Sábado, 19 de novembro de 2011 - 17h18
1931. Para muitos dos que habitam Rondônia neste ano de 2011, nem seus pais eram nascidos há 80 anos. Com certeza nem a maioria imensa dos, hoje, avôs. Oito décadas depois restam poucos dos que assistiram a um dos momentos mais estressantes da história desta região, o dia em que o trem da Madeira-Mamoré deixou de funcionar porque a ferrovia foi abandonada pela empresa concessionária – fato que gerou uma discussão histórica por aqui, onde há quem afirme que houve a “nacionalização” da ferrovia, e outros dizem que houve apenas cumprimento de contrato pelo governo brasileiro.
Sem ter qualquer ligação com um lado e outro, até porque só vinha aqui trabalhando a bordo de embarcações oriundas de Manaus, um jovem então com 18 anos testemunhou, sem entender bem o que acontecia, aqueles fatos. Conheço-o desde que eu tinha 8 anos e ele é tio-pai da dona Fátima. Por duas vezes ele contou a mesma história, em sua casa, no Beco do Macedo, em Manaus. Vou contá-la agora, na certeza de que possa agregar algo aos que estudam aquele momento da nossa história.
Bernardino Nogueira de Souza. Contado assim poucos o conhecem, apenas, com certeza, sua mulher, as filhas, os netos, e acabou. Ele é o personagem “Seu” Benu, aquele quase centenário (é sério, ele completa 100 anos em 2013) que faz parte dos meus escritos, “sempre atento ao que a Imprensa publica ou divulga”.
Quando participa da minha coluna “Conta Gotas” é apresentado também como “velho bardo da Velha Serpa”. Velha Serpa é o nome original de Itacoatiara, cidade amazonense à margem esquerda do Rio Amazonas, algumas horas rio-abaixo para quem vai pelo Rio Madeira e pega à direita descendo o rio-mar.
“Seu Benu”, que às vezes chamamos “Brigadeiro”, apelido que lhe epitetou um dos genros, agora tem implantado um marca-passo. Foi, quando bem jovem, embarcadiço em barcos diversos e durante muitos anos singrou os rios amazônicos. Foi também funcionário público, vendedor de sapatos, secretário do arcebispado de Manaus e, fato que lhe gerou a homenagem de ser nome de rua no município de Paricatuba, conselheiro e dirigente de uma comunidade de hansenianos, além de, em determinada fase de sua vida, líder de um grupo do Morhan.
Das lembranças de sua vida ele recorda de quando foi recebido em 1980 pelo papa João Paulo II, durante sua visita a Manaus, uma emoção que, diz “seu” Benu, “não dá para esquecer”. Ele gosta mesmo de falar é de quando, bem jovem, conseguiu um emprego como taifeiro de embarcações.
No exercício de sua função, ele era responsável, dentre outras coisas, por matar os bois que eram consumidos na embarcação, e ganhava um trocado na volta a Manaus, quando vendia o couro do boi para canoeiros que cercavam o barco na atracação. Para conservar o couro “seu” Benu sempre que viajava levava como bagagem particular duas sacas de sal. Problema foi quando na hora de ser abatida, uma rês saltou no rio Negro e sumiu na noite, mas seus companheiros de viagem perseguiram o animal que acabou indo para a panela.
“Eles trouxeram amarrado na canoa e nem foi preciso eu ir atrás. Saiu barato, e sei que fizeram isso porque eu lhes fornecia manteiga e outros benefícios para ajudar na dura alimentação fornecida pelo proprietário do barco. Sempre para ajudar a aumentar a renda, um dos trabalhos que assumia era tomar conta dos cachorros dos “coronéis” que viajavam na embarcação.
Como taifeiro, “seu” Benu viajou “de seca a meca” na Amazônia. E para ajudar a ganhar um pouco mais levava algumas coisas para vender ou trocar. Em Quito,no Peru, ele trocou peças artesanais de Santarém por chapéus “Chile”, que vendeu por preço bom em Manaus.
Quando o barco subia o Rio Madeira, ele comprava queijo em Autazes e ia vendendo pelo beiradão e um dos clientes certos era o comerciante João Barril, que tinha um cliper (uma espécie de lanchonete e ponto de encontro) na Avenida Sete de Setembro, em Porto Velho.
De Porto Velho ele lembra, mais de 70 anos depois, pouca coisa. Cita que, dobrando à direita na Sete de Setembro cheia de lama ia até ao cemitério dos Inocentes, e os colegas mais afoitos seguiam até a um bairro cuja fama era de ser terra de gente valente. Ele não identifica a região, mas diz que ficava por detrás do cemitério. Sem dúvida era o Mocambo.
Mas “seu” Benu acabou, sem querer, sendo testemunha da história de Porto Velho, daquilo que alguns chamam de “nacionalização” da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, enquanto outros contestam, alegando ter sido apenas o cumprimento, pelo Brasil, do que estava acertado no contrato com a empresa estrangeira que explorava a circulação dos trens.
“Eu já havia ido umas quatro vezes a Porto Velho, antes daquela viagem. E uma das coisas que nós, embarcadiços, gostávamos de assistir era a saída ou a chegada dos trens, o movimento na estação enquanto o nosso barco ia sendo descarregado e carregado, às vezes com os carregadores tendo de subir e descer uma altura grande, numa escada num barranco, quando o Madeira estava seco”.
Mas uma noite “Seu” Benu testemunhou um movimento diferente, que ele e os companheiros não entenderam, mas, por ter sido diferente, e pelo aconteceu depois, ele nunca esqueceu, mas também pouco comentou com ninguém, uma das únicas pessoas que tenha relatado foi a mim, numa conversa sua casa.
“O Tupana, o barco que estávamos viajando chegou dois dias antes e depois de descarregar ficamos com uma folga, esperando acabar de carregar para descermos o rio e voltarmos a Manaus. Naquela noite o barco “Madeira-Mamoré”, que pertencia à ferrovia, estava estacionado no píer, e nós atracamos na ponta”.
“Durante a noite houve uma grande movimentação de carregadores deixando coisas, e de gente bem vestida, falando uma língua estrangeiras, embarcando. Lá pela madrugada o barco soltou as amarras e partiu. Nós vimos mas não entendemos nada”.
Na manhã seguinte, sem querer, e sem entender nada, o itacoatiarense Bernardino Nogueira de Souza viu que a cidade estava diferente. A usina de luz não funcionava, não havia gelo para os barcos e os trens não apitaram na festa para a saída, como faziam sempre, às cinco e meia ou seis da manhã. Estava tudo parado, os trabalhadores e a população circulavam sem entender nada.
“Só no dia anterior à nossa saída, soubemos que uma pessoa chamada Aluízio Ferreira recebera ordem para assumir a direção da Estrada de Ferro. Eu nem conheci essa pessoa, porque na noite daquele dia nós desatracamos e quando voltei a Porto Velho o trem tinha retomado a funcionar”.
“Seu” Benu só retornaria a Porto Velho mais de um século depois, agora viajando pela BR-319, com uma comitiva de membros do Movimento de Rehabilitação dos Hansenianos, Morhan, entidade que participou depois de muitos anos atuando como voluntário no atendimento aos internos do hospital de Paricatuba.
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