Quinta-feira, 3 de abril de 2014 - 08h04
No capitulo 2 desta série o homem misterioso se apresenta e destitui o governo, formando outro, o capitão engenheiro do Exército Anachreonte Coury.
No dia 1º de abril Porto Velho literalmente amanheceu já tomada pelos militares, os da 3ª Companhia de Fronteiras com apoio dos membros da Guarda Territorial, em patrulhas mistas, em pontos estratégicos, mas apesar da vida continuar e não haver manifestações contrárias ao novo regime, instalou-se o medo e houve pessoas que preferiram se esconder.
O interventor Anacrheonte tomou a decisão de mandar prender pessoas suspeitas, lideranças sindicais e estudantis e membros do governo e das prefeituras, de Porto Velho e de Guajará-Mirim.
No dia 31 eu estava em casa quando chegou um amigo que participava das reuniões comigo na casa do jornalista Dionísio Xavier. O camarada chegou e me chamou de lado dizendo que ele iria dar uma sumida e era bom eu fazer o mesmo para evitar ser preso, mas eu disse a ele que não iria me esconder. Que se me quisessem prender que viessem me buscar em casa, lembrou o professor Abnael Machado de Lima, que acabou nem sendo perturbado pelo governo novo.
Mas houve prisões. Eles em grande maioria chegavam sempre à noite, disse uma vez o dirigente comunista Cloter Mota, quando era deputado na primeira legislatura da Assembléia Legislativa. Ele foi um dos presos.
Um fato que chamou a atenção foram as prisões membros do governo e da prefeitura, pessoas que tinham ligação com o Partido Social Progressista, capitaneado nacionalmente pelo governador paulista Adhemar de Barros, que era uma das lideranças civis na deposição do governo João Goulart.
Outro fato que acabou virando espécie de folclore foi que enquanto os membros do governo e da prefeitura foram levados para p quartel da Guarda Territorial, no bairro da Arigolândia, onde atualmente funciona a sede do 1º Batalhão de Polícia Militar.
Ali as instalações eram bem modestas, enquanto nós, que éramos apontados como comunistas, fomos levados para a 3ª Cia., instalados no cassino dos oficiais, onde havia muito mais conforto, disse ao projeto testemunha da História o então líder estudantil João Lobo. Era como se nós fôssemos presos de primeira categoria e eles de segunda.
Cloter Mota, que já como deputado estadual chegou a ser preso numa reunião em São Paulo com um núcleo do Partido Comunista em 1985, dizia que a qualidade da comida no cassino da 3ª Companhia era melhor do que na casa de alguns presos e fomos bem tratados.
Para o jornalista Euro Tourinho, em cuja sala de direção do jornal Alto Madeira o capitão Anacrheonte reuniu com os novos dirigentes e decidiu as primeiras prisões, o mundo virou de cabeça para baixo.
UM AMIGO PRENDE O OUTRO
Cidade pequena, onde praticamente todos se conheciam e conviviam socialmente, um dos pontos de encontro e de trocas de informações eram as bancas do mercado municipal (que em 1966 pegou fogo e foi reconstruído parcialmente em 1909 agora com o título de Mercado Cultural), as divisões aconteciam nos períodos da política, quando o Território escolhia seu único deputado federal, nas disputas entre cutubas e peles curtas (*) ou nos jogos do campeonato de futebol.
E foi nesse quadro que o delegado Orlando Freire recebeu a ordem de ir ao aeroporto e prender, na escada do avião da Panair (leia-se Paner), seu amigo, o ex-prefeito, demitido por Anacrheonte, Jaime Rafael Castiel. Tenho certeza que deve ter sido difícil cumprir essa missão porque o delegado era amigo pessoal do Rafael, recordou o professor Abnael Machado de Lima.
Ele continuou: A população sabia da chegada e muita gente foi recebê-lo, lotando o pequeno saguão do aeroporto do Caiari, mas um contingente reforçado da Guarda Territorial tomou posição porque havia citações de que o povo iria resgatar o Rafael, o que acabou não acontecendo e ele já seguiu dali para o quartel da Guarda, localizado a menos de 500 metros da pista de pouso.
Dentre outros, além do prefeito Jaime Rafael Castiel, foram presos (**): os dirigentes comunistas Cloter Saldanha da Mota, Dionísio Xavier, o dirigente estudantil João Lobo, além de Otávio Félix, o secretário da prefeitura José Carmênio, o capitão Távora Buarque, o médico Rafael Vaz e Silva, o engenheiro Harry Covas, o empresário Miguel Chaquian, o médico Floriano Riva.
Alguns dos presos foram levados para julgamento perane um tribunal formado na 8ª Região Militar, em Belém mas, conforme o historiador Abnael Machado de Lima todos retornaram absolvidos ou não enquadrados.
O capital Anacrheonte Coury permaneceu no cargo a que assomou por si mesmo durante pouco mais de três semanas, quando passou o governo ao coronel José Manoel Lutz da Cunha Menezes. Depois Anacrheonte, que mandava prender, desapareceu como chegou, sem que ninguém prestasse atenção. Ele não consta da lista oficial de governadores do Território.
(*) – Cutubas – Aliados do coronel Aluízio Pinheiro Ferreira. Peles-curtas aliados do médico (em 1964 deputado federal) Renato Borralho de Medeiros.
(**) Acusado de corrupção o coronel Alvarenga Mafra, governador do Território, foi preso no Rio de Janeiro e teve seus direitos restabelecidos em 1980, com a patente de general-de-brigada, conforme o historiador Francisco Matias, em Pioneiros.
1964 em RO – Amanhã
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