a então capital federal. Além disso, os meios de comunicação eram praticamente nulos, e lentos: havia o telégrafo, o trem e alguns barcos nos rios. Talvez apenas o major Aluízio Ferreira, superintendente da Madeira-Mamoré, tivesse conhecimento da rota de retorno.

Em tempo: Das 12 filhas do bispo, há apenas uma remanescente, a senhora Isabel Oliveira Asusção, que prepara um livro sobre a vida e obra de Dom Rey.
 

Fonte:

Lúcio Albuquerque

Repórter

Membro da Academia de Letras de Rondônia

Membro da Academia Guajaramirense de Letras

Autor dos seguintes livros: 20 anos da nossa História (as primeiras décadas da Assembleia Legislativa, em 2003); A Mulher em Rondônia (a participação feminina na história local, 2005); História do Ministério Público de Rondônia (2006); Da caixa francesa à Internet – 100 anos da Imprensa em Rondônia (2009)


 

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