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Lucio Albuquerque

Meio século da viagem de lambreta que salvou a BR


Lúcio Albuquerque

Repórter, membro da Academia de Letras de

Rondônia e da Academia Guajaramirense de Letras

 

15 de junho de 2013.    Qualquer pessoa que decida ir pela rodovia BR-364 de Porto Velho a Brasília pode fazê-lo, contando com pontos de apoio os mais diversos, hotéis confortáveis, restaurantes e outros benefícios que o progresso permitiu. Os viajantes só terão problemas, praticamente, se contribuírem  para isso.

15 de junho de 1963. São 17 horas e  grande parte da população de Porto Velho, em torno de 50 mil habitnates, está concentrada na praça Jonathas Pedroza, em frente ao jornal Alto Madeira, para testemunhar o início de autêntica viagem de dois malucos: montados em uma única lambreta os jornalistas Vinícius Danin e Milton Alves estavam saindo da capital do Território Federal para viajar até Brasília.

Simples, alguém dirá se vistas as condições disponíveis atualmente, dentre as quais a internet móvel, carros com GPS e uma parafernália, como disse recentemente o jornalista e escritor Matias Mendes ao deparar-se com problemas em seu computador.

Mas em 1963 não havia nada disso: A rodovia, que depois seria conhecida por BR-364, havia sido aberta em 1960 por ordem do presidente JK. A cidade de Porto Velho mal chegava ao início da Avenida Nações Unidas, pouco mais de um quilômetro de distância da praça que era o ponto zero da viagem e a BR fora chamada pouco antes de  estrada das onças por um presidente da República

Na área territorial de Rondônia os viajantes iriam enfrentar mais de 700 quilômetros de muita poeira, buracos, pontes caídas, balsas, trechos praticamente tomados pela selva, e depois era a vez de Mato Grosso e parte de Goiás até chegar a Brasília. Ponto de apoio não havia, afora sedes de seringais, algumas estações da linha telegráfica instalada pelo Marechal Rondon na primeira década do Século XX. Em Rondônia a grande cidade era Vila Rondônia (a partir de 1977, município de Ji-Paraná). Itapuã, Ariquemes, Ouro Preto, Cacoal nem existiam.

Montados na lambreta lá foram os dois, entre gritos e saudações dos que ficaram, para muitos a hipótese de que eles poderiam ser tragados pela selva, devorados por ataque de onças, serem vítimas de acidentes numa das pinguelas usadas em lugar de pontes, ou sumirem em razão de outros problemas que enfrentariam.

Minha mãe contava que houve gente que ficou rezando para que nada lhes acontecesse, diria muitos anos mais tarde a dona-de-casa Maria Aparecida que em 1963 tinha 12 anos e cuja mãe, lembra, era amiga de um deles e todo dia rezava para que chegassem bem.

Eram dois jornalistas: Milton Alves, um dos fundadores (em 1959) da primeira emissora de rádio de Rondônia, a Difusora do Guaporé, figura muito conhecida na sociedade, e Vinícius Abrahão Coutinho Danin, editor do jornal Alto Madeira. Eles conseguiram chegar a Brasília, mas a volta foi de avião. A seguir o texto do professor Abnael Machado de Lima contando a saga.

 

OS HERÓIS ESQUECIDOS (*)

(Texto do historiador, jornalista e professor Abnael Machado de Lima)

Em  1963 eram fortes os indícios da paralisação da construção da BR 29. O jornalista Vinicius Danin, do Alto Madeira, e o radialista Milton Alves de Jesus, diretor da Rádio Difusora do Guaporé, decidiram ir a Brasília, percorrendo a rodovia Brasília-Acre, ainda em extensos trechos. A estrada era apenas um caminho de serviço aberto na pujante floresta amazônica, interceptado por igarapés e caudalosos rios transpostos uns por pinguelas e provisórias pontes de madeira, outros por balsas. Também havia obstáculos, os grandes atoleiros, a falta de postos de abastecimento, de oficinas e de hotéis. Isso se tornava  perigoso desafio aos motoristas de caminhão que se aventuravam a percorrê-la no trecho Cuiabá/Porto Velho, cujo tempo de deslocamento no período chuvoso, chegava a três meses.
 

Os  dois programaram fazer a viagem pilotando uma vespa M4 doada pela empresa Rondomarsa, revendedora de veículos. O empresário Luiz Malheiros Tourinho, representante da Companhia de Seguro Equitativa, doou um título de seguro contra acidentes no valor de um milhão de cruzeiros a cada um dos expedicionários.

Estes levavam um memorial assinado pelo governador, pelas demais autoridades, pelos presidentes dos clubes de serviço, da Maçonaria, das instituições religiosas e do povo em geral, reivindicando ao Presidente João Goulart a manutenção dos trabalhos de construção da
BR 29.

 

No percurso colheriam assinaturas dos moradores que encontrassem. Juntaram ao memorial um exemplar do livro “Terras de Rondônia”, ainda inédito, no qual o autor destacava importância da construção da rodovia se prolongando até o litoral do oceano Pacífico no Peru e no Chile proporcionando ao Brasil acesso ao mercado dos países vizinhos assim como dos asiáticos.
 

No  dia 15 de junho de 1963, às 17h, os expedicionários partiram da Praça Jônathas Pedrosa, para tentar a viagem fantástica de mais de cinco mil quilômetros em pequenos veículos de duas rodas. Percorreram parte da Amazônia Ocidental,do Centro Oeste e do Sudeste. Aventura jamais registrada nos anais rodoviários do continente americano e provavelmente do mundo.

O major Cândido Mariano Rondon, com seu Ford de Bigode, chega à região do Juruena

Superando todos os obstáculos, chegaram a Cuiabá e foram recebidos pelo governador de Mato Grosso, o qual entregou-lhes um documento de apoio ao do povo de Rondônia, dirigindo ao presidente João Goulart. Seguiram para Goiânia, aonde o advogado Olavo de Castro, portovelhense, redator do jornal “4º Poder”, apresentou-os ao presidente da Fundação Estadual de Esportes. Ficaram hospedados no Hotel Ártemis. O governador do Estado de Goiás, Mauro Borges, recepcionou-os com um almoço no Palácio, com a participação do secretários e de vários políticos, entregando-lhes um documento de teor igual ao dos supramencionados, destinados ao Presidente.
 

Prosseguindo viagem seguiram para Brasília, ao chegarem foram escoltados por um patrulha rodoviária com comandada pelo Inspetor Latorraca, que os acompanhou até ao “Brasília Palace Hotel”, sendo recepcionado pelo Deputado Federal de Rondônia Renato Borralho de Medeiros, que os acompanhou na audiência com o Presidente João Goulart sendo lhe entregue o memorial do povo de Rondônia e os documentos de apoio dos governadores de Mato Grosso e de Goiás. Eram solicitadas a garantia de não ser paralisada a construção da rodovia, a liberação de CR$ 8.000.000,00 (oito milhões de cruzeiros) para pagamentos em atraso às empreiteiras, o Presidente elevou para CR$ 17.000.000,00 (dezessete milhões de cruzeiros), com imediata liberação, determinou o remanejamento do pessoal DNER encarregados da BR 29, de Brasília para Cuiabá e Porto Velho.
 

A missão dos dois expedicionários Vinícius Danin e Milton Alves de Jesus alcançou pleno êxito.

 

(*) – Publicado no jornal Alto Madeira e no site gentedeopiniao.com.br em dezembro de 2010)


 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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