Segunda-feira, 31 de março de 2014 - 17h10
Lúcio Albuquerque
(Consultoria Abnael Machado de Lima)
Porto Velho 70 mil habitantes. Guajará-Mirim em torno de 20 mil. Conforme o censo do IBGE em 1960 rondava por aí a população do então Território Federal, que quatro anos antes deixara de ser do Guaporé para ser de Rondônia. Em 1964 é possível que a população já fosse um pouco maior, mas, oficialmente, o número é mesmo aquele, 90 mil almas.
As distâncias eram muito maiores do que hoje. Havia apenas um juiz e um promotor, isso quando havia. A segunda instância era em Brasília onde os recursos daqui mofavam anos nas gavetas dos membros do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Emissora de rádio apenas a Caiari, fundada poucos anos antes, mas só uma minoria de famílias tinha um aparelho de rádio, em redor dos quais, à noite, amigos se reuniam para ouvir a Voz do Brasil, por onde se ficava sabendo das novidades – com em 1943 quando foi lido o decreto de criação do Território do Guaporé, juntando partes dos estados do Amazonas e de Mato Grosso, ou quando acontecia troca de governadores, o que era coisa comum, fato imediatamente festejado com foguetes pelos adversários de quem estava no poder.
Chovia muito naquela noite de 1943 e o doutor Ary Pinheiro comemorava em casa o seu aniversário e ele saiu com uma espingarda comemorando atirando para cima, recordou o historiador e também membro da Academia de Letras de Rondônia, ACLER Esron Penha de Menezes, fato contestado, apesar de àquela altura contar apenas com 4 anos de idade, pela historiadora e membro da ACLER Yêda Pinheiro Borzacov.
Apesar de ser o que consideravam àquele tempo um funcionário subalterno, o telegrafista da agência dos Correios era muito assediado por saber das notícias antes de todos. Poucos moradores, um deles o Sr. Alcedo Marrocos, possuíam um rádio-amador, sistema que permitia comunicar-se com outras cidades, sendo que um desses equipamentos era instalado no quartel comandado pelo major Carlos Godoy, da 3ª Companhia de Fronteira – atual 17ª Brigada de Infantaria de Selva. Os jornais locais eram o Alto Madeira e O Guaporé. A “emissora” mais rápida era a rádio cipó.
Os aviões de carreira pousavam no campo do Caiari – região que vai do ginásio Cláudio Coutinho até ao CPA do Governo, e isso era uma atração enorme, para ver quem saía ou chegava, e para a garotada pegar poeira, o vento levantado pelas hélices. Outra forma de chegar era pelos navios – Lobo D’Almada, Augusto Montenegro e Leopoldo Peres, que faziam a rota Belém/Manaus/Porto Velho. Ou pela Madeira-Mamoré, com seus trens entre Porto Velho e Guajará-Mirim. A cidade não tinha ainda telefonia interurbana.
A rodovia era a BR-29, primeira designação da atual BR-364, mas as condições da estrada eram terríveis, o que incluía falta total de estrutura, sem pontos de apoio e era uma enorme aventura viajar nela que fora aberta no primeiro semestre de 1960.
Durante o dia, e até a noite, quando se queria ficar sabendo das novidades a pedida era ir aonde todossabiamtudodetodoomundo, o restaurante Café Santos, na esquina da Sete de Setembro com a Prudente de Moraes. Outros locais também apreciados eram os clíperes, espécies de botecos no meio da Sete de Setembro, e o restaurante Arara. Luz elétrica ia até zero hora, a partir de quando começava a funcionar a boate Céu, com seu salão de dança em baixo e os quartos no andar superior, nas proximidades do cemitério dos Inocentes.
A economia tinha como base o sistema extrativismo vegetal, o que incluía a borracha e o dinheiro que circulava era oriundo do pagamento dos funcionários federais, com destaque para os ferroviários da EFMM. Àquela altura outro produto começava a se firmar na economia local, e a atrair homens e mulheres especialmente do Maranhão, a garimpagem manual de cassiterita, descoberta por acaso nas terras do seringalista Joaquim Pereira da Rocha.
Havia duas agências bancárias, a do Banco do Brasil e a do Banco da Borracha (atual Basa). Seus funcionários formavam uma espécie de classe privilegiada e tinham até um clube, o Bancrevea (Carlos Gomes com a Campos Sales), aonde as mulheres iam às festas de longo e os homens de passeio completo. Nos finais das tardes a pedida era ficar no bar do Porto Velho Hotel, numa espécie de hapy hour.
Aos domingos as disputas de futebol eram no campo do Ypiranga ou no da 3ª Companhia, quando as torcidas participavam com o mesmo fervor por suas preferências e por seus atletas principais.
Apesar de ser uma cidade pequena, Porto Velho fervilhava quando o assunto era política. Nãohavia terceira opção. A disputa política ficava entre cutubas partidários do coronel Aluízio Ferreira e os peles-curtas liderados pelo médico Renato Clímaco Borralho de Medeiros que em 1962 derrotara nas urnas Aluízio e se tornara deputado federal.
Quando 1964 chegou havia sindicatos atuantes e a União dos Estudantes, que realizava concursos de rainha, mandava delegações para participar de congressos em outras cidades, mantinha um jornal devezemquandário, e naquele ano o presidente da entidade era o estudante João Lobo que em entrevista ao projeto Testemunha da História lembrou ter ido com uma delegação ao Comício das Reformas de 13 de março de 1964.
No Colégio Carmela Dutra um fato interessante: muitos dos professores eram bancários ou militares da 3ª Cia. Lógico que eles mantinham um relacionamento formal, mas
politicamente eram inimigos, enquanto a diretora, a professora Marise Castiel tentava contornar para evitar que essa divisão se refletisse de forma negativa no processo educacional, lembrou o professor e historiador Abnael Machado de Lima, membro fundador da ACLER.
Quando a cidade adormeceu no dia 30 de março, uma segunda-feira, ninguém esperava que o dia seguinte, uma terça-feira, seria o divisor das águas.
Amanhã:
1964 em RO (2)
O homem invisível entra em ação
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