Quinta-feira, 17 de janeiro de 2013 - 15h08
Neste dia 17 de janeiro retornei ao passado, há quatro anos. Lembrei de estar em Fortaleza quando uma das minhas filhas ligou dizendo que um amigo comum, médico, havia morrido. Em seguida ao primeiro telefonema, outro, também de Porto Velho e um dos netos do dono da casa da Santos Dumont não disse muito, apenas: “Lúcio, o vovô morreu”. Ao invés de ir para o passeio programado preferi ficar. Não dava para ir e a cabeça estar em algum lugar de Porto Velho.
Neste dia 17 de janeiro de 2013, por necessidade, tive de passar na Rua Santos Dumont, no bairro do Caiari e quando em frente à casa no lado direito no meio da quadra, não resisti e parei. Fiquei alguns minutos voltando ao passado que, em realidade, não volta mais, mas por isso que é bom relembrar, especialmente quando do que e de quem nos lembramos só plantou coisas boas.
Quatro anos depois estou sentado ao volante do carro, em frente àquela casa e lembrando como conheci o Esron, apresentado por outro expoentre da nossa história, o seringalista Joaquim Pereira da Rocha.
A partir dali tornei-me, como muitos outros, uma espécie de ouvinte contumaz de suas conversas e leitor da coluna assinada pelo “CEM”. Comprei seu livro "Retalhos para a História de Rondônia" e fui ouvir mais sobre o m,aterial. Foi apenas um passo a mais para poder ser convidado a ir a sua casa onde sua esposa dona Vitória sempre nos recebia com carinho e uma tapioca que só ela sabia fazer.
Do Esron ouvi histórias, causos, sua vida em pedacinhos. Alguns deles escrevi na coluna a seguir, publicada em vários sites no dia 17 de janeiro de 2010:
“Esron: Há um ano, com ele, se foi um pouco de nós
Texto de Lúcio Albuquerque publicado a 17 de janeiro de 2010.
Em 2004 íamos, eu e a Fátima, sair de férias e fomos diretamente da sede do Ferroviário para o aeroporto. No Ferroviário participávamos da festa pelos 90 anos do humaitaense Esron Penha de Menezes que, talvez por obra do destino ou por esforço próprio - quem dirá ao certo?, se tornou parte da própria história de Rondônia.
Saudado, elogiado, consultado, comentado, citado como fonte de pesquisa, Esron Penha de Menezes, cujo pai foi intendente (vereador) em Humaitá (AM) e em Porto Velho nas duas primeiras décadas do século XX, faleceu no dia 17 de janeiro do ano passado, pouco depois de completar 94 anos entre nós.
Nunca é demais repetir, até porque muitos dos que estão hoje por aqui não conhecem bem nossas figuras históricas, que Esron praticamente testemunhou e foi parte de eventos mais variados e importantes que Rondônia viveu – com passagem até, em 1932, pela frustração de não ter podido ir lutar na Revolução Constitucionalista.
Naquele período, quando trabalhava na Fordlandia, Esron foi beneficiado pelo conhecimento adquirido quando, nos contatos com os “gringos” da Madeira-Mamoré, aprendeu a “arranhar” inglês.
Numa das muitas vezes que conversamos, quando eu quebrava sua rotina de ficar jogando palavras cruzadas naquela mesa envidraçada da sala de entrada de sua casa, no Caiari, ele contou que quando trabalhava na Fordlandia, um casal teve problemas para passar numa estrada, bloqueada pela queda de uma árvore. A mulher chamou trabalhadores, mas eles não entendiam. Foi quando Esron se apresentou e conseguiu entender e atender ao que o casal queria, desbloqueando a estrada.
Dias depois ele foi chamado ao escritório do gerente da Fordlandia e lá soube que a mulher do carro era esposa de um dos diretores da empresa e que, pela atenção ao problema dela, Esron deixaria de ser trabalhador e passaria para um serviço técnico.
Várias vezes perguntei, e ele sempre tinha a mesma resposta: Estava em Fordlandia quando o consórcio anglo-canadense abandonou a Madeira-Mamoré e, em razão disso, o governo do Brasil assumiu, nomeando o capitão Aluízio Pinheiro Ferreira para ser o primeiro superintendente brasileiro da ferrovia, em 1931.
No final de 1932 Esron estava de volta a Porto Velho, onde ingressou na Madeira-Mamoré e, logo a seguir, foi chamado pelo próprio Aluízio para acompanhar a obra de construção das casas do conjunto Caiari, ocupando uma delas.
Mas até receber a casa, conforme Esron me contou várias vezes, teve enredo de telenovela. Ele ficara encarregado de distribuir as chaves, mas uma delas o chefe dele pediu, alegando que reservara para um amigo. Esron estava de casamento marcado com a dona Vitória e quando convidou o chefe dele para ir “pedir a mão” da então namorada ouviu que já não era a primeira e que estava na hora dele criar juízo. Mas foi.
Sem ter ganho a casa que queria, Esron chegou a alugar uma para se instalar após o casamento – e lá já estavam móveis e outros itens normais para o caso. No dia do casamento ele estava com uma bruta febre, mas foi lá, diante do padre e cumpriu o prometido. Depois da cerimônia o chefe do Esron chamou-o e entregou-lhe a chave. Só então ele soube quem era o “amigo secreto” do chefe.
Em 1940 Esron havia sido um dos muitos funcionários da Madeira-Mamoré a receber o presidente Getúlio Vargas em sua vinda a Porto Velho, e em 1944, funcionário da ferrovia, ele foi indicado pelo governador Aluízio Ferreira para ir, levando apenas a máquina de escrever, ser recrutador da primeira composição da Guarda Territorial (extinta em 1975 com a criação da Polícia Militar), onde ficaria na condição de Ajudante, haja vista não ter, àquela altura, a corporação, o posto de oficial.
Esron Menezes, nascido em 1914 em Humaitá e desde 1927 morando em Porto Velho, foi professor na década de 1950 e membro da Maçonaria a partir daquela década. Na sequência da vida, por causa de uma discussão com um governador do Território, foi mandado fazer um curso de bombeiro no Rio de Janeiro, o que lhe valeu outro título pioneiro, de ter sido o primeiro comandante do Corpo de Bombeiros em Rondônia, com o posto de capitão.
Quando o jornal O Guaporé surgiu, em 1952, Esron foi um de seus articulistas, do órgão identificado com o grupo político “cutuba”, dos seguidores de Aluízio Ferreira. Depois ele se transferiu para o Alto Madeira, com sua coluna, assinada pelo pseudônimo de “CEM”, letras que identificavam o Capitão Esron Menezes, ele próprio.
Em 1960 ele receberia outra missão, a de ser o ligação entre o governo do Território e as empresas construtoras da rodovia BR-29, que anos depois passou a ser chamada BR-364. Por causa dessa função, Esron seria testemunha ocular de outro fato históricos, quando o presidente JK, em Vilhena, dirigiu o trator que derrubou a última árvore que separava as turmas, construtoras da rodovia, vindas de Cuiabá e de Porto Velho.
Detentor, com justiça, de todas as homenagens que podem ser concedidas àqueles que – realmente – contribuíram para a comunidade onde vivam, Esron era também membro do Instituto Histórico e Geográfico de Rondônia e da Academia de Letras, fundador das duas instituições. Foi autor do livro “Retalhos para a História de Rondônia”, volumes I e II.
Num carnaval bem recente, Esron foi o enredo do bloco Rio Kaiary, e, numa homenagem especial, foi “entronizado” no alto de uma viatura dos bombeiros, conduzido durante todo o percurso, ouvindo a marcha enredo com seu nome.
Sobre o que ele chamava de “adjetivos elogiativos”, tratado por “capitão”, “jornalista”, “professor”, “historiador”, “mestre” e outros, Esron preferia dizer que era apenas um ser comum, ainda que servisse, continuamente, de fonte de informação para quem queria conhecer a história local. Como costumava dizer o historiador Francisco Matias, “nele bebemos direto da água histórica da fonte”.
Esron, na História de Rondônia, é um personagem acima da imensa maioria. Ele não só foi testemunha, mas, também, parte dela. Como já disse o poeta, quando ele passou à outra dimensão, não foi só. Levou com ele um pouco de nós que aqui ficamos.
Sim, e por que comecei a história contando que saímos, eu e a Fátima, do Ferroviário, da festa de 90 anos do Esron para o aeroporto? Porque, naquela festa, muitos amigos deram depoimentos dizendo que haviam conhecido o Esron em ocasiões diversas. Eu, não. Conheci primeiro alguns filhos, que foram jogar voleibol em Manaus, em 1973, quando eu era árbitro do esporte, no Troféu Olímpico e, quando vim em 1975 passar um tempo aqui, fui apresentado a ele no Café Santos (restaurante na esquina da Prudente de Morais com a Sete de Setembro) por outro pioneiro a quem Rondônia muito deve, o seringalista Joaquim Pereira da Rocha.
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