Terça-feira, 30 de junho de 2020 - 16h03
Uns dizem que nunca pediram nada a ninguém. Alguns admitem ter até vergonha de estarem na fila do almoço. A maioria garante que estavam trabalhando, com carteira assinada e tudo, ou como autônomos. Homens e mulheres, alguns jovens, outros beirando 40 ou mais e idosos, há os que garantem “morar mesmo na rua”, outros que têm família e ainda os que garantem pegar a ajuda diária para levar parra casa e dividir com a família. Há os que tenham celulares, ou os que que, como disse uma mulher, “não tenho nem onde cair morta”.
Independente da história, ou da estória de cada um, todos desde março quando começou a pandemia, têm o mesmo local para se encontrar a partir das 10h30: a fila do almoço fornecida de segunda a segunda-feira, sempre no mesmo horário, um trabalho realizado por voluntários, a maioria católicos, mas com participações de espíritas, de um ateu e até evangélico.
O local da concentração da distribuição do alimento é na igreja Sagrada Família, no Bairro da Embratel ao lado do campo do Treze. Os marmitex são parcialmente oferecidos pela prefeitura, através da Secretaria Municipal de Assistência Social e Família, Semasf, mas os quase 180 homens e mulheres que diariamente forma as filas, de um lado só os acima de 60 anos ou deficientes e, do outro, a maioria.
“Todos são bem vindos”, disse um dos coordenadores do projeto que tem à frente o próprio arcebispo dom Roque Paloshi, que quase todos os dias vai até a Sagrada Família “mas não para fiscalizar, pelo contrário, ele também ajuda e muito”, diz o coordenador, lembrando que diariamente há mais de 25 voluntários “sem os quais esse projeto seria inviável”, destacou.
Há toda uma organização para que tudo dê certo, incluindo a feitura do suco e a comida que a paróquia oferece para complementar a quantidade fornecida pela Semasf. Para os que vão ali é formada autêntica corrente do bem. “Aqui todo mundo ajuda. Desde o pessoal da própria Semasf passando pelos policiais militares quando eles vêm aqui ou dos que estão para ajudar, funcionando em sistema de equipes que incluem desde a higienização do ambiente até à oferta de que tomem banho ou tenham suas roupas lavadas”.
A fila começa a ser formada bem cedo, antes das 9 horas já estão marcados os locais de cada um. “O pessoal da igreja marcou a distância que devemos ficar, um metro e meio para cada um, todos de máscaras, tudo é muito bem organizado”, disse N., do grupo que chega ali vindo do “acampamento” montado em meio ao ajardinamento da Avenida Jorge Teixeira, a uns 300 metros de distância.
“Parece o tempo que faltava carne em Porto Velho e a gente tinha de botar a cesta durante a noite no mercado público, para poder comprar carne. Mas como naquele tempo, ninguém mexe na marcação de lugar”, disse O.T., 68 anos, que lembrou ter sido colega do jornalista Zé Catraca, quando ambos vendiam sacos de papel no mercado – incendiado em 1966.
Uma parcela dos que todos os dias fazem a fila é formada por moradores de rua e outros que, há muito tempo, se reúnem no campo do Treze e partilhavam o almoço feito por alguns deles, numa fogueira improvisada bem debaixo da última árvore ao lado da calçada da igreja. “E a comida?”, o repórter perguntou e, pelo visto, “é bem melhor”, disseram.
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