Domingo, 10 de maio de 2020 - 08h15
Há uma fábula, assinada pelo mestre La Fontaine, onde os ratos, irritados
com os estragos feitos por um gato dentre a comunidade ratazanal, resolveram numa assembleia acabar com o problema de maneira simples, como dizia o chefe dos ratos: “É só botar um guizo no gato e quando ele se aproximar o barulho vai nos avisar”.
Já Nelson Rodrigues, dramaturgo e jornalista, do alto de sua visão dos fatos, cravou uma frase que bem pode ser aplicada que acontece atualmente, com relação aos pedidos de isolamento social devido ao coronavírus: “Brasileiro vaia até minuto de silêncio”.
Não é muito difícil associar a frase e a fábula para trazer aos fatos que o brasileiro assiste atualmente em relação ao chamado “isolamento social”: Há determinações, apelos, ameaças de prisão e tudo o mais, mas o que se assiste em todos os momentos, e não só nos aterrorizantes noticiários televisivos, é o continuo desapreço de parcela considerável da população, e não apenas daqueles que dizem compor a periferia da vida mas, também, e com lamentável presença de segmentos com formação superior escolar, vários deles inclusive membros da área de saúde, como já foi constatado em denúncias e fatos em ocasiões várias, pessoas que deveriam dar o exemplo.
Há os que o fazem pelo simples e irresponsável (des) prazer de afrontar o perigo e o que se fala comumente serem as “convenções sociais”, e nesse grupo enquadro aqueles que, tendo conhecimento e meios de informação, preferem o desafio aberto, cientes de que, em último caso, assinarão um termo de conduta e ponto final. Terão, porque se for feito o contrário logo se levantarão vozes poderosas em seu favor, os nomes resguardados da mesma forma que criminosos os mais diversos também o têm.
Que há abusos, ninguém duvida, até porque salta aos olhos. A questão da aplicação do decreto ou da lei mandando, por exemplo, usar a máscara, ou evitar reuniões físicas, ou, ainda, as duas coisas, esbarra naquele tipo de legislação que existe só no papel, mas que na prática se torna praticamente impossível de ser aplicada, afora com medidas extraordinárias, mas logo alguém virá em socorro dos atingidos, até porque o Estado não deve ter condições de pessoal de aplicação das normas. E enquanto não houver uma resposta dura de parte do gestor principal, vamos, lamentavelmente, assistir a esses atos de insubordinação, desde aqueles praticados por quem alega o chamado “direito de ir e vir” – e ainda ganha aplausos.
Enquanto o próprio Estado não conseguir fazer com que o interesse individual não deve sobrepor-se ao coletivo - o interesse público, vamos continuar sabendo diariamente o lastro violento deixado pelos que abusam, tripudiam sobre o interesse público e continuam contribuindo para estatísticas sempre crescentes, mas reclamando de seu lado que o próprio Estado não faz sua parte.
É recorrente ouvir em cidades como o Rio de Janeiro críticas contra a Polícia, sobre alegação de excessos, etc. E se aplica aqui isso a quem abusa das normas de isolamento, mas quando tem problema cobra do Estado atendimento, leitos etc, sem reconhecer que participou de forma direta da geração do mal que sofra. Voltando ao Rio de Janeiro, os mesmos que criticam a ação policial, e isso se aplica aqui também – ainda que algumas vezes possa haver excesso na ação – são os mesmos que, quando são afetados procuram o atendimento do 190.
Aliás, no caso de punição real a quem desobedece às normas de interesse da saúde pública, fico com a fábula do La Fontaine, porque parece que falta só ter a coragem de aplicar a lei, mas, voltando à fábula, quem terá coragem de vai colocar o guizo nos gatos.
Inté outro dia, se Deus quiser!
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